Mulher e Mídia 8 – Mesa 4: Racismo: a imprensa nega, a TV prega?

01 de dezembro, 2011

(Agência Patrícia Galvão) logoMM8_130Racismo e sexismo na mídia: uma questão ainda em pauta
Rio de Janeiro, 29 de novembro a 1º de dezembro de 2011

1º de dezembro – ÚLTIMA MESA DO SEMINÁRIO FOI PAUTADA POR DIVERSIDADE DE EXPERIÊNCIAS PESSOAIS

14h – Mesa 4: Racismo: a imprensa nega, a TV prega?
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Maria Ceiça de Paula (atriz)
Hilton Cobra (ator, diretor da Companhia dos Comuns)
Maria Carmen Barbosa (autora de telenovelas e séries para TV)
Rosane Borges (jornalista, professora da Universidade Estadual de Londrina)
Debatedora: Ana Veloso (jornalista, professora da Unicap e representante da sociedade civil no Conselho Curador da EBC)
Coordenadora: Alice Mitika Koshiyama (professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo)

Reportagem de Beth Brusco
Fotos de Fabiana Karine

“Sem liberdade de expressão e acesso aos canais, não há como se inserirem outros discursos”

mesa4_hilton300Com um discurso eloquente e rico em pontuações, o ator, produtor cultural e diretor da Companhia dos Comuns, Hilton Cobra, abriu a última mesa de debates do Seminário A Mulher e a Mídia 8 falando sobre suas ações enquanto militante da causa negra. Na área da dramaturgia, o ator destacou a Companhia dos Comuns, um grupo de teatro constituído de atrizes e atores negros, cujo objetivo é “o desenvolvimento de uma tábua estética e de uma dramaturgia que coloque a gente negra como dona da própria história e do seu próprio destino” e também amplie o mercado de trabalho para esse nicho de artistas e técnicos, coisa que não se verifica na TV brasileira.

Entre tantas outras funções, Hilton também é diretor do Olonadé – a Cena Negra Brasileira, uma mostra de teatro e dança negros, composta de palestras, oficinas de leitura dramatizada e espetáculos comprometidos em difundir e a valorizar a cultura e a arte cênica negras. Com esse currículo, Hilton Cobra coloca-se com firmeza: “Importante dizer que há muito me recuso a sequer pensar em fazer parte de qualquer programa, exceto para combater o racismo perpetuado, perverso, valorizado, enriquecido e lapidado pela televisão brasileira, aí em especial a TV Globo”.

Cobra argumentou também que não luta pela presença do negro na TV, porque é contra a manipulação feita dos valores da cultura negra. “Não me sinto à vontade para reivindicar a presença, ou mais presença, de artista negro em programas de televisão, novelas e etc. Não acho que valha tanto a pena assim fazer parte desses programas e corroborar com a estúpida manipulação que fazem de valores, sexualidade, questões políticas, sociais e cultura da gente negra brasileira.”

Segundo Hilton, seu objetivo é poder contribuir para a presença do negro na TV brasileira, buscando outros recursos que não os programas existentes. “Eles não nos servem, nãos nos acrescentam, alienam, revoltam e nos fazem adoecer”, enfatizou.

Outra questão destacada por Hilton Cobra diz respeito à cultura da raça negra, que representa mais da metade da população brasileira. “A cultura negra no Brasil não é apenas o samba, o pagode ou o funk, mas ela é também o rock, o reggae e o jazz. Ela não é apenas a umbanda ou o candomblé, mas a musicalidade e as pontuações discursivas que nos diferenciam dos valores portugueses, africanos e indígenas”.

Cobra destacou algumas medidas tomadas para garantir alguns direitos à população negra, tais como a Lei nº 10.639, que torna obrigatório, em seu artigo 26a, o ensino sobre história e cultura afrobrasileiras em estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e particulares; e a implementação das cotas nas universidades.

Hilton também brincou ao falar do sonho de ver a TV brasileira com programas que retratem a diversidade racial brasileira. “Produzir um filme cujo roteiro trataria do sequestro de Roberto Marinho e o resgate: um mês o país sem novelas ou similares. Isso em todos os canais da TV brasileira; no horário das novelas, programas sobre as mais variadas culturas que compõem o extraordinário caldeirão cultural brasileiro, sejam elas oriundas de matrizes africanas, orientais, europeias, norte-americanas, caribenhas, média-orientais etc., etc.”

“Também programas que informem, que provoquem uma ampla discussão sobre a legislação que rege o sistema de comunicação no Brasil. O sistema de democratização da informação, marco regulatório, concessão pública dos meios de comunicação, regionalização da grade da televisão brasileira.”

“Sem liberdade de expressão e acesso aos canais, não há como se inserirem outros discursos que não apenas o discurso imposto por essas 11 famílias que no Brasil detêm o sistema de mídia.”

Resumindo seus anseios, Hilton acredita que a questão da presença de negros e negras em programas televisivos só terá sucesso se tivermos uma ampla e absoluta inserção da gente negra brasileira em todos os espaços a que ela tem direito, através da nossa Constituição. Para ele, enquanto isso não se concretizar, o que continuaremos a presenciar é “a manipulação de alguns poucos dos nossos mais queridos, talentosos, geniais e respeitados artistas”. Um dos exemplos citados foi o da escalação do ator Sérgio Cardoso para atuar na novela ‘A Cabana do Pai Tomás’, no final da década de 60, “por exigência da Colgate Palmolive, que detinha o seu contrato, para que ele fizesse o papel principal da novela, em detrimento da escalação do ator negro Milton Gonçalves, apesar do clamor da classe artística da época.”

“Naquele momento, a televisão brasileira, a Rede Globo, usava de uma prática iniciada no cinema norte-americano, chamada black face, em que atores brancos eram pintados de preto, encarnando assim uma visão distorcida de que atores negros não estavam à altura de representar bem e como também para não chocar a sociedade, certamente racista…”

Maria Ceiça sentiu o preconceito quando conseguiu seu primeiro estágio numa grande empresa brasileira

mesa4_mceica300Na sequencia, falou a atriz Maria Ceiça de Paula, que começou contando um pouco da sua infância, para mostrar que, enquanto ela esteve em um nível básico de estudos, morando na Baixada Fluminense, não sentiu o preconceito; porém, à medida que ia galgando degraus na educação e no mercado de trabalho, ela foi descobrindo o racismo.

“As minhas primeiras lições a respeito da questão racial foram do meu pai, dizendo que o negro tinha que estudar, tinha que se educar, que não tinha lugar no mundo e ele exigia muito isso de nós. (…) Mas no meio escolar, eu não passei por isso. Na escola de periferia todo mundo é igual, a situação financeira de todo mundo é a mesma”, explicou Ceiça.

Sempre muito estudiosa, Maria Ceiça conta que passou em primeiro lugar na disputa por um estágio na Light. E, por isso, pôde escolher o setor em que queria estagiar. Foi quando ela se deparou com a primeira situação de racismo. “Aí, as pessoas que organizavam a questão administrativa da Light, falaram: Ah, que bom que você escolheu esse departamento, porque lá o diretor é negro e você vai ser bem aceita’. Foi a primeira vez, eu fiquei chocada. Até então a questão era pela educação, eu tinha que ser educada. Foi a primeira vez que isso bateu forte em mim!”, exclamou Maria Ceiça.

Ela conta que sua vida seguiu na Light por 12 anos, com várias crises pessoais, faculdade de Engenharia trancada, quando se lembrou do teatro que fazia na infância e resolveu fazer escola de teatro. “E aí, na escola de teatro, realmente, a visão da gente aumenta e foi quando a questão racial entrou com muita força, até mesmo a questão das coisas que eu gostaria de fazer fora da escola e eu vi que seria muito difícil”, explica a atriz.

“Eu queria fazer ‘Romeu e Julieta’ e falei: ‘se eu não fizer na escola como exercício, lá fora eu não vou fazer a Julieta, fazer a Liúba Andrêievna, de O Jardim das Cerejeiras’, adoro esse pesonagem, uma russa, imagina. Eu falei: ‘vou fazer na escola’; fiz todos os exercícios que eu podia. Passei a fazer teatro, televisão e cinema; e, claro, a conviver com todas as questões reais,” esclareceu.

Maria Ceiça considera que hoje, nas propagandas de TV, já se tem um pouco a presença negra, com destaque para as institucionais, dos ministérios. Entretanto, identifica que a questão racial passa pela condição de ricos e pobres.

“Eu percebo que o embate acaba sendo entre a pobreza e a riqueza. Nelas encontramos os extremos de caracterização dos personagens, incluindo aí a exacerbação dos preconceitos. A comédia quase sempre fica por conta dos gays, dos gordos. A tragédia, no sentido mais amplo, fica com a pobreza. Os desvios de conduta e personalidade, quando são tratados na trama, são com personagens negros, mulatos, sem nenhuma cerimônia, sem glamour, quase sem possibilidade de permitir ao espectador perceber que o que é visto é uma ficção.”

Em seguida, a atriz compara com a caracterização da personagem branca. “As personagens ricas são glamurizadas, mesmo com desvios, maldades e vilanias. As muheres dormem e acordam maquiadíssimas, andam em casa com saltos altíssimos, jóias etc. Sendo colocado naturalmente que aquilo é uma ficção.”

Para ilustrar ainda mais esse contraste riqueza-pobreza, a atriz compara o cenário do pobre a uma alegoria, tamanho é o exagero, o excesso a ele atribuído. E confessa que sente falta de delicadezas na televisão.

Em relação ao tratamento dado à sexualidade dos negros nas novelas, a atriz utiliza como exemplo a personagem da atriz Cris Vianna, da novela ‘Fina Estampa’, “que toma banho de borracha, seminua, no quintal de casa, e a câmera focada em sua bunda. A mesma personagem vai tomar banho com o namorado no quintal e o filho presencia tudo”.

“Será que uma mãe com dois filhos adolescentes vai tomar banho só de calcinha no quintal de casa? Ela é negra, ela é pobre. Será que é isso? Percebo que há uma certa dificuldade de tratar o negro e a pobreza com naturalidade, para tratar de um drama de qualquer natureza, sem ter que enfatizar os estereótipos”, avalia Maria Ceiça.

“Eu percebo que ainda não houve a assimilação da questão racial, da questão negra e a visibilidade na televisão. Ainda se fala, por exemplo, em núcleo negro.” Atenta à questão, Maria Ceiça contou o número de atores negros escalados para os “núcleos negros” das novelas.

Referindo-se à novela de Miguel Falabela, Aquele Beijo, a atriz faz as seguintes contagens: “São oito negros para outros 56 atores. Em ‘Fina Estampa’, também da Globo, são três para 57.”

E ela segue com uma estatística da participação de atores negros, feita por ela mesma, em produções de outras emissoras. “Na Record, na novela ‘Vidas em Jogo’, temos três atores negros, para 48, sendo que dois eram bandidos e morreram. Em ‘Rebeldes’ temos uma família, cujo pai é alcoólatra e o filho tem vergonha da família. São cinco atores para 48. … Temos ‘A Vida da Gente’, também na Globo, com um ator para 27. Então, são novelas que se passam nos dias de hoje. Ou seja, não passam de 20 atores negros para um universo de 221 outros atores.”

Concluindo seu raciocínio, Maria Ceiça mostra ter uma visão pessimista da participação dos negros na televisão. “Estamos longe de ser destaques ou personalidades escolhidas para premiação nas áreas de economia, desenvolvimento, saúde. Continuamos ainda, talvez por enquanto, sendo um pouco pessimista, como destaques no esporte, música, mas ainda estamos muito, mas muito longe, da TV”, encerra a atriz.

Mesmo com pai famoso, Maria Carmem Barbosa foi discriminada

mesa4_mcarmen300Filha de branca com negro, o compositor Haroldo Barbosa, a autora de telenovelas e séries para TV, Maria Carmem Barbosa iniciou sua apresentação a partir da sua condição de mulata, filha de um famoso. Ela contou que sua história de vida foi menos traumática porque esse fato, mas que não a blindou de sofrer preconceito na escola.

“Porque ter um pai famoso é importante também quando você é criança e tem um problema, que é ser negro. Mas isso não impediu que na escola eu não tivesse sido ofendida várias vezes como ‘você não pode sentar aqui porque você é preta.’”

A história do pai

“Minha avó era uma mulher muito simples, mas muito inteligente. E quase toda a família trabalhou para o meu pai estudar. Papai estudou no São Bento, um colégio de elite, como bolsista. De lá foi trabalhar no jornal, aprendeu inglês, foi para a Rádio Nacional, depois foi discotecário, para a Rádio Mayrinck Veiga, começou a escrever, foi para os Estados Unidos. E aí ele conheceu o verdadeiro preconceito racial.”

“Uma aventura, dias de viagem. E tudo o que cabia ao meu pai era a parte permitida aos negros. Então ele comia separado, ele dormia separado, enfim, a vida dele era um caos.”

“Eu acho que essa coisa tão radical é que fez esse movimento negro crescer tanto nos Estados Unidos. Lá o pau comia. O negro tinha, de qualquer maneira, que botar sangue na mangueira, senão ele não sairia daquilo. Ele teria morrido lá, sucumbido lá,” avalia Maria Carmem.

“Mas eu não comecei na Globo como a filha de Haroldo Barbosa. Eu comecei como auxiliar de produção. Eu carregava fita de sete quilos.”

“Na Globo, eu falava com todo mundo, todo mundo era importante. Todo mundo eu respeitava e todo mundo me respeitava também. Esse é um acordo que a gente tem que fazer. Mas o tempo todo eu sabia que ali eu era preta.”

Maria Carmem leu um texto no qual ela conta a sua trajetória antes de ser autora de novelas. Disse que se juntou a oito diretores que tinham a consciência da importância de fazer atores negros atuarem em papéis principais. E, para isso, foram ampliadas oficinas de atores.

E seus melhores trabalhos eram apresentados aos diretores de programas. Ela relatou que essa atitude trouxe e vem trazendo grandes benefícios na renovação do casting . Não importava a cor. Tinha que ser bom ator. Entretanto, ela explica que muito poucos atores negros se apresentaram.

“Os atores negros nós conseguimos ligando para as comunidades que faziam teatro, para o pessoal do Vidigal. A gente tinha um trabalho de garimpo de ator negro, porque eles não iam até a televisão, com medo da televisão, com medo de enfrentar.”

Essa declaração gerou contestação dos participantes. Uma delas disse: “Maria Carmem, os negros vão, sim, eles que não têm espaço. Eu fui na Rede Globo várias vezes, no Projac.” Outra: “receber, recebem, a gente não tem é espaço”. A autora de novelas justificou dizendo que as coisas hoje na Globo estão muito diferentes da época em que ela era responsável por descobrir esses talentos.

Explicando como se dá uma escalação de casting para uma novela de 200 atores, Maria Carmem declara:

“Com a demanda dos autores que escrevem muito mais para brancos do que para negros, isso é verdade, mesmo, a gente tem que rebolar para arranjar personagens para os negros fazerem. Nas novelas que eu fiz com o Falabella, a gente sempre teve negros. Teve porque é uma linguagem que eu falo e ele gosta dessa linguagem. A gente vai furando o cerco como pode.”

Contudo, Maria Carmem acredita que ainda temos um longo caminho de batalhas ao longo de nossas vidas.

“Eu acho que a luta do preconceito racial, a luta de preconceito sexual, a luta de preconceito social é muito grande. Todas essas são lutas que nós vamos travar por muitos anos na vida. Isso tudo é reflexo de uma cultura que ainda não está bem sedimentada. Acredito que a cultura negra transgrida tudo isso, porque é muito mais antiga do que todos nós brasileiros.”

Rosane Borges destacou a exclusão da estética negra pela produção televisiva

 

mesa4_rosane300A jornalista e professora de Universidade Estadual de Londrina, Rosane Borges, optou por fazer algumas análises e reflexões das representações da mulher negra na dramaturgia, visto que ela não é escritora de novela, nem atriz.

Rosane, então, iniciou a sua fala fazendo uma analogia entre o sol e as relações sociais no Brasil.

“O sol é uma realidade tão absoluta, que se a gente olhar para ele, fica cega. Ele é tão visível que se a gente olha para o sol as coisas se tornam invisíveis. E eu sempre penso que assim se dá as relações sociais no Brasil. Ela é uma realidade tão presente, ela atravessa tanto o nosso cotidiano, ela está tão entranhadamente nas nossas vivências, que quando a gente encara com essas situações as reações são sempre muito apaixonadas.”

A jornalista se propôs a falar de obviedades, justificando que é a partir delas que conseguimos avançar para alcançar algumas complexidades. Começou falando da importância da mídia e salientando que o próprio seminário A Mulher e a Mídia chama a atenção para isso, ao tematizar mídia para pensar as relações sexistas e racistas.

Segundo Rosane, a partir dessa obviedade, sua preocupação, quando se fala em dramaturgia, em representações do homem e da mulher negra e da mulher parte desse princípio:

“Só é possível a gente pensar nas representações, qual o papel da dramaturgia nessa história toda, quando a gente parte do entendimento de que esses sistemas midiáticos são importantes pra gente pensar em termos do imaginário, uma questão que envolve discussões acerca do certo e do errado, do melhor e do pior, do belo e do feio, do normal e do desviante, do adequado do inadequado, do próprio e do impróprio, fornecendo a todos nós… o que a gente chama de ideal cultural.”

Outra colocação de Rosane foi a de se pensar no combate ao racismo e ao sexismo a partir de um tipo de produção televisiva que exclui uma estética (a negra). Para ilustrar, ela citou situações pelas quais passou. Uma na época de faculdade, quando o câmera que a acompanhava dizia que ela não iria para a bancada de um telejornal com o cabelo que usava. Ele argumentava que era muita informação para o vídeo. A outra, quando ela era assessora de imprensa do Sesc e sua chefe pedia, com frequencia, para que ela prendesse o cabelo, pois ela assessorava um executivo.

“O Muniz Sodré costuma dizer que o negro que ingressa na televisão brasileira é o negro que se deixa morrer. O negro que ingressa nos modos de confecção da dramaturgia brasileira, de certa forma, é o negro que se deixa morrer. Quando ele não se deixa morrer, obviamente, paga um preço muito caro por isso.”

Sobre a retração do protagonismo de negros nas novelas, Rosane exemplifica com a novela “Viver a Vida”, da TV Globo, escrita por Manoel Carlos, que foi ao ar em 2009. Na primeira vez em que o autor coloca uma negra como protagonista de sua personagem Helena, no decorrer da novela esse destaque passa para uma atriz branca.

“Muito interessante da gente observar é que na primeira Helena negra do Manoel Carlos há uma retração do protagonismo, ou seja, de todas as Helenas, a Taís Araújo passa a ocupar um lugar secundário e Aline Morais passa a protagonizar a cena. O que nos interessa não é necessariamente algumas cenas a que a Taís Araújo foi submetida, mas exatamente no momento em que se tem uma protagonista negra ela é menos protagonista que as outras Helenas. “

Rosane mostrou um slide da Vênus Hotentotecomo sendo representativa da imagem da mulher negra na Era Moderna: “O corpo da Vênus Hotentotefoi submetido ao espetáculo europeu. Recentemente, voltou para a África do Sul. E essa imagem da monstruosidade, essa imagem do deformante, essa imagem do desviante, essa imagem do feio, que marca uma visualidade do que representa a mulher negra para o discurso ocidental.”

“A gente só rompe o discurso do excluído e a gente deve considerar que uma mulher que foi escravizada, como a mulher negra, e que teve que corresponder à escravidão, a partir do seu corpo, a Vênus Hotentotemarca pós-escravidão o que se imaginava, o que o imaginário esperava visualmente da mulher negra.”

Levando a questão da gramática de produção da imagem para a publicidade, Rosane citou o exemplo da propaganda da Dove, que colocou mulheres brancas, gordinhas em um comercial. Uma atitude, que, segundo ela, para os papas da publicidade é comunicação contributiva, porque todas aquelas mulheres brancas estavam fora dos padrões instituídos. A partir daí, levantou um questionamento vislumbrando um caminho de levar esse fazer para a esfera do homem e da mulher negra:

“Ao oferecer novas balizas, técnicas de produção e execução de programas, de peças publicitárias, na verdade, você tem como remexer com o imaginário. Ou seja, quais seriam as possibilidades de mulheres e homens negros romper e subverter com essa gramática de produção que nos engessa e que nos diz que sair disso não vai haver comunicação, o público não vai entender, vai ser algo difícil?”

Ana Veloso afirma que a TV brasileira é uma das mais racista do mundo

 

mesa4_anavelo300A jornalista, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e representante da Sociedade Civil no Conselho Curador da EBC, que foi a debatedora desta mesa, Ana Veloso, trouxe para reflexão o tema da autorregulação, abordado por Hilton Cobra, como uma questão importante, que a gente precisa pensar e discutir.

“Os ‘donos’ da mídia no Brasil – os heteroxessuais, brancos, ricos, que dominam a comunicação no Brasil – eles tratam, querem discutir com a sociedade o conceito de autorregulação, ou seja, a própria mídia se autorregular.”

Para ela, o debate da autorregulação é uma falácia. “Porque nós não podemos pensar, diante da alta concentração da mídia, na autorregulação, apesar de que poderia ser um dos caminhos, mas não vai resolver o problema da democratização da comunicação no Brasil.”

Ana Veloso concordou com Hilton quando ele disse que nós temos que ir para as ruas. Por isso, os movimentos sociais e da democratização da comunicação elaboraram uma plataforma, já discutida, e que agora está sendo enriquecida por membros desses, para, no próximo ano, irem às ruas fazer uma campanha para a sociedade brasileira ampliar esse debate.

Chamou atenção também para o fato de que nós vivemos na Era da TV Digital convivendo ao mesmo tempo com as sociedades que são subinformadas.

“Como Eduardo Galeano fala ‘uma sociedade em comunicação’. Em comunicação pelos elementos que as outras pessoas da mesa trouxeram – pela invisibilidade de negros e negras e homossexuais ou pela superexposição ao ridículo ou pela sub-representação ou pelo ‘ocultar mostrando’, de Pierre Gaultier, sociólogo que estuda a televisão também. Quando a televisão, que atinge a mais de 90% dos lares brasileiros, oculta uma questão, deixa de mostrar, ela está mostrando.”

“Na minha concepção, a televisão brasileira, apesar de ter avanços técnicos e tecnológicos, é uma das mais racistas do mundo,” afirma Ana Veloso.

A jornalista também colocou uma preocupação que ela tem em relação à internet: “o mito de que o acesso à internet vai resolver o problema da democratização da comunicação do Brasil, porque os negros vão ter seus próprios sites e bloggs, vão estar nas redes sociais, porque as negras também vão estar, porque os gays também vão estar, porque as mulheres vão estar. Como se pelo simples fato da gente ocupar a internet, que não é uma zona propriamente livre, existe uma série de interdições também na internet e cada vez mais vai ser um ambiente regulado, isso resolvesse o problema e a gente tivesse que abandonar o debate da radiodifusão, o qual não podemos abandonar.”

Ana Veloso sinalizou ainda que todos os palestrantes falaram sobre o uso social da tecnologia. Ela acha que esta não deve servir para massacrar a sociedade, ela deve servir para favorecer a evolução da sociedade, apropriação e o uso social dela. “Quando a tecnologia é colocada como uma condição para que a repórter negra não possa usar do jeito que ela gosta, essa imposição da tecnologia é uma falácia também. Existe uma imposição que é ideológica, cultural e racista.”

Ana Veloso também traz uma informação sobre medidas adotadas em outro país a respeito da mercantilização dos corpos das mulheres e atrizes negras, como algo que podemos adotar no Brasil.

“Há países, na Argentina, por exemplo, as mulheres negras e as mulheres em geral, em toda sua diversidade, conseguiram aprovar uma legislação, junto com o governo atual, que limita a exposição dos corpos das mulheres pelos meios de comunicação. Uma forma de reagir aos altos índices de violência.”

A lei conquistada na Argentina foi com base em dados de 150 mulheres no ano. Em Pernambuco, mais de 150 mulheres foram assassinadas, em seis meses. E a imprensa expõe a situação das mulheres da forma mais vexatória possível, reproduzindo toda sorte de valores e preconceitos, no campo do gênero, da raça e da etnia, relata Ana. “Isso é uma violência simbólica. É uma reprodução que coisifica o ser humano e não contextualiza a realidade onde acontecem os fatos.”

Para finalizar, Ana Veloso, informou que o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – que tem 8 rádios, rádioagência, agência Brasil e a TV Brasil – tem promovido a discussão da diversidade religiosa na programação da TV Pública, que, é até hoje, majoritariamente ocupada por dois segmentos religiosos. “E nós, dentro do Conselho Curador da Empresa Brasil temos representações do movimento negro e nós estamos discutindo a ampliação dessa representação para contemplar, inclusive e essencialmente, as religiões de matrizes africanas, que não têm espaço em nenhuma emissora de televisão neste País, em nenhuma emissora de rádio, a não ser nas emissoras públicas. E quando são apresentadas nas emissoras privadas, são apresentadas de forma caricata e desrespeitosa, infelizmente.”

A jornalista convidou a sociedade brasileira e a todos e todas que ali estavam para se apropriarem desse espaço aberto pelo Conselho Curador da Empresa Brasil, onde ela representa a sociedade civil e está lá para ouvi-los, assim como os outros conselheiros. “Eu acho que o debate passa por relações de poder, passa por segregação racial, mas passa também pela ocupação desse espaço, fundamental, e a construção de uma mídia pública de qualidade,finalizou Ana Veloso.

DEBATE


A 8ª edição do Seminário Nacional A Mulher e a Mídia é uma realização do InstitutoPatrícia Galvão, das secretarias de Políticas para as Mulheres (SPM) e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Fundação Ford e ONU Mulheres, e conta com o apoio do BNDES.

Saiba mais sobre as apresentações e debates acessando os links para a cobertura das mesas

29/11 – Mesa de Abertura: Racismo e sexismo na mídia: uma questão ainda em pauta

30/11 – Mesa 1 – Há uma cultura de negação do racismo e do sexismo na imprensa?

30/11 – Mesa 2 – Regulação democrática, direito à igualdade e respeito à diversidade de gênero e raça

1º/12 – Mesa 3 –Raça e gênero na publicidade: onde estão os limites éticos?

1º/12 – Mesa 4 – Racismo: a imprensa nega, a TV prega?

Cento e quarenta participantes de 25 estados foram selecionadas, por critérios previamente definidos e amplamente divulgados, dentre as mais de quinhentas inscrições. São representantes dos movimentos de mulheres e de mulheres negras, e ainda jornalistas, gestoras de programas, pesquisadores, estudantes, dentre tantos outros representantes de instituições organizadas que foram ao Rio de Janeiro participar desse debate.

Realização: Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos, Secretaria de Políticas para as Mulheres, Secretaria de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, Fundação Ford e ONU Mulheres
Apoio: BNDES

Mais informações: [email protected] – (11) 2594.7399

 

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