Aborto em caso de estupro: as mulheres sabem decidir, por Gabriela Rondon

03 de julho, 2017

PL na câmara legislativa do DF quer mostrar imagens de fetos a vítimas de estupro

(Jota, 03/07/2017 – acesse no site de origem)

O projeto de lei 1465/2013 da câmara legislativa do Distrito Federal pretende estabelecer um protocolo de acesso à informação para mulheres grávidas em decorrência de estupro e que desejem realizar um aborto legal.

De fato, há várias informações a que as mulheres precisam ter acesso ao passarem por uma experiência brutal como essa. Precisam saber qual serviço de saúde as poderá receber e oferecer acolhimento às suas necessidades, sem o risco de sofrerem nova violência e discriminação. Precisam saber o que pode ser exigido delas quando cheguem aos serviços – ao contrário de como alguns deles operam, é indevida a exigência de boletim de ocorrência, ordem judicial, ou decisão de comissão de ética para o aborto. É normatizado pelo Ministério da Saúde: basta o testemunho da mulher sobre a violência sofrida para garantir acesso ao procedimento. As mulheres precisam ainda saber qual o risco à saúde provocado por um aborto – para aqueles realizados nas primeiras semanas de gestação, os riscos são inclusive menores do que de um parto. Essas são informações cruciais às mulheres.

Mas não é nada disso que o projeto pretende garantir. A proposta legislativa estabelece a obrigação de que serviços de saúde ofereçam às mulheres imagens de desenvolvimento fetal, mês a mês, e imagens de procedimentos de aborto, antes de deixá-las decidir. A justificativa do projeto é que é preciso “conscientizar a gestante sobre o que é um aborto”. Enganam-se sobre quem e o que precisa ser “conscientizado”: toda mulher sabe o que é um aborto. Imaginar que elas não sabem o que significa ter engravidado após a violência de horror de um estupro é não entender a experiência das mulheres. Elas sabem o que acontece em seus úteros, e sabem com ainda mais dor o estigma que sofrem por não desejarem seguir com uma gestação nessas condições. Considerar que mulheres já não são capazes de tomar decisões diante do trágico é não considerá-las sujeitos protegidos por princípios básicos de dignidade e cidadania para decidir sobre suas vidas com autonomia.

Se deputados querem usar a palavra conscientização para tratar de aborto legal, precisamos falar sobre outros temas. Na exibição das imagens, não há acesso à informação sobre proteção à saúde, mas um apelo moral para confundir as mulheres sobre o que lhes é protegido como direito. Não deve haver confusão aqui: até mesmo o Código Penal reconhece absoluta prioridade à vida e saúde da mulher vítima de estupro quando lhe confere a exceção do aborto. O legislador reconheceu que a gravidez que resulta de um estupro submete as mulheres a um estado de necessidade: ou seja, provoca perigo atual à sua saúde mental, o qual a mulher vítima não provocou nem tinha condições de evitar, e por isso constitui causa de justificação específica à interrupção da gestação.Para usar o verbo do projeto: profissionais e estabelecimentos de saúde precisam ser conscientizados sobre o que é garantido desde 1940 para garantir o básico às mulheres.

Por isso, o apelo aqui não pode ser diferente: governador Rollemberg, escute as mulheres. Garanta seus direitos fundamentais à cidadania e autonomia com dignidade diante de um crime tão brutal como o estupro. Vete o PL 1465/2013.

Gabriela Rondon é pesquisadora na Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

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