Busca de casais homoafetivos por reprodução assistida vive explosão

01 de junho, 2014

(O Globo, 01/06/2014) Benjamim nascerá nos próximos dias rodeado dos típicos cuidados que cercam um recém-nascido: roupas já lavadas, quarto arrumado, mala com os primeiros pertences pronta. O que o difere de grande parte dos bebês é o casal que o receberá. Fruto da união de sete anos da designer Carolina Noury, de 33 anos, com a professora de música da UFF Luciana Requião, de 45, ele terá duas mães.

O trio integra um arranjo familiar que tem se tornado mais comum. No ano passado, resolução do Conselho Federal de Medicina deixou clara a possibilidade de casais gays recorrerem à reprodução assistida, o que já era permitido desde 2010.

— A importância de uma regra como essa é não vivermos mais em uma espécie de submundo. Recorrer a esse tipo de artifício não é mais um constrangimento — avalia Luciana.

— Aos poucos, as coisas estão se encaminhando, e a sociedade está vendo casais gays como uma família. Mas ainda há questões a serem resolvidas — pondera Carolina, grávida de nove meses. — Na sala de espera para uma consulta médica, ouvi uma mulher dizer que “este mundo está uma loucura, agora há bebês com duas mães ou dois pais”. Ainda existem pessoas que pensam assim.

Em dobro. Thais Musachi (de preto) e Luciana Avelar com os gêmeos Lucca e Laura: gravidez compartilhada – Arquivo pessoal / O GLOBO

Clínicas especializadas informam que há uma explosão na procura de casais homoafetivos. No Genesis, centro de assistência em reprodução humana de Brasília, o aumento foi da ordem de cinco vezes desde 2011. Na Pronascer, no Rio, o crescimento foi menor, ainda que expressivo: 60%, de 2012 a 2013. Hoje, casais gays correspondem a cerca de 10% dos 50 tratamentos mensais. No IPGO, em São Paulo, foram 30% mais casos.

— É uma questão de mudança social, de evolução dos padrões de família. No Brasil esse processo é mais recente, mas, em outros países, já é comum casais homoafetivos recorrerem à reprodução assistida. Aqui, o fato de o Supremo ter considerado legal o casamento incentivou as pessoas a criarem suas famílias — afirma Adelino Amaral Silva, médico da Genesis e membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do CFM.

Os casais podem escolher entre dois tipos de procedimentos, explicam especialistas. A inseminação, que custa cerca de R$ 7 mil, e a fertilização, que chega a R$ 20 mil. Benjamim foi gerado pelo primeiro, no qual espermatozoides são injetados diretamente no útero da mulher. Carolina ficou grávida na primeira tentativa. Antes disso, Luciana chegou a tentar engravidar, por meio de fertilização. Esse método pode envolver apenas uma das partes do casal ou as duas, numa gravidez compartilhada, procedimento ainda controverso para alguns médicos. Nele, o óvulo de uma das parceiras é fertilizado em laboratório e injetado na outra. Foi o caso da pediatra Luciana Avelar, de 40 anos, e da musicista Thais Musachi, de 27 anos, moradoras de São Paulo. Há dois anos, elas tiveram os gêmeos Laura e Lucca.

— Foi a realização de um sonho — afirma Luciana. — A gente conhece pessoas que conseguiram antes mesmo da resolução, mas era tudo escondido. Elas não podiam comentar que eram companheiras nem na clínica. Não era possível se apresentar como uma família.

Homens têm mais dificuldade

Os avanços não puseram fim aos problemas enfrentados por gays que desejam ter filhos biológicos. A grande maioria dos casais que recorrerem à reprodução assistida ainda é formada por mulheres. É que, para os homens, é preciso recorrer à chamada barriga solidária. A questão foi abordada recentemente na novela “Amor à vida”, da TV Globo. Diferentemente do que ocorreu na trama, porém, é quase impossível recorrer a uma amiga para gerar o bebê. Segundo as regras do CFM, a mulher que abriga o óvulo fecundado deve ser parente de até quatro grau de um dos parceiros e ter até 50 anos.

— As mulheres podem recorrer a bancos de esperma. Já o homem precisa do óvulo e do útero de substituição. As limitações são grandes — explica Marcello Valle, da clínica Origen.

Os obstáculos fizeram o advogado Carlos Alexandre Lima desistir do processo. Ele e o parceiro pretendiam recorrer à maternidade de substituição, mas não tinham uma mulher para ajudá-los. A notícia se espalhou, e eles chegaram a ser abordados por pessoas interessadas em ceder o útero em troca de dinheiro, prática proibida no Brasil.

— Fui atacado por gente querendo negociar. Recebi e-mails com propostas mirabolantes, que me criaram desgosto e mal-estar. Uma mulher falou em cobrar R$ 100 mil — desabafa o advogado. — Ao criar dificuldades, a própria regra faz com que as pessoas pensem em formas de vender facilidades.

Outra problema para gays que recorrem à reprodução assistida se impõe depois do nascimento. Eles reclamam da burocracia para registrar os bebês. Em alguns casos é necessário que uma das partes faça a adoção unilateral, o que exige uma avaliação psicológica, entre outro trâmites. Foi o que houve com a professora Luciana Requião.

— O registro ainda é um constrangimento. Sou funcionária pública, mas só vou conseguir alguns benefícios quando o processo chegar ao fim. Há uma perda material e afetiva. Não terei direito à licença maternidade, por exemplo — lamenta.

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