Busca por aborto caseiro na internet dobrou na última década

07 de junho, 2018

Pesquisas por pílulas abortivas na internet dobraram no mundo durante a última década, de acordo com uma análise de dados do Google feita pela BBC.

(BBC News Brasil, 07/06/2018 – acesse no site de origem)

As informações coletadas também apontam que em países em que a legislação sobre aborto é mais restritiva há mais pesquisas na internet por pílulas abortivas.

Comprando pílulas online e compartilhando conselhos em grupos de WhatsApp, as mulheres estão cada vez mais usando a tecnologia para burlar as barreiras legais ao aborto.

É a face moderna do “aborto caseiro”, também conhecido como “aborto faça-você-mesmo”.

A análise da BBC mostra que países com as leis mais duras, onde o aborto é permitido apenas para salvar a vida da mulher ou banido em qualquer circunstância, têm dez vezes mais buscas sobre o remédio abortivo Misoprostol do que países com menos restrições.

Há dois métodos principais para induzir um aborto: por meio cirúrgico ou com remédios.

Alto risco

Mapa: acesso legal ao aborto por país

O aborto com medicamentos é realizado com a ingestão de uma combinação de remédios, Misoprostol e Mifeprostone. O Misoprostol também é conhecido pelo nome de marca, como Cytotec.

Enquanto mulheres em países como o Reino Unido podem ter os remédios receitados por um médico, mulheres que compram as pílulas pela internet em países onde a legislação é restritiva estão frequentemente violando a lei e correndo o risco de sofrer grandes punições – e riscos à saúde.

Gana e Nigéria são os dois países com mais alta procura online por Misoprostol, de acordo com os dados do Google.

Em Gana, o aborto só é permitido em caso de estupro, incesto, defeito no feto ou para preservar a saúde mental da mulher.

A Nigéria tem leis ainda mais rígidas: o aborto só é permitido quando a vida da mulher está em perigo.

Dos outros 25 países com mais pesquisas sobre Misoprostol, 11 estão na África e 14 na América Latina. Em quase todos eles, o aborto é totalmente proibido ou permitido em casos muito restritos, como risco à vida a mulher. As duas únicas excessões são Zâmbia e Moçambique.

Na Irlanda, tomar uma pílula abortiva pode resultar em uma pena de 14 anos de prisão. No entanto, um plebiscito feito em maio mostrou que a grande maioria da população – 66,4% – é a favor do fim da lei antiaborto, que agora será modificada pelo Congresso.

O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, que fez campanha a favor da legalização, diz que as novas regras passarão a valer até o fim do ano.

Mapa: procura por pílulas abortivas por país

A BBC News Brasil fez uma reportagem exclusiva sobre um grupo de WhatsApp que ajuda mulheres a obter os remédios e dão conselhos sobre o procedimento.

O grupo, criado por mulheres, se vê como um espaço de acolhimento e auxílio a mulheres que desejam fazer aborto em casa.

A grande maioria das mulheres que integram o grupo, incluindo as coordenadoras, é jovem – têm entre 18 e 25 anos.

Muitas moram com os pais e estudam – estão nos primeiros semestres da faculdade – e dizem nas conversas de WhatsApp que optaram pelo aborto porque não querem deixar os estudos e não têm independência financeira.

A busca

A análise de dados do Google também revelou com que frequências certas frases específicas são procuradas.

“Remédio para aborto” é a frase mais pesquisada em todos os países analisados.

“Como fazer um aborto” é a pergunta mais feita em mais de dois terços dos países.

Outras frases comuns são “como usar Misoprostol”, “Misoprostol preço”, “comprar Misoprostol” e “Misoprostol dosagem”.

Gráfico: procura é maior onde as leis são mais restritivas

Além das pílulas abortivas, mulheres também buscam por outros métodos para induzir aborto.

Salsinha, canela, vitamina C, aspirina e chás de ervas aparecem como métodos pesquisados. Nenhum deles é considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em metade dos países analisados, “remédio caseiro para aborto” estava entre as principais pesquisas relacionadas ao tema.

Um estudo sobre uso de chás abortivos na África subsaariana revelou que algumas plantas de fato afetam o útero, mas há muitos pontos negativos no uso desse método tradicional.

É difícil, por exemplo, controlar a dosagem e sabe-se pouco sobre os efeitos colaterais.

No mundo todo, cerca de 25 milhões de abortos pouco seguros são realizados todos os anos, segundo a OMS. Isso equivale a 45% de todos os abortos.

Embora o Misoprostol seja considerado um método seguro quando administrado por um profissional de saúde, ele pode trazer riscos quando tomado por conta própria.

“Mesmo quando a qualidade do produto é ótima e você segue o protocolo, ainda há um risco de falha”, diz Dhammika Perera, diretor médico da entidade Marie Stopes International.

Ele afirma que as chances de um aborto malsucedido aumentam muito quando o remédio é comprado pela internet ou administrado por uma pessoa sem preparo.

Essas mulheres também estão menos inclinadas a buscar cuidados médicos após o aborto caso algo dê errado.

“Estigma, custo, acesso e medo de punições fazem as mulheres hesitar em procurar ajuda e as colocam em risco”, diz Perera.

Abortos incompletos

A estudante de direito Arezoo morava no Irã quando descobriu que estava grávida do namorado. Eles sempre tinham usado métodos contraceptivos.

“Eu entrava em toda clínica de ginecologia que via no caminho”, diz ela. “Quando os médicos me examinavam, descobriam que eu não era casada e precisava de um aborto, eles me rejeitavam imediatamente.”

Ela fez documentos falsos dizendo que era divorciada e convenceu um médico a ajudá-la.

“Ele cobrou o olho da cara por oito pílulas”, conta ela. Mas o medicamento não teve efeito.

Arezoo então procurou na internet e encontrou uma entidade que envia pílulas de aborto para mulheres em países onde o procedimento é restrito. Ela recebeu conselhos e apoio.

As pílulas que ela conseguiu com o médico fizeram a jovem sangrar muito, mas o aborto não foi completo. Uma semana depois, Arezoo foi para um hospital particular acompanhada pela irmã.

“Eu menti, disse que meu marido estava na França, que meus documentos estavam em um cofre em algum lugar e que eu precisava de um aborto seguro.”

Os funcionários do hospital estavam relutantes e não queriam recebê-la. Arezoo diz que foi um milagre eles finalmente terem cedido e acreditado nela.

“Depois de mentir e inventar histórias, eu finalmente fui internada e 30 minutos depois fizeram um procedimento cirúrgico. Foi o pior pesadelo da minha vida”, diz ela.

Cerca de 14% dos abortos são “menos seguros”, o que significa que eles foram realizados por pessoas sem preparo e usando métodos perigosos, como a introdução de objetos no canal vaginal e o uso de chás de ervas.

Esses métodos geram problemas como infecções e abortos incompletos – nesses casos, os médicos receitam mais medicamentos ou cirurgia, dependendo do caso.

Pelo menos 22,8 mil mulheres morrem todos os anos como resultado de abortos inseguros, segundo o Instituto Guttmacher.

*Reportagem de Amelia Butterly e jornalismo de dados de Clara Guibourg. Colaboraram Dina Demrdash, Nathalia Passarinho and Ferenak Amidi.

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Metodologia da pesquisa:

Todos os dados de pesquisa usados são em relação aos últimos 5 anos e vêm do Google Trends, que não disponibiliza o volume exato de pesquisa, mas o interesse relativo em um assunto em uma escala de 0 a 100, onde 100 é o pico de interesse no assunto em um período e local específicos. Pesquisas feitas em outras línguas ou usando diferentes nomes para o medicamento (ex. “abortion pill”, “Misoprostol” ou “Cytotec” estão incluídas nas informações coletadas.

Procuramos por dados de pesquisas globais para tendências gerais e analisamos 14 países em detalhe: Gana, Nigéria, Honduras, Bolívia, Equador, Nicarágua, Quênia, México, Estados Unidos, Colômbia, Brasil, Argentina, Índia e Irlanda. As informações sobre a legislação de cada país foram fornecidas pelo Centro para os Direitos Reprodutivos.

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