Drama da maternidade nas cadeias choca às vésperas do STF julgar tema

18 de fevereiro, 2018

Jéssica Monteiro, 24 anos, foi presa com 27 papelotes de maconha pouco antes de dar à luz; Na terça, Supremo julgará habeas corpus que pede liberdade para mães em prisão provisória

(El País, 18/02/2018 – acesse no site de origem)

Jéssica Monteiro, de 24 anos, foi presa em flagrante no sábado, dia 10, na casa decrépita em que mora no Brás, região central de São Paulo. Parda, desempregada e sem ter completado sequer o primeiro grau, estava grávida de nove meses quando policiais que faziam uma patrulha a flagraram com “quatro invólucros plásticos com uma erva de cor esverdeada, provavelmente maconha, dentro do sutiã”, explica o boletim de ocorrência do caso. Segundo o documento, outros 23 pacotes iguais foram dispensados por ela na porta de entrada do local. Foi presa em flagrante ao lado de outro homem, que também portava entorpecentes na casa, segundo a polícia.

Jéssica afirma que as drogas pertenciam a outra pessoa. E que a porção que estava com ela, cerca de 90 gramas, seria para consumo próprio. Nunca teve passagem pela polícia. Mas a Justiça entendeu que o delito pelo qual ela foi indiciada tinha gravidade. “Tráfico de drogas é delito equiparado ao hediondo e cujo tratamento exige maior rigor”, explicou o juiz Claudio Salvetti D’Angelo. “A prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução processual e para assegurar a aplicação da lei penal”, ressaltou ele, na sentença que transformou a prisão dela em preventiva no domingo, um dia depois da prisão. Enquanto o magistrado tomava a decisão, Jéssica entrava em trabalho de parto na delegacia. Foi levada para um hospital, pariu o filho, e dois dias depois retornou, com o bebê nos braços, para uma cela de dois metros, com um colchão no chão. Os dois permaneceram presos ali por mais três dias até serem transferidos para o Pavilhão Materno Infantil da Penitenciária Feminina da Capital, que tem atendimento para bebês em período de aleitamento materno, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Ela dividia a maternidade com outras 37 presas e seus bebês.

“Jéssica estava chorando e muito abalada. Ela foi presa com pequena quantidade de drogas, é primária, tem bons antecedentes, um filho de 3 anos e o bebê recém-nascido. Tem direito a prisão domiciliar e a responder pelo crime em liberdade provisória. São flagrantes as violações de direitos humanos“, afirmou, após visitá-la na delegacia, Ariel de Castro Alves, integrante do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe), na última sexta-feira, 16. Nesta mesma noite, após intensa cobertura da imprensa, a Justiça aceitou que Jéssica cumprisse sua prisão em casa.

A imagem da mãe e do bebê no cárcere gerou comoção na última semana e agitou a discussão sobre a situação da maternidade no cárcere, poucos dias antes de um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode trazer uma vitória a organizações que lutam para melhorar a vida de mulheres presas. Nesta terça-feira, 20, a Segunda Turma do STF, um dos subgrupos do colegiado, julgará o habeas corpus 143.641, protocolado em maio do ano passado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), que pede que todas as mulheres presas preventivamente do país, que estejam grávidas ou tenham filhos de até 12 anos, respondam ao processo fora do cárcere. Se a regra for cumprida, 1.746 mulheres podem deixar a prisão, algo equivalente a dois presídios inteiros, afirma a entidade.

O caso foi relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski, que pediu para o Ministério da Justiça dados que possam subsidiar sua decisão. Recebeu de volta números alarmantes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Em 16 anos, a quantidade de mulheres encarceradas saltou 700%. Em 2000, 5.601 mulheres cumpriam medidas de privação de liberdade. Em 2016, este número foi para 44.721. Quatro de cada dez mulheres presas no país ainda não foram condenadas definitivamente. E oito de cada dez são mães e responsáveis principais ou únicas pelos cuidados dos filhos. O ministro também solicitou dados referentes a mulheres grávidas ou mães que estão presas no momento, mas só os recebeu de dez Estados, que somavam 113. O CADHu acredita que o número é muito maior.

Em seu pedido ao STF, a organização se baseia no Marco Legal da Primeira Infância, aprovado em 8 de março de 2016, que amplia o direito de se substituir a prisão preventiva por domiciliar nos casos de gestantes ou mulheres com filhos até 12 anos, para manter o convívio entre filhos e mães, muitas vezes as únicas responsáveis pelas crianças. “É preciso levar em consideração a ruptura dos vínculos familiares, por isso o Marco deve ser respeitado”, destaca a advogada do coletivo, Nathalie Fragoso. “68% do contingente de presas do Brasil está encarcerada por envolvimento com drogas. São crimes, em regra, sem violência e cujo cometimento está associado com a condição de vulnerabilidade.” O escritor e oncologista Drauzio Varella, autor do livro Prisioneiras (Companhia das Letras), reforça: “A mulher vai pra cadeia e perde o controle da família. Ela sabe que as crianças vão ficar desprotegidas: as pessoas abusam de criança com a mãe presa. E os filhos muitas vezes são espalhados. Imagina três irmãos, acostumados a ficarem juntos, e quando a mãe é presa vai cada um para um lado. Imagina a dor dessas crianças”, disse ele ao ao EL PAÍS no ano passado.

Alguns Estados possuem alas especiais para mães e filhos recém-nascidos, como a que estava Jéssica. Mas nem sempre estes locais são adequados, afirma a advogada. “Neste espaço, a mãe é privada de todas as demais atividades do presídio. E o prazo mínimo de seis meses para que o bebê fique com ela com frequência se torna máximo e há uma ruptura deste vínculo”, destaca ela. A criança, depois deste período, é entregue para um familiar ou, na ausência de um responsável próximo, acaba em um abrigo. “A solução adequada é tirar esta mulher deste ambiente”, ressalta Fragoso.

O STF já tomou decisões em que a prisão domiciliar foi a opção escolhida para mães. Aconteceu, por exemplo, com Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, condenada em primeira instância por lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa.  A advogada é mãe de uma criança de 11 anos, que não tem outro responsável para cuidar dela. O ministro do STF, Gilmar Mendes, decidiu em liminar libertá-la e disse que “a condição financeira privilegiada da paciente” não poderia “ser usada em seu desfavor.”Este pode ser um precedente importante para a decisão da próxima terça-feira.

Talita Bedinelli

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas