Elas foram presas por aborto e agora lutam para mudar a lei

19 de abril, 2018

Debate sobre a questão em El Salvador aumentou nos últimos anos

(O Estado de S. Paulo, 19/04/2018 – acesse no site de origem)

Quando Teodora Del Carmen Vásquez saiu da prisão feminina de Llopango, semanas atrás, abraçou os pais, o filho adolescente – e imediatamente o movimento que luta para mudar a lei antiaborto que roubou mais de dez anos da sua vida.

Em El Salvador, onde uma proibição total do aborto leva a suspeitar imediatamente das mulheres cuja gravidez não acaba com uma criança saudável, Teodora foi marcada como criminosa depois que começou a sangrar e deu à luz a um filho natimorto. Condenada a 30 anos de prisão por homicídio agravado, ela só foi solta depois que a Suprema Corte determinou que não havia provas suficientes para mostrar que ela matara o filho.

“Chegou o momento de falar, chegou o momento de agir”, disse Teodora, que na prisão foi a porta-voz de um grupo de 24 mulheres acusadas deste mesmo crime. “Na situação em que nos encontramos, dentro de alguns anos será crime ser mulher em El Salvador”.

Enquanto a América Latina começa lentamente a acabar com as restrições ao aborto, seis pequenos países mantiveram uma proibição total, inclusive em casos em que a vida da mãe estava em risco. E nenhum outro país aplica esta proibição com o mesmo zelo de El Salvador.

Entretanto, agora, grupos que defendem os direitos da mulher e seus aliados no Congresso acreditam que elas podem dispor dos votos necessários para a aprovação do aborto em determinadas circunstâncias. Foram apresentados dois projetos de lei abrindo o debate sobre a questão pela primeira vez desde que a proibição total passou, há vinte anos.

O Ministério da Saúde de El Salvador é favorável à mudança da legislação, e os médicos começaram a se manifestar afirmando que a proibição os deixa de mãos atadas nos casos de gravidez de risco. As organizações internacionais consideram a proibição uma violação dos direitos das mulheres, e o Chile, que abrandou a lei em agosto, estabeleceu um importante exemplo.

“Há um amplo espectro de casos duvidosos, e nós precisamos manter o diálogo a este respeito”, disse Johnny Wright Sol, um parlamentar que rompeu com o partido de direita Arena, no ano passado, e propôs um projeto de lei que permite o aborto quando a saúde da mãe está em risco ou no caso de uma menor que foi estuprada.

Um projeto separado ampliaria as exceções à proibição incluindo o aborto em todos os casos de estupro e os que envolvem um feto inviável. Os defensores esperam levar a questão à votação antes do final de abril, e antes da posse da nova Assembleia, mais conservadora, que foi eleita no mês passado.

Teodora, 34, trabalhava na lanchonete de uma escola quando teve uma hemorragia e pediu assistência médica antes de perder os sentidos e dar à luz a uma criança morta. Inicialmente, os promotores a acusaram de ter feito um aborto e depois mudaram a acusação para homicídio agravado. Ela nunca pôde falar com o seu defensor público.

Foi solta em fevereiro, depois que a Suprema Corte comutou a sua sentença.

Quatro semanas mais tarde, Maira Figueroa Marroquín deixou Llopango depois que o governo comutou sua sentença de 30 anos. Em 2003, quando ela trabalhava como camareira e tinha 19 anos, Maria teve uma hemorragia no trabalho, perto do final da gravidez e, como Teodora, foi acusada primeiramente de ter feito um aborto e, depois, de homicídio agravado, segundo o Grupo de Cidadãos. Ficou presa quase 15 anos.

Os ativistas que se opõem ao relaxamento da proibição começaram sua própria campanha, afirmando que a redução da mortalidade materna de El Salvador mostra que os médicos podem tratar da gravidez de alto risco sem levantar a proibição.

Mas a ministra da Saúde, a dra. Violeta Menjivar, disse que, entre 2011 e 2015, 13 mulheres morreram de gravidez ectópica, em que o embrião se desenvolve fora do útero sem nenhuma possibilidade de sobrevivência. Outras 36 morreram no mesmo período, quando as doenças crônicas de que sofriam se agravaram por causa da gravidez. A dra. Victoria Ramírez, ginecologista que apoia uma mudança da lei, afirmou ter tratado recentemente de uma menina pobre, com retardo mental, que fora estuprada e buscara assistência com uma gravidez de alto risco. A criança prematura terá graves problemas de desenvolvimento e não poderá contar com qualquer recurso para tratamento, disse a médica.

“Quando uma mulher está grávida, ela perde todos os seus direitos”, observou a Dra. Ramírez, “porque o bebê tem mais direitos do que ela”.

Elisabeth Malkin

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