Mais de um ano após início do surto, incerteza paira sobre a microcefalia

03 de novembro, 2016

Efeitos do Zika no desenvolvimento das crianças seguem em investigação.
Para infectologista, desdobramentos da infecção ainda estão no início.

(G1 PE, 02/11/2016 – Acesse no site de origem)

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A epidemia de microcefalia em Pernambuco ainda reserva muitos desafios a todos os envolvidos: famílias, poder público e classe médica. Dezenas de médicas e médicos mergulharam de cabeça em pesquisas sobre o que hoje se chama Síndrome Congênita do Zika vírus. Desde os primeiros casos, em outubro de 2015, quando se constatou uma evolução do padrão de microcefalia no estado, cada notificação gerou mais perguntas sobre como a infecção pelo vírus interfere na formação do cérebro dos bebês. Um ano depois, os estudos ainda carecem de certezas.

“É tudo muito novo sobre o Zika, em comparação com outras causas de doenças congênitas. É um fenômeno que não aparece escrito em nenhum momento na literatura científica nacional e internacional”, destaca a médica infectologista Regina Coeli, do ambulatório de Doenças Infectocontagiosas e Parasitárias (DIP) Infantil do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), localizado no bairro de Santo Amaro, área central do Recife.

Coeli é uma das médicas que está escrevendo este novo capítulo da história da epidemiologia no Brasil e no mundo. No ambulatório onde atua, coordenado por Ângela Rocha, também infectologista pediátrica, cerca de cem crianças com microcefalia são atendidas e acompanhadas regularmente, além de outras tantas que são casos suspeitos. O fato é que todas elas estão em investigação constante, incluindo as que têm diagnóstico de microcefalia tanto confirmado quanto descartado.

“A criança que nasceu com outras alterações pode vir a apresentar alguma alteração no cérebro no decorrer da evolução. Não tem como dizer que não vai aparecer mais nada”, reflete Regina Coeli. Apesar de tantas questões a serem respondidas, a colega Ângela Rocha percebe que os caminhos para a compreender o fenômeno e seus desdobramentos estão se abrindo.

“A gente entende hoje que a microcefalia é o ponto mais grave da infecção por Zika intraútero. Por isso, a gente chama de síndrome congênita do Zika. O bebê pode ter apenas alterações visuais, auditivas. Às vezes, o tamanho da cabeça é até normal, mas quando vamos ver o exame de imagem, tem uma alteração, um comprometimento no cérebro”, complementa Rocha.

Força-tarefa
Enquanto as dúvidas vão se esclarecendo e outras vão surgindo, o Ministério da Saúde disponibilizou, em janeiro deste ano, para médicos e gestores públicos de todo o país, as Diretrizes de Estimulação Precoce para crianças de até três anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia.

A iniciativa é uma tentativa de resposta ao cenário de urgência que decorre do aumento dos casos de microcefalia em todo o país: de acordo com a Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES-PE), entre outubro do ano passado e 8 de outubro deste ano, 2.149 casos suspeitos de microcefalia foram notificados, tendo 389 sido confirmados. Em 2014, o estado registrou apenas 12.

Com isso, 26 unidades estaduais de saúde passaram a tratar crianças com microcefalia e oferecer atendimento psicossocial a elas e suas famílias, quando antes apenas duas tinham o serviço, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) e a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).

Os quadros também foram reforçados com a contratação, via concurso, de 2.891 profissionais, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, fonoaudiólogos e técnicos de enfermagem, o que acarretou num aumento de R$ 6 milhões por mês na folha de pagamentos do Estado.

A estimulação precoce visa maximizar o potencial de cada bebê inserido no programa estabelecendo o tipo, o ritmo e a velocidade dos estímulos e designando, na medida do possível, um perfil de reação, desde o período neonatal. Tudo num ambiente favorável para o desempenho de atividades que são necessárias para o desenvolvimento da criança.

No Hospital Oswaldo Cruz (HUOC), hoje uma das unidades de saúde que mais recebe crianças com a síndrome, teve início um atendimento multiprofissional, com a inserção de fisioterapia e fonoaudiologia. O hospital também trabalha de forma integrada com outras unidades, como a Fundação Altino Ventura, centro de referência em oftalmologia, para onde são encaminhadas as crianças que apresentam comprometimento na visão em decorrência da síndrome.

De acordo com a coordenadora do DIP Infantil/HUOC, Ângela Rocha, a estimulação precoce tem tido boa resposta. “Não há como padronizar [o resultado]. De uma criança que teve uma lesão importante, não se vai esperar que fique como uma criança completamente formada. No entanto, com a estimulação, há correção de algumas coisas. Dentro da lesão que ela sofreu, a gente tentar fazer com que ela consiga o melhor ganho, o melhor rendimento. As mães mesmo relatam como elas [as crianças] estão melhores”, esclarece.

Devido à grande demanda, há crianças em lista de espera para a estimulação. E não se sabe se essa lista pode crescer ainda mais. O verão está voltando e, com ele, o mosquito transmissor do Zika vírus, o Aedes aegypti, que se reproduz em épocas quentes e chuvosas. Ângela Rocha complementa que o enfrentamento ao mosquito transmissor não é apenas responsabilidade da população.

“No combate ao vetor, a gente sempre teve muita dificuldade. Há quanto tempo vemos campanha contra o mosquito da dengue, não é? Mas é complicado se falar em conscientização da população, principalmente se não tem saneamento básico. É uma população que tem a dificuldade de coleta de lixo e de água encanada”, conclui a infectologista.

Balanço financeiro
O surto de arbovirores (dengue, zika e chyncungunya) e microcefalia gerou no estado a necessidade de promover uma movimentação milionária de recursos para a saúde pública. O governo alega ter investido, com a reestruturação da rede de saúde estadual e os investimentos em pesquisas sobre a doença, mais de R$ 65 milhões, tudo do orçamento do próprio estado.

Segundo dados da Secretaria de Saúde, o único repasse da União enviado para Pernambuco foi de R$ 3,2 milhões, referente à portaria interministerial nº 405, que definiu os valores para os estados da Federação levando em conta o número de casos confirmados e em investigação contidos no informe epidemiológico nº 16, de 5 março de 2016. À época, Pernambuco tinha um total de 1.455 casos confirmados e em investigação.

O valor foi recebido em duas parcelas, liberadas em março e maio deste ano, e foi voltado, exclusivamente, para o fechamento dos diagnósticos dos bebês e não para acompanhamento e tratamento desses pacientes. Esse repasse ainda foi dividido com os municípios, tendo R$ 1 milhão sido destinado para as prefeituras.

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