Menos de 1% dos abortos realizados no Brasil em 2015 foi legal

18 de janeiro, 2018

De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto em 2016, cerca de 416 mil brasileiras interromperam a gravidez em 2015.

(HuffPost Brasil, 18/01/2018 – acesse no site de origem)

Menos de 1% dos abortos no Brasil são legais. O dado é uma comparação entre a estimativa de interrupção da gravidez da Pesquisa Nacional de Aborto de 2016 (PNA 2016) e informações do relatório Mundial da Human Rights Watch, divulgado nesta quinta-feira (18).

De acordo com a PNA 2016, cerca de 416 mil brasileiras interromperam a gravidez em 2015. Já o estudo mostra que, no mesmo ano, foram realizados 1.667 abortos legais no Brasil, segundo dados repassados pelo Ministério da Saúde para a Human Rights Watch. O número equivale a 0,4% do total de procedimentos.

“Mulheres e meninas que realizam abortos ilegais no Brasil não apenas se expõem a riscos de lesões e de morte, mas também estão sujeitas a penas de até três anos de prisão, enquanto pessoas que realizam esses procedimentos podem enfrentar até quatro anos de cadeia”, destaca o relatório.

Segundo a PNA 2016, encabeçada pela antropóloga Debora Diniz, quase 1 em cada 5 brasileiras, aos 40 anos já realizou, pelo menos, um aborto. A pesquisa se baseou em um levantamento domiciliar com mulheres de 18 a 39 anos.

A ‘PEC do aborto’

Milhares de mulheres brasileiras protestam no Rio de Janeiro à favor da legalização do aborto e contra a PEC 181, conhecida como Cavalo de Troia, em novembro de 2017. (Foto: AFP/Getty Images)

O aborto no Brasil só é legal em caso de estupro e risco de vida da mãe, de acordo com o Código Penal. Uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) prevê também a interrupção da gravidez no caso de anencefalia do feto.

A previsão do Código Penal, de 1940, está em risco diante da PEC 181. A Proposta de Emenda à Constituição apelidada de “Cavalo de Tróia” estabelece que a vida começa na concepção. Se for aprovada, a medida pode entrar em conflito com a legislação atual e representar uma retrocesso nos direitos reprodutivos.

Em uma articulação da bancada religiosa, o texto-base foi aprovado em uma comissão especial da Câmara dos Deputados em novembro, por 18 votos a favor, todos de homens, e um contra. O colegiado irá analisar destaques da proposta neste ano. Em seguida, ela pode ir para o plenário, onde precisa de 308 votos, em dois turnos, antes de seguir para o Senado.

Tramita no STF uma ação que pede a descriminalização da interrupção da gravidez até a 12ª semanas, marco considerado, período considerado seguro para o procedimento. A ação foi proposta em março de 2017 pelo PSOL, com assessoria da Anis – Instituto de Bioética.

No final do ano passado, o processo ganhou destaque por meio de Rebeca Mendes da Silva Leite. Ela foi a primeira mulher a pedir ao Supremo para não ser punida por interromper a gravidez. O pedido foi negado pela ministra Rosa Weber e Rebeca fez o procedimento na Colômbia, de forma legal.

No Rio de Janeiro, por exemplo, a maioria das mulheres que abortou é negra ou parda, têm entre 22 e 25 anos e já são mães. “Vivemos em uma década em que houve uma maior criminalização do aborto, somadas à redução dos números de aborto legal, casos de mulheres mortas em decorrência de um aborto inseguro, mulheres denunciadas à polícia por procurar o sistema de saúde”, afirma Debora Diniz, antropóloga e coordenadora da PNA.

Direitos das mulheres no Brasil

Patrícia Santos Silva, com o filho Gabriel (Foto: Jul Sousa/Especial para o HuffPost Brasil)

No Relatório Mundial de 643 páginas, em sua 28ª edição, a Human Rights Watch analisa as práticas de direitos humanos em mais de 90 países. A respeito do Brasil, a organização destaca ainda duas outras violações de direitos das mulheres: a violência doméstica e a epidemia do zika vírus.

De acordo com o relatório, o surto de zika em 2015 teve impactos “particularmente danosos” a mulheres e meninas. Quando uma mulher grávida é infectada, o vírus pode provocar a síndrome congênita do zika, que prejudica o desenvolvimento infantil. Os sintomas vão desde a microcefalia à deficiências motoras e na fala.

Dois anos após a epidemia, mulheres ainda sofrem as consequências. A série de reportagens “Zika em Alagoas: Esquecidos pelo Estado”, publicada em dezembro pelo HuffPost Brasil, mostrou que no estado com menor IDH (índice de desenvolvimento humano) do País, a população sofre com deficiências no diagnóstico e acesso ao tratamento.

A falta de assistência do Estado para famílias afetada pelo zika também foi destacada pela Human Rights Watch, além da deficiência no saneamento básico, principal causa da epidemia. “O investimento inadequado em infraestrutura de água e saneamento básico, bem como a limitada oferta de informações e serviços de saúde reprodutiva, agravaram o surto de zika e deixaram a população brasileira vulnerável a futuras epidemias”, diz o relatório.

Diante desse cenário, um grupo voluntário de profissionais da Saúde e de outras áreas organizou um mutirão para reavaliar as crianças em Maceió. Dos 26 diagnósticos concluídos, 38% dos casos tinham microcefalia, atraso no desenvolvimento ou alguma outra alteração, de acordo com dados inéditos a que o HuffPost Brasil teve acesso. Leia reportagem completa.

Quanto à violência doméstica, a entidade ressalta que a implementação da Lei Maria da Penha, de 2006, ainda está incompleta. Entre as lacunas estão recursos humanos insuficientes nas delegacias especializadas, concentração dessas unidades nas grandes cidades e horários de funcionamento inadequados. “De acordo com os dados disponíveis, milhares de casos por ano não são devidamente investigados”, diz a pesquisa.

Em 2016, 4.657 mulheres foram mortas no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Andréa Martinelli e Marcella Fernandes

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