O cavalo de Troia e a guerra santa contra as mulheres, por Mariana Prandini Assis

16 de novembro, 2017

PEC 181, aprovada em Comissão Especial da Câmara de Deputados, vem sendo chamada de Cavalo de Troia. A proposta de emenda foi inicialmente apresentada com o objetivo de ampliar os direitos das mulheres: as mães de bebês prematuros fariam jus à extensão da licença maternidade pelo mesmo período em que suas crianças tivessem ficado sob cuidado hospitalar. Contudo, tal como os gregos fizeram com os troianos, parlamentares capitaneados pelo Deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) modificaram substancialmente o texto da emenda para incluir a palavra “concepção” na alteração dos dois artigos da Constituição e definir que a vida começa na fecundação entre um óvulo e um espermatozoide.

(Católicas pelo Direito de Decidir, 16/11/2017 – acesse no site de origem)

Assim como na Grécia, aqui também o Cavalo de Troia é uma arma de guerra. Não é a proteção da vida que almejam os deputados que propuseram a emenda, ou os que votaram por sua aprovação. Se com a vida estivessem preocupados, teriam se levantado contra a mudança constitucional que impôs ao país um regime de austeridade fiscal sem precedentes no mundo e que afetará especialmente os serviços sociais e de saúde; ou contra a reforma trabalhista, que institucionaliza condições sub-humanas de trabalho; ou ainda contra o ‘auto de resistência’, atestado de morte da população jovem, negra e periférica nas mãos do aparato repressor do estado.

A guerra que travam esses deputados, armados com argumentos dogmáticos e lições patriarcais, é contra a autonomia e a dignidade das mulheres. O objetivo da emenda proposta é criminalizar o aborto – hoje permitido no Brasil apenas em caso de estupro, risco para a vida da mãe e feto anencefálico – em todas as situações, colocando ainda mais mulheres na clandestinidade que põe em risco suas vidas. Assim, para fazer valer seu dogma, mas sobretudo seu desejo de dominação masculina, esse grupo de parlamentares desprotege as mulheres ao mesmo tempo em que opta pela ampliação da pior resposta a um problema de saúde pública, a cadeia.

Os gregos foram bem-sucedidos em sua estratégia porque os troianos confiaram em sua boa-fé. Do lado de cá do mundo, onde aprendemos com Dandara, Pagu, Margarida Alves, Elza Soares, Maria da Penha, dentre muitas outras, que a resistência é um modo de existência, desmontaremos esse cavalo antes que ele cruze as fronteiras de nossos corpos.

Mariana Prandini Assis é advogada feminista e popular do Coletivo Margarida Alves, mestra em ciência política e doutoranda em política.

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