“O zika torna inevitável o debate sobre o aborto”, diz Suzanne Serruya, da OMS

30 de janeiro, 2016

(Época, 30/01/2016) A médica brasileira se tornou chefe global da área de microcefalia na OMS. Ela alerta que mesmo algumas crianças sem microcefalia terão de ser monitoradas pelos pediatras e as famílias, por causa da difusão do zika

A médica obstetra brasileira Suzanne Serruya diz não ter tido Natal nem Ano Novo. Nos feriados, ela se preparava para buscar algumas respostas sobre o vírus zika que ninguém tem ainda. Em janeiro, ela foi nomeada chefe da área de microcefalia criada em esquema de urgência na Organização Mundial da Saúde (OMS). Já era diretora do Centro Latino-Americano de Saúde Materno Infantil da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), braço pan-americano da OMS. Agora, com a nova atribuição, Suzanne usará seus 30 anos de experiência na área para tentar fomentar, entre governos e órgãos multinacionais, as pesquisas e políticas públicas adequadas no combate ao zika e na compreensão de sua relação (ainda incerta) com a microcefalia.

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ÉPOCA – Uma questão inevitável diante do surto de microcefalia é o aborto. No Brasil, o aborto é permitido em alguns poucos casos. Em casos de infecção pelo zika, deveria ser permitido legalmente?
Suzanne Serruya –
Os casos de zika vão pressionar o debate sobre os direitos reprodutivos. A interrupção da gravidez, em qualquer situação, é uma decisão da mulher. A mulher sem acesso ao aborto legal, independente da situação econômica, pode optar pelo aborto clandestino. Quem está na ponta mais pobre do sistema estará exposta a abortos inseguros, sim. Enfrentar a discussão do aborto é inevitável, com tudo que ela traz.  A gente precisa separar a religião das decisões políticas. Estados não laicos são extremamente desfavoráveis à mulher. A interrupção da gestação é uma questão de saúde pública, envolve morte materna. Espero que todos os países possam entrar nessa discussão e chegar à melhor decisão pensando na mulher.

ÉPOCA – Não temos respostas de como o vírus se comporta no organismo. Os números têm mostrado uma associação entre o zika e a microcefalia. O que as mulheres têm de saber?
Suzanne –
 Temos poucas respostas sobre o zika. Segundo os primeiros resultados de pesquisas, os fetos das mulheres que tiveram zika no primeiro quadrimestre da gestação, até 16 semanas, têm mais chances de desenvolver mais complicações. Isso não quer dizer que em outro período da gravidez o risco seja menor ou inexista. Alguns médicos brasileiros encontraram calcificações no cérebro de algumas crianças sem microcefalia. Essas calcificações são importantes, porque podem levar a alterações neurológicas no futuro. É importante que a família e o pediatra da criança estejam atentos, porque a gente vai aprender acompanhando o crescimento das crianças. Estamos todos atrás de respostas. Por isso, estamos pedindo que as mulheres grávidas ou que desejam engravidar se protejam vestindo roupas longas, usando repelentes, dormindo com coberta e, como todo mundo, eliminando os focos de proliferação do mosquito. É tudo o que pode ser feito agora.

ÉPOCA – Alguns países, como El Salvador, pediram às mulheres que não engravidem até 2018. O Brasil não adotou essa postura. Qual é a avaliação da senhora?
Suzanne –
Essa decisão tem de ser da mulher, e isso está garantindo em todos os marcos legais dos direitos sexuais e reprodutivos dos quais os países da região são signatários. Recomendamos que ela esteja bem informada e que tenha acesso a um excelente serviço de planejamento familiar e controle de pré-natal.

ÉPOCA – A microcefalia, como qualquer outra má-formação ou síndrome no bebê, tem grande impacto na vida do casal. Há casos de bebês com microcefalia deixados nos hospitais, e as mulheres vêm sendo culpadas. Como lidar com esses casos?
Suzanne –
É fundamental falar sobre isso. Não culpabilizam a mulher. A mulher não fica grávida sozinha e, por vezes, é abandonada durante a gestação. Vamos pensar numa situação extrema. Uma jovem que engravidou sem planejamento e tem um filho com deficiência que necessitará de cuidados especiais durante toda a vida. A sociedade tem de ajudar essa mulher, e ela precisa de apoio para ter suas decisões respeitadas.

ÉPOCA – O ministro da Saúde, em um discurso desastroso, disse que o Brasil perdeu a batalha contra o Aedes. Mas parece quem nem lutamos essa batalha. O país convive com surtos de dengue há 30 anos. Como a senhora avalia a declaração do ministro?
Suzanne – Prefiro não avaliar a declaração do ministro, mas a batalha que vamos enfrentar. Estamos diante de um problema com uma repercussão muito grande. E se problema não é de um ou de outro governo, é da sociedade. Nenhum governo vai conseguir combater o mosquito sozinho. É importante que todos nós sejamos solidários. Toda crise é uma grande oportunidade.  Espero que a gente possa enfrentar essa crise e ter melhores respostas não só sobre o zika, mas também sobre o chikungunya, o combate eficiente ao Aedes, os direitos reprodutivos das mulheres. Vamos trabalhar para vencer. Não vamos ser derrotados por um mosquito ou por um vírus, por favor. A gente já venceu coisas mais importantes.

Thais Lazzeri 

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