“Quando descobri, minha vida desmoronou”: o Brasil e o aborto, por Margaret Wurth

27 de setembro, 2017

Conheci “Mariana”, uma jovem de 20 anos do estado da Paraíba, quase um ano atrás na sala de espera de um hospital público. Na época, eu estava pesquisando sobre o acesso aos serviços de saúde reprodutiva para meninas e mulheres no nordeste do Brasil, e Mariana foi uma das minhas primeiras entrevistadas. Ela me contou que teve uma gravidez não planejada e deu à luz quando tinha apenas 18 anos.

(#AGORAÉQUESÃOELAS, 27/09/2017 – acesse neste link)

“Chorei muito e não queria de jeito nenhum”, disse ela.

No Brasil, o aborto é considerado um crime, a menos que seja realizado em três casos: estupro, quando necessário para salvar a vida de uma mulher ou quando o feto apresenta anencefalia — uma doença cerebral congênita fatal. Perguntei a Mariana se ela achava que tinha outras opções além de continuar com a gravidez. “Não”, ela murmurou, balançando a cabeça.

Hoje é o Dia de Ação Global para o Acesso ao Aborto Seguro e Legal. Para proteger os direitos humanos de mulheres e adolescentes, defensores da causa em todo o mundo estão pressionando governos para que eliminem as restrições impostas para o acesso ao aborto. As autoridades brasileiras deveriam estar atentas a esse movimento.

No ano passado, eu e meus colegas entrevistamos quase 100 mulheres e meninas no nordeste do Brasil para um relatório sobre o impacto causado pelo surto do vírus Zika nos direitos humanos. Os casos de gravidez não planejada são muito comuns. Menos de um terço das mulheres e meninas com quem falamos sobre planejamento familiar confirmaram ter, de fato, planejado a gravidez mais recente. Algumas contaram que os métodos contraceptivos que utilizavam falharam, frequentemente devido à falta de informações sobre como usá-los adequadamente. Outras tiveram dificuldades para acessar serviços de planejamento familiar, especialmente informações sobre os métodos contraceptivos de longo prazo.

Mulheres e meninas nos contaram que se sentiram “assustadas”, “em choque” ou “desesperadas” ao descobrirem que estavam grávidas. Uma mulher afirmou que se sentiu como se “uma bomba tivesse explodido” na sua vida.

“Quando descobri [que estava grávida], minha vida desmoronou”, disse uma outra entrevistada.

Devido às restrições para o acesso ao aborto, todos os anos centenas de milhares de mulheres e meninas no Brasil arriscam a saúde e a vida para realizar abortos clandestinos que são muitas vezes perigosos. Mulheres e meninas pobres e marginalizadas sofrem ainda mais, uma vez que não têm recursos para pagar por procedimentos mais seguros.

Médicos que entrevistamos afirmaram que haviam tratado pacientes com sérias complicações de saúde causadas por abortos inseguros. “Esses episódios nos marcam”, disse uma obstetra no estado de Pernambuco. “Acompanhei casos de mulheres que tiveram graves infecções devido a abortos inseguros e que acabaram sofrendo choque séptico e morreram”. Ela também descreveu o caso de uma paciente que tentou induzir um aborto utilizando métodos inseguros. O útero dela se rompeu e ela acabou tendo infecções na cavidade abdominal.

Também entrevistei uma jovem que me contou que, aos 13 anos, foi estuprada e tomou pílulas compradas em uma farmácia para interromper a gravidez. Na época, ela não sabia que, por ter sido estuprada, provavelmente conseguiria acesso ao aborto legal. “Eu não tinha muita informação”, disse. “Não sabia o que mais eu poderia fazer”. Ela tomou as pílulas e, em seguida, foi se encontrar com amigos. “Comecei a sentir muita dor e cólicas”, contou. “E então comecei a sangrar”.

A jovem deixou os amigos e tentou caminhar para casa sozinha o mais rápido que pôde, mas estava sangrando muito. As suas roupas chegaram a ficar encharcadas de sangue. Ela me contou que ainda teve de parar duas vezes no caminho para torcer a saia e deixar o sangue escorrer. A jovem conseguiu interromper a gravidez, mas ninguém deveria ter de passar por uma experiência tão traumática como essa, ainda mais uma adolescente vítima de estupro.

Mais de 900 mulheres e meninas morreram em decorrência de abortos inseguros no Brasil desde 2005, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Aproximadamente uma em cada seis mortes causadas por abortos inseguros entre 2011 e 2015 foi de uma menina ou jovem entre 10 e 19 anos de idade.

Dois casos atualmente nos tribunais podem descriminalizar o aborto em determinados contextos.

Em um deles, a Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP), com apoio do grupo não-governamental Anis – Instituto de Bioética, apresentou uma petição argumentando que gestantes infectadas pelo Zika, que estão passando por crises de ansiedade ou angústia relacionadas com o vírus na gravidez, deveriam ter acesso legal ao aborto.

Em outro caso, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), também com o apoio da Anis, questionou a criminalização do aborto em qualquer circunstância durante as doze primeiras semanas de gravidez. A Human Rights Watch ofereceu petição na condição de Amicus Curiae em ambos os casos, afirmando que a criminalização do aborto é incompatível com as obrigações de direitos humanos do Brasil.

Enquanto isso, o Congresso brasileiro caminha na direção oposta.

Parlamentares conservadores estão pressionando pela aprovação de leis que restringiriam ainda mais o já limitado acesso ao aborto ou que o vetariam em todo e qualquer caso. Isso somente pioraria ainda mais a situação.

Expandir o acesso ao aborto seguro salvaria a vida de mulheres ao dar mais segurança aos procedimentos.

A decisão de interromper uma gravidez é extremamente pessoal e pode ser muito difícil. Mulheres e meninas brasileiras estão sendo privadas do direito de tomar decisões independentes sobre os seus próprios corpos e saúde. Nesse dia global de ação, o Brasil deve enfrentar a crise na saúde pública causada pelos abortos inseguros, além de tomar medidas urgentes para descriminalizar o aborto e proteger os direitos reprodutivos.

As vidas e a saúde das mulheres e meninas brasileiras dependem disso.

Margaret Wurth é pesquisadora da Divisão de Direitos da Criança da Human Rights Watch.

Por #AGORAÉQUESÃOELAS

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