Discussão dos direitos LGBT ‘sai do armário’ na campanha

03 de setembro, 2014

(O Globo, 03/02/2014) O casamento entre pessoas do mesmo sexo e a criminalização da homofobia voltaram a ser temas importantes na campanha à Presidência da República, reeditando uma das discussões-chave das eleições de 2010. Diante da defesa da criminalização, feita pela presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff, e do recuo da candidata do PSB, Marina Silva, que tirou do seu programa de governo pontos voltados aos direitos dos gays, especialistas, políticos e ativistas dizem que a discussão está, finalmente, “saindo do armário”. Mas temem que as conquistas não avancem e que o assunto tenha surgido apenas por oportunismo eleitoral, num embate que envolve opiniões religiosas, como as da evangélica Marina.

Leia também: Projeto de lei de criminalização da homofobia está travado no Senado há oito anos

Diretor sociocultural do Grupo Arco-Íris, Julio Moreira acredita ser positivo que as reivindicações da população LGBT estejam em pauta no debate dos presidenciáveis, mas vê com apreensão o uso do tema para polarizar a campanha. Ele afirma que, na década passada, houve avanços como a criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT, na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, e o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, opina Julio, no governo Dilma o ritmo dessas ações diminuiu. E, por pressão de setores conservadores, houve até retrocesso em questões como as campanhas de prevenção à Aids para jovens gays, além de o projeto de criminalização da homofobia ter ficado emperrado no Senado.

Hortal: Casamento gay e união civil são muito diferentes (foto: Simone Marinho / O Globo)

— Muita coisa não andou. De qualquer forma, é significativo que Dilma, enquanto presidente ainda, tenha defendido a criminalização da homofobia. Já Marina, até por suas convicções religiosas, não tem uma história de relação com a pauta. Mas, é importante as reivindicações estarem na campanha. O que vejo como temerário é que sejam tratadas com oportunismo neste momento — diz Julio.

CONSTRADIÇÕES DA PRESIDENTE

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) não fala em oportunismo, mas enxerga contradições nas atitudes da presidente Dilma. Segundo ele, ao mesmo tempo em que ela defende a criminalização da homofobia, acena com benefícios a evangélicos, já que o governo pretende desengavetar o projeto da Lei Geral das Religiões, que estende para todas as igrejas benefícios tributários concedidos à Igreja Católica:

— Defender a criminalização da homofobia implica em reforçar a laicidade do estado e excluir pacotes de privilégios de evangélicos. Com o pacote que beneficia igrejas evangélicas, apaga com uma mão o que a outra fez — diz, acrescentando que temas espinhosos, como aborto, têm sido deixados de lado, pois candidatos temem o custo eleitoral.

Deputada federal e autora do Projeto de Lei nº 122 de 2006, que criminaliza a homofobia, Iara Bernardi (PT) diz que a proposta, lembrada por Dilma, nunca teve apoio de Marina. O projeto foi aprovado na Câmara em 2007 e, desde então, está no Senado:

— A Marina nunca fez nenhum esforço no Senado para que esse tema fosse tratado — disse a petista, sem comentar que o projeto está parado no Senado há oito anos.

Wyllys. Candidatos evitam temas espinhosos (Foto: O Globo / Andre Coelho)

A parlamentar afirmou que o debate em torno do tema “é tímido”, porque os candidatos não se manifestam por receio de sofrer rejeição de grupos religiosos.

Querem transformar o Estado laico em um projeto de país que vai para o lado religioso. É um absurdo — afirma.

Para o cientista político Paulo Baía, da UFRJ, além de religioso, a campanha tem um cunho moralista desde o início, quando a disputa estava polarizada entre Aécio e Dilma:

— Ainda não era o cunho religioso, mas era o moralista no sentido de quem era o mais ético, o mais honesto.

NOVAS VOZES

Vitor Blotta, secretário executivo da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação (ANDHEP) avalia como positiva a moralização do debate político eleitoral. O melhor, diz, é que as questões estão virando um tema político e deixando de ser um tabu moral ou religioso, e que, portanto, é um avanço a população buscar uma opinião:

— A eleição está moral, não no sentido de moralizante, de conservador ou de muito progressista. É moral porque dá espaço para que novas vozes abram suas demandas.

Entre os religiosos, o assunto tem provocado muitas reações. Para Silas Malafaia, pastor evangélico que criticou a primeira versão do programa de Marina e elogiou as modificações, os ativistas pelas causas homossexuais não dialogam:

— O programa da Marina não contempla tudo em que acredito. Só porque eles fizeram uma correção, os ativistas gays falaram que não vão apoiar. Eles que são intransigentes.

Ele também criticou a postura de Dilma de anunciar a articulação para a lei de combate à homofobia e declarar que estenderá benefícios da Igreja Católica para as evangélicas:

— Dilma e o PT acham que pastor é otário e o evangélico é idiota

Para o padre Jesus Hortal, teólogo e ex-reitor da PUC-Rio, há confusão em torno da discussão. Para ele, é preciso diferenciar união civil de pessoas do mesmo sexo e casamento gay. A união civil “não é questão religiosa, como o casamento”. Ediz que Dilma precisa explicar melhor o que considera homofobia.

— Se quer aplicar no sentido que alguns grupos LGBT defendem, então teria que queimar a bíblia, porque ela seria homofóbica — diz ele.

Por Carina Bacelar, Rafael Galdo, Rafael a Marinho e Raphael Kapa.

Acesse o PDF: Discussão dos direitos LGBT ‘sai do armário’ na campanha ( Globo, 03/09/2014)

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