Assédio: quando a violência contra a mulher não é apenas ficção, por Gabriella Bertoni

20 de fevereiro, 2018

Nos últimos meses, o mundo do cinema se voltou para um tema há muito tempo velado: a violência contra a mulher. Em outubro do ano passado, várias atrizes se uniram em protesto após denúncias de assédio sexual cometido pelo produtor Harvey Weinstein. Com a #Metoo (Eu também), as intérpretes participaram do Globo de Ouro com vestidos pretos, em sinal de luto pelo o que acontece na indústria cinematográfica.

(Finanças Femininas, 20/02/2018 – acesse no site de origem)

No início de fevereiro, a atriz Uma Thurman disse ter sofrido assédio sexual por parte de Weinstein, após a estreia de “Pulp Fiction: tempo de violência” (1994), de Quentin Tarantino. Em entrevista ao jornal The New York Times, a atriz narrou o acontecido. “Ele me empurrou para baixo. Tentou se enroscar em mim. Tentou se expor. Fez várias coisas desagradáveis, mas, na realidade, não me obrigou a nada. Foi mais como se eu fosse um animal se contorcendo para sair dali. Como uma lagartixa”, disse.

Antes disso, Weinstein já teria tentado assediá-la, ao vestir um roupão de banho durante uma reunião sobre um projeto, dentro de um quarto de hotel, em Paris. Ela teria tentado marcar um encontro com produtor para conversar sobre o incidente, e, após uma discussão, ele a ameaçou: “Você vai perder sua carreira, reputação e família.” Weinstein admitiu, em nota ao jornal The Hollywood Reporter, ter feito avanços sexuais sobre a atriz, mas disse não tê-la assediado fisicamente.

Os protestos se repetiram na premiação do Bafta, o Oscar britânico, na noite deste domingo (18/02). Com vestidos pretos e broches com os dizeres ‘Time’s up’ (Acabou o tempo), atrizes como Angelina Jolie, Jennifer Lawrence e Lupita Nyong’o se expressaram contra o assédio sexual sofrido nos bastidores das gravações dos longas-metragens.
Assédio sentido na pele

Há sete anos no meio cinematográfico, a videoassist e assistente de câmera Bruna Duarte conta que já sofreu assédio moral e sexual. “Houve um caso em que foram as duas coisas em uma mesma situação. Abuso eu nunca sofri, mas conheço pessoas que sim, e a lista de histórias desses casos que eu já ouvi é bem longa.”

“A violência contra a mulher no cinema ainda é muito presente, infelizmente. Acredito que tem melhorado nos últimos anos, e já ouvi de algumas mulheres, que estão no mercado há mais tempo, coisas do tipo: ‘se vocês acham que está ruim agora, não fazem ideia de como era há 15, 20 anos’. E tenho certeza de que elas devem ter razão nisso, mas já ter sido pior pra elas não justifica continuar sendo ruim”, reforça.

“Caça às bruxas” e “Puritanismo”

Em entrevista ao jornal austríaco Kurier, o cineasta Michael Haneke, autor de filmes como Violência Gratuita (1997) e Amor (2012), tentou desmerecer o movimento #MeToo ao dizer que “se transformou em uma caça às bruxas”, que gera uma espécie de “puritanismo” e que acaba por prejudicar a criação. “Esse novo puritanismo me preocupa, impregnado de ódio aos homens, que nos deixa no rastro do movimento #MeToo”, declarou.

Porém, este movimento ao qual Haneke se refere, surgiu após notícias da destituição de Weinstein em sua própria empresa. O mesmo produtor que tentou atacar Uma Thurman teve diversas acusações de assédios sexuais supostamente cometidos durante anos, todos silenciados com dinheiro. Entre as vítimas, estão Mira Sovino, Ashley Judd, Gwyneth Paltrow e Angelina Jolie. A exposição do caso de Weinstein serviu para encorajar mais mulheres a exporem situações de violência vividas no cinema. Relatos graves, como o caso da atriz Maria Schneider no filme “Último Tango em Paris”, em que foi estuprada em cena pelo ator Marlon Brando, haviam sido denunciados no passado. No entanto, esse tipo de denúncia não era levada a sério como vem acontecendo agora – o que reforça a importância do engajamento ao movimento #MeToo.

Ter o cuidado para não reproduzir algumas práticas abusivas e se unir à luta contra a violência faz parte do cotidiano de Bruna. “A gente tenta fazer nossa parte pra mudar a realidade. O assédio moral chega a ser entendido como algo ‘natural’ do meio, algo que ‘é assim mesmo às vezes’, e eu não gosto disso. E isso requer certo esforço pra você mesma não passar a achar natural e reproduzir com outras pessoas”, ressalta.

Mudanças também no cinema brasileiro

Durante a 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes, celebrada no início de fevereiro, em Minas Gerais, 29 mulheres se reuniram para conversar sobre o protagonismo delas no mercado audiovisual brasileiro – mais especificamente nos festivais e na mostra citada. “(…) presenciamos, em mais de uma ocasião, o discurso machista sendo proferido de forma escancarada, ou de forma sutil, por homens em situação de poder, encarregados de ministrar oficinas ou de criticar e debater os filmes. O efeito mais tangível do machismo é a desconsideração da fala, a desqualificação das competências e habilidades e o desprezo pelo trabalho de nós, mulheres. Não basta termos voz. Precisamos ser escutadas e ter nosso mérito reconhecido”, diz a nota.

Para que ocorram mudanças sobre a desigualdade de gênero e raça/etnia, e com o objetivo de construir uma cultura de não violência contra as mulheres e de combate ao machismo, o grupo desenvolveu várias sugestões a serem empregadas nos festivais e mostras de cinema no Brasil. Entre elas, está promover um ambiente seguro para as mulheres, através de canais de denúncia de assédio e quaisquer tipos de violência. (Para conferir todo o manifesto completo, clique aqui.)

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