Millie Bobby Brown é a vítima da vez da sexualização de meninas, por Nana Soares

02 de novembro, 2017

A sociedade que adora proteger as crianças não hesitou em sexualizar a adolescente

(Emais, 02/11/2017 – acesse no site de origem)

Você já deve ter visto o rosto de Millie Bobby Brown por aí. A atriz britânica foi revelada no papel de “Eleven” na série Stranger Things, um sucesso estrondoso de público. Atualmente com 13 anos, desde que foi alçada à fama a atriz já realiza diversos ensaios de moda.

Em outubro dois fatos chamaram a atenção ao redor da atriz: na premiere da segunda temporada da série, Millie apareceu com um visual mais adulto, com roupa de couro, salto, muita maquiagem e cabelos alisados – em um forte contraste com sua aparição de um ano antes, bem mais infantil e adequada para sua idade. Nesse contexto, foi regatada a edição de agosto da revista W, que incluiu a estrela de “Stranger Things” em sua lista de celebridades que justificam “porque a TV está mais sexy do que nunca”, mesmo que Millie Bobby Brown só tenha 13 anos de idade.

Essa sequência de eventos abriu os olhos de muita gente para a “adultização” e erotização pela qual passa a atriz há algum tempo. Mas embora seja a vítima da vez, ela não é a primeira e nem a última a passar por isso. Antes de Millie Bobby Brown, atrizes como Emma Watson e, no Brasil a cantora Sandy já estiveram debaixo dos mesmos holofotes que as forçavam para a vida adulta e para o olhar masculino. Todas elas constavam em listas de mulheres mais sexys muito antes de chegar à maioridade.

Para alguns, isso é um sinal de que as meninas amadurecem mais rápido. Eu discordo, vejo muito mais como um sinal de que a violência contra a mulher, onde se inclui a objetificação, começa perigosamente cedo. Elas são desde a mais tenra idade tratadas como musas e ícones. São pessoas cuja “beleza que salta aos olhos” é repetidamente explorada em ensaios sensuais, perguntas indiscretas e invasão de privacidade.

A respeito de como essa cultura se manifesta no Brasil, há um dado assustador: o levantamento de um site pornográfico constatou que “novinha” e “adolescente” estão entre as palavras mais buscadas pelos nossos usuários. Não é coincidência nenhuma em um país que tem um número recorde de adolescentes grávidas, de meninas casadas antes dos 18 anos, que perpetua ditados populares sobre meninas aptas para o sexo, normaliza relações familiares como sexuais (exemplo: o imaginário sobrinha/tio) e que põe adolescentes na lista de mais sexys em votação de revista masculina.

A campanha #MeuPrimeiroAssedio, que tomou as redes sociais em 2015 com relatos sobre abusos e assédio sexual na infância, teve a assustadora média de 9,7 anos como a idade em que as meninas sentiram-se objetificadas pela primeira vez.

Não há ótica que torne isso aceitável. Menores de idade, sejam meninas ou meninos, são protegidos pela legislação e deveriam ser tratados como tal. Mas o que acontece é que aos meninos a inocência é permitida por muito mais tempo (e isso é inclusive usado como justificativa para seus assédios) enquanto elas há já estão sendo vistas como mulheres, independente de sua vontade. Estão sendo violentadas e reviolentadas com o discurso de que provocam, de que elas é que não se comportam como deveriam em sua faixa etária.

A culpa obviamente não é das garotas sexualizadas precocemente, mas sim de toda uma cultura que alimenta e permite que elas sejam assim vistas – o que fica muito nítido no caso das celebridades. Por isso nunca é demais repetir:

Millie Bobby Brown ainda é uma criança.

As “meninas de hoje em dia” NÃO provocam o olhar masculino (comentário muito frequente dos leitores do blog)

As “meninas de hoje em dia” NÃO estão saidinhas ou pedindo qualquer tipo de assédio/violência.

As “meninas de hoje em dia” estão sim imersas em uma cultura que lhes dá pouco poder de escolha mas pede muita coisa em troca.

As “meninas de hoje em dia” são, acima de tudo, meninas. Chega de tratá-las de outra maneira.

Nana Soares é jornalista e focada em direitos da mulher. Quando não está escrevendo, faz consultoria para pessoas e empresas que querem fazer do mundo um lugar mais igualitário. É co-autora da campanha contra abuso sexual do Metrô de São Paulo e quer mostrar que feminismo não é palavrão.

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