Na criação publicitária, a mulher ainda é invisível

23 de junho, 2014

(O Estado de S. Paulo, 23/06/2014) Para cada filme como Gravidade, há um Gente Grande 2; para cada exemplo como a jornalista Katie Couric, há alguém repetindo velhos clichês sobre a mulher, como a cantora Miley Cyrus. Esses casos foram usados, durante o Cannes Lions -Festival Internacional de Criatividade, para mostrar que o avanço dos direitos da mulher, o combate a velhos clichês sobre feminilidade e o equilíbrio de gêneros no mercado de trabalho ainda precisam vencer muitas barreiras.

No setor de comunicação e publicidade, abaixa representatividade feminina se repete -apesar de as mulheres serem maioria entre os formados das universidades. A questão é tão grave que duas organizações -uma na Inglaterra e outra nos Estados Unidos-foram criadas para tentar ampliar a voz e o espaço da mulher publicidade, a She Says (“Ela Diz”) e The 3% Conference (“A Conferência dos 3%”).

Um seminário realizado na semana passada, durante Cannes Lions, mostrou que, apesar de 80% das decisões de compras em todos os setores da economia serem feitas ou altamente influenciadas por mulheres, as publicitárias estão longe de ser um grupo relevante no comando das agências ao redor do mundo. Na verdade, a Conferência dos 3% recebeu este nome porque, nos Estados Unidos, somente 3% dos diretores de criação das agências de publicidade são mulheres.

De acordo com Laura Bambach, uma das fundadoras da She Says, esse fato ajuda a explicar porque, muitas vezes, os comerciais não conseguem conquistar o público feminino. Isso porque, hoje, a publicidade consagrou apenas dois: a gatinha sexy e a mamãe. Há um grupo de “mulheres esquecidas”: as profissionais de 30 a 50 anos, justamente o que tem mais dinheiro para gastar em produtos que consigam falar seu “idioma”.

Boa parte dos anúncios são criados por homens, muitas vezes com menos de 30 anos, que não entendem que o humor universitário de gosto duvidoso não tem apelo para a mulher. “A mulher dos comerciais é a sensual. Falta a noção de que o sexo feminino não é um grupo homogêneo”, diz Collyn Ahart, presidente da Adventure for Wo-men, especializada em atender empresas de esportes que querem dialogar com as mulheres.

Nova ordem. Para a fundadora da Conferência dos 3%, Kat Gor-don, um dos exercícios que as profissionais da publicidade – e também de todos os outros setores – devem fazer é parar de se desculpar por ter outras atividades. Ela diz que, ao receber uma oportunidade, a mulher não deve começar a justificar que tem de sair às 17I1 para buscar o filho, ou que precisa de algum tempo para a família. “Um fumante que é promovido não vai dizer: sabe, eu tenho de parar três vezes por dia para um cigarrinho”, compara.

Além disso, ainda falta para as mulheres um senso de camaradagem no trabalho que é muito comum entre os homens. “Os homens são muitos bons em serem irmãos e as mulheres deveriam aprender a ser tomarem irmãs”, diz Kat. Hoje, dados do setor publicitário mostram que as mulheres estão mais presentes em áreas menos visíveis das agências, como planejamento e relação com clientes. Na criação, que concentra o reconhecimento, são pouco representadas.

Único homem no painel de discussão sobre o papel da mulher na publicidade, o presidente da Havas Worldwide London, Russ Lidstone, também defendeu que as mulheres adotem a própria causa, em vez de ficar com medo de defendê-la, como geralmente ocorre. “Foi Made-leine Albright (ex- secretária de Estado americana) quem disse: há um lugar no inferno para as mulheres que não se ajudam.”

Achar mulheres capazes de ocupar cargos importantes é possível, segundo Lidstone. Ele diz que, na Havas, as mulheres já são 50% do corpo gerencial. Nos EUA, Kat Gordon também provou que, aos poucos, as coisas estão mudando. O nome de sua organização refletia o resultado de uma estatística de um trabalho acadêmico baseado nos prêmios concedidos a mulheres criativas ao longo das últimas três décadas.

No entanto, ela diz que um novo estudo baseado nos mesmos dados a ser divulgado em julho, e agora realizado pela própria Conferência dos 3%, vai mostrar que, nos últimos anos, o número de mulheres reconhecidas pela criação publicitária mais do que triplicou.

Executivas globais discutiram inclusão em Cannes

Provavelmente as duas executivas mais reconhecidas atualmente no mundo, Marissa Mayer, presidente do Yahoo, e Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, estiveram presentes no festival Cannes Lions este ano. Ambas discutiram o tema da inclusão das mulheres no mercado de trabalho.

Nessa semana, o Yahoo divulgou estatísticas sobre diversidade em sua equipe, seguindo uma tendência iniciada pelo Google. Embora o Yahoo tenha mais mulheres do que seu principal rival – elas são 37% da equipe, contra 30% do concorrente a presença delas em cargos de chefia ainda é baixa. A média está em 23%.

O “Estado” participou de uma conversa com Marissa em Cannes. A executiva afirmou que a empresa conseguiu avançar na questão, mas admitiu que ainda há muito trabalho a ser feito.

Já Sheryl Sandberg foi mais longe. Ela diz que a diversidade no mercado de trabalho é “deprimente”, especialmente no setor de tecnologia. A executiva mantém uma organização que visa a preparar mulheres para cargos de liderança desde a infância.

PARA LEMBRAR

Brasil leva 107 Leões

O Brasil saiu do Cannes Lions – Festival Internacional de Criatividade com 107 Leões, resultado um pouco abaixo do recorde de 115 troféus do ano passado. O País encerrou sua participação no evento com prêmio inédito na categoria Inno-vation Lions. A Agência-Click Isobar levou o Leão por conta da criação da Fiat Live Store, que conecta consumidor com especialista via site. O maior número de Leões recebidos pelo Brasil foi na categoria Press Lions: 22 troféus. Outros destaques foram a FCB Brasil, que ganhou um inédito Grand Prix em Mobile Lions, e a AlmapBBDO, que ficou na terceira posição no ranking das Agências do Ano.

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