Mulher e Mídia 8 – Mesa 3: Raça e gênero na publicidade: onde estão os limites éticos?

01 de dezembro, 2011

logoMM8_130(Agência Patrícia Galvão) Racismo e sexismo na mídia: uma questão ainda em pauta
Rio de Janeiro, 29 de novembro a 1º de dezembro de 2011

1º de dezembro – 5ª feira – Mesa 3:Raça e gênero na publicidade: onde estão os limites éticos?
 

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Edson Lopes Cardoso (jornalista, assessor especial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial)
Maria Luiza Heilborn (antropóloga social, coordenadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos – CLAM)
Renato Meirelles (publicitário, diretor do Data Popular)
Debatedora: Nádia Rebouças (publicitária, diretora da Rebouças & Associados)
Coordenadora: Paula Andrade (jornalista, integrante da Rede Mulher e Mídia)

Reportagem de Neide Diniz
Fotos de Fabiana Karine


“Uma coisa é ser pobre; outra coisa é ser negro”

mesa3_edson300Raça e gênero na publicidade: onde estão os limites éticos? Esta pergunta abriu o último dia da 8ª edição do Seminário A Mulher e a Mídia. O assessor especial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Cardoso, abriu sua apresentação com uma constatação: “não é possível negar que houve um avanço; a publicidade hoje reconhece as pessoas de pele escura, mas também temos que considerar o fato que estas pessoas sempre estiverem aí”. E a partir daí Edson faz uma análise sobre o conceito de raça: “muitos fazem questão de dizer que raça é uma questão social, mas, também, às vezes, esquecem que a realidade também é uma construção social”.

E o assessor da Seppir lembra que os negros não estão em todos os lugares de prestígio nesta realidade e isto revela uma conjuntura de exclusão, legitimada por grande parte da sociedade. E, para comprovar esta percepção, Edson Cardoso lança uma citação de José Bonifácio de Andrada e Silva sobre o racismo: “aqui entre nós há uma rejeição entre o escravo e a cor do escravo”. “Ora, o que isto significa?” Para Edson, Bonifácio mostra que são pontos distintos e dá a dimensão desta diferença, existente ainda no cotidiano brasileiro: “uma coisa é ser pobre; outra coisa é ser negro; o estigma da pele é profundo entre nós”.

Entre suas reflexões, Edson Cardoso fez uma proposta ao Seminário A Mulher e a Mídia e disse sentir necessidade de ações que vão além do encontro anual. Edson acredita que o Seminário, depois de oito anos fomentando o pensamento crítico, deve ampliar sua atuação e produzir, por exemplo, materiais especializados para jornalistas, publicitários e universitários. Para ele, disseminar este conteúdo é uma urgência para interferir na ideologia dominante. E contou um episódio sobre uma professora da Universidade de São Paulo que deixou a plenária chocada. “Ela passou a receber os negros para Doutorado e, através dos alunos, descobriu que os outros professores a batizaram com um apelido: ‘Navio Negreiro’”. E Edson comentou: “vejam o grau de dificuldade”.

Diante desta complexidade, o assessor da Seppir lançou a pergunta: “que resultados podem surgir da cabeça dos profissionais da mídia, sobretudo publicitários, que reproduzem o estigma da cor?”, para em seguida explicar que a “estigmatização” é um processo de “desumanização”. Contudo, segundo Edson, nem tudo está perdido, e ele menciona como um sinal de esperança uma propaganda de um menino negro que descobre o mundo motivado pela gravidez da mãe. “O menino é particular na sua cor, mas é universal na condição humana”, afirma Edson, que defende que “a gente quer a inserção do negro na publicidade de maneira que as suas diferenças não o distanciem do coletivo, muito pelo contrário, o tornem mais humano”.

“Se você não tem um corpo bonito não é digna de ser mulher; ou seja: nos reduzem a um corpo”

mesa3_malu300Já a antropóloga Maria Luiza Heilborn, coordenadora do CLAM, falou dos conceitos que estão por trás das imagens do homem branco ou negro; da mulher branca ou negra; baixa, magra e até dos gordos e gordas. E exemplificou como a publicidade costuma trabalhar em uma campanha para crianças especiais: “com as crianças portadoras de Síndrome de Down, a mensagem é que elas também são humanas, mas com uma humanidade diferenciada”. Exemplos como esse, de distorção de conceitos, são recorrentes na propaganda, sobretudo quando se referem à mulher. E a pesquisadora confessa que ficou espantada ao ver o tratamento que a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, recebeu da mídia no caso Gisele Bündchen/lingerie Hope: “nós temos o direito de ter uma representação mais digna na publicidade”, enfatiza Maria Luiza.
“Seria uma campanha positiva se ela estourasse o cartão de crédito e de lingerie se olhasse no espelho e ficasse muito feliz com feito”, disse Maria Luiza, que acrescentou que seria muito mais inteligente “compre esta lingerie e fique mais bonita”. Para ela, seria uma campanha de autoestima. E analisou: “ela gastaria o dinheiro dela com ela mesma, apesar de ter se descontrolado financeiramente; afinal, nós, mulheres, somos perfeitamente passíveis disso”.

Para a pesquisadora, não havia a necessidade de se reproduzirem estereótipos, colocando a mulher dependente do homem para pagar suas contas ou então que precisa de subterfúgios sexuais, o corpo, para conseguir o que deseja. A propaganda é identificada por Maria Luiza como um contrassenso, porque hoje a mulher contribui nas despesas da casa ou assume sozinha esta responsabilidade e grande parte é independente economicamente. Dentre estas e tantas outras razões, Maria Luiza Heilboin defendeu o tratamento submisso que a mídia prega à mulher como inaceitável e disse “mulher tem cérebro, é produtiva e dona do seu nariz”.

A coordenadora do CLAM analisa o comportamento da mídia da seguinte maneira: “veja como é o discurso: se você não tem um corpo bonito não é digna de ser mulher; ou seja: nos reduzem a um corpo”. E na contramão desta ideia estão as estatísticas que demostram o avanço das mulheres nas universidades e no mercado de trabalho: “hoje, um terço das famílias são chefiadas por mulheres”.“Existe uma arma poderosa para combater o racismo: o dinheiro”

mesa3_renato300A exposição de Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular, trouxe a discussão sobre o racismo pelo viés do consumo. Segundo Renato, que definiu o Data Popular como “um instituto especializado em gente”, a empresa este ano fez as duas maiores pesquisas sobre as mulheres no Brasil. Durante sua exposição, o diretor do Instituto convidou a todos para uma reflexão inovadora sobre as bandeiras do movimento negro e fez uma provocação: “existe uma arma poderosa para combater o racismo: o dinheiro; e eu vou provar”. E instigou a plateia explicando que chegou a esta afirmação a partir das constatações do Data Popular. Para ele, os negros são os novos protagonistas da classe C, a quem ele define como “a nova classe média brasileira”.De acordo com as pesquisas do Data Popular, os negros ascenderam em 105% contra os 27% de crescimento dos brancos. No entanto, Meirelles admitiu que estes dados apenas demonstram que houve uma melhoria na condição socioeconômica do país, e reforça: “nada além disso”. O ponto que o diretor do Data Popular quis destacar é que, com o aumento do poder de compra, a autoestima dos negros aumentou e está aumentando muito mais que a dos brancos. E reforçou esta ideia com a informação de que os negros no Brasil movimentam R$ 673 bilhões por ano. E indagou: “será que a melhoria da qualidade de vida dos negros não é um discurso mais eficiente do que a denúncia?” E ponderou: “não que não tenhamos que denunciar, é relevante e muito importante, mas eu vou além disso”, enfatizou. E ainda dentro da lógica mercadológica consumista, disse quea mulher negra da classe C estudou mais que os homens da comunidade, enquanto na elite os homens estudaram mais que as mulheres.mesa3_paula300Antes de abrir para as perguntas da plateia, a coordenadora da mesa, a jornalista Paula Andrade, da Rede Mulher e Mídia, comentou que, de alguma maneira, todos os convidados trouxeram a dimensão da complexidade do tema racismo e sexismo.

Em seguida foi a vez da debatedora Nádia Rebouças, diretora da Rebouças & Associados, fazer os seus comentários. Nádia iniciou sua exposição contando sua trajetória na luta por causas sociais, como na empreitada do sociólogo Betinho contra a fome e na campanha “Onde você guarda o seu racismo?”. Em seguida, comentou rapidamente as exposições dos palestrantes.

mesa3_nadia300“Só vamos mudar e avançar mudando pessoas” Do ponto de vista da comunicação, Nádia Rebouças considerou que as lideranças ainda não entenderam a força das novas ferramentas digitais e rede sociais, como o Twitter e o Facebook. “Nós não vamos mudar esta realidade se não descobrirmos uma linguagem diferente, porque as pessoas estão cansadas de ouvir as mesmas coisas”, acredita.Ela também enfatizou a importância da regulamentação da publicidade para crianças. E contou que o Alana – instituto que defende o direito da criança e do adolescente em relação ao consumo – foi chamado de “casa de bruxa que detesta crianças” porque entrou com uma ação no Conar – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária contra uma campanha publicitária do McDonald’s.
Por fim, Nádia expôs suas angústias diante da dificuldade de unir a luta dos movimentos sociais e o conhecimento teórico para provar a importância da regulamentação da publicidade para as crianças. E disse: “só vamos mudar e avançar mudando pessoas”. E confessou que antes não tinha o convencimento do poder das mulheres e descobriu esta força, sobretudo com as mulheres negras. E acredita que a mulher negra precisa cada vez mais se indagar: “eu tenho lugar ou eu posso inventar o meu o lugar?” O assessor especial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Lopes Cardoso, confessou que aprendeu que o preconceito desumaniza e fez um paralelo com a apresentação de Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular: “ele apresentou a nova classe média como atora do capitalismo e isto representa incluir, humanizar”. Também elogiou a proposta da antropóloga Maria Luiza Heilborn, coordenadora do CLAM, sobre o comercial de lingerie e considerou que a cabeça do publicitário é muito pior que há trinta anos: “esta garotada que está aí é completamente desinformada e desarticulada socialmente”, analisou. E, de posse de sua experiência, estimulou uma mudança de pensamento e atuação dos movimentos sociais: “nós precisamos encontrar novas formas de luta, as nossas estão velhas e arcaicas”, avaliou.

A 8ª edição do Seminário Nacional A Mulher e a Mídia é uma realização do Instituto Patrícia Galvão, das secretarias de Políticas para as Mulheres (SPM) e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Fundação Ford e ONU Mulheres, e conta com o apoio do BNDES.

Saiba mais sobre as apresentações e debates acessando os links para a cobertura das mesas

29/11 – Mesa de Abertura: Racismo e sexismo na mídia: uma questão ainda em pauta

30/11 – Mesa 1 –
Há uma cultura de negação do racismo e do sexismo na imprensa?

30/11 – Mesa 2 Regulação democrática, direito à igualdade e respeito à diversidade de gênero e raça

1º/12 – Mesa 3 –Raça e gênero na publicidade: onde estão os limites éticos?

1º/12 – Mesa 4 –Racismo: a imprensa nega, a TV prega?

Cento e quarenta participantes de 25 estados foram selecionadas, por critérios previamente definidos e amplamente divulgados, dentre as mais de quinhentas inscrições. São representantes dos movimentos de mulheres e de mulheres negras, e ainda jornalistas, gestoras de programas, pesquisadores, estudantes, dentre tantos outros representantes de instituições organizadas que foram ao Rio de Janeiro participar desse debate.

Realização: Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos, Secretaria de Políticas para as Mulheres, Secretaria de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, Fundação Ford e ONU Mulheres
Apoio: BNDES

Mais informações: [email protected]. – (11) 2594.7399

 

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