A verdade sobre a EBC, por Ricardo Melo

29 de agosto, 2016

Ricardo Melo, jornalista, é presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Na Folha, entre outras funções, foi editor de “Opinião”, da “Primeira Página” e secretário- assistente de Redação

(Folha de S.Paulo, 29/08/2016 – acesse no site de origem)

Talvez nunca se tenha falado tanto da Empresa Brasil de Comunicação, a EBC. Nem mesmo quando ela foi criada, em 2008, houve tantas reportagens, notícias falaciosas, especulações. Em tudo, sobressai a desinformação a respeito do que a empresa representa e de sua importância vital para a democracia.

A EBC não saiu da cartola de nenhum político esperto. Apenas deu vida a um preceito da Constituição de 1988, que estabeleceu três níveis de comunicação: a privada, a estatal e a pública. Sabemos que respeitar a Constituição não anda muito em moda para alguns. Incomoda. Mas para quem zela pelo Estado de Direito, é ela a lei.

Tampouco se trata de um dogma atemporal. Uma comunicação pública plural, isenta, respeitosa da diversidade, autônoma frente a governos de turno, a salvo das imposições do mercado –tudo isso caracteriza a evolução democrática de qualquer sociedade. Exemplos não faltam: a quase centenária BBC na Grã-Bretanha, a Rai na Itália, a RTP em Portugal, a PBS no EUA, a NHK no Japão, entre outros. No Brasil, esse é o papel da EBC.

Com apenas oito anos de vida, pode-se dizer que parte da missão foi cumprida. É a maior exibidora de produção nacional, assim como de programação infantil. Tem uma grade plural de programas, com atrações destinadas ao público LGBT, aos negros, aos grupos feministas, aos portadores de necessidades especiais, aos jovens, à reflexão sobre os grandes temas nacionais.

O jornalismo da EBC sempre esteve aberto a todas as opiniões, sem preconceito ou partidarismo. Não descarta o esporte nem o entretenimento. A TV Brasil será o canal aberto que dedicará o maior número de horas à Paraolimpíada.

Tente a cidadania encontrar programas semelhantes na TV privada. Tempo perdido. Motivo? O mercado publicitário não se interessa por assuntos semelhantes: “Não dão ibope”. Privilegia atrações de gosto duvidoso, mas que rendem os bônus que engordam os grupos de propaganda e a mídia tradicional,em detrimento da programação infantil, por exemplo.

Ah, a TV Brasil não dá audiência. O ibope, todavia, foi criado para orientar o segmento publicitário. Suas ponderações estatísticas partem desse preceito. Dá mais peso a quem tem dinheiro. Não mede a audiência nas parabólicas. Reduz o peso das regiões carentes. Praticamente ignora o vasto interior do país. A depender dessa métrica torta de custo/benefício, o ibope recomendaria fechar postos de saúde, escolas e hospitais públicos.

E a EBC não é só a TV Brasil. Abriga uma cadeia radiofônica que cobre as regiões Norte, Nordeste e Amazônia, esquecidas pela grande mídia. Comporta a Agência Brasil, que fornece conteúdo gratuito e atualizado a milhões de pessoas e centenas de veículos.

Fala-se também em cabide de empregos. Tem-se aí ou ignorância ou falácia –ou ainda uma combinação perversa de ambas. Hoje a EBC tem menos funcionários do que na data de sua criação. Mais importante: em 2008, cerca de 54% dos trabalhadores eram concursados ou do quadro permanente; hoje, esse número subiu para 95%. Como se vê, um cabide do tamanho de um alfinete.

Mas quem paga essas contas? Eis a questão crucial. A lei que criou a EBC previu um financiamento autônomo, a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), a ser cobrada das operadoras de telefonia. Nada a ver com uma CPMF ou coisa parecida. Representa a realocação do que já é arrecadado para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel).

Por força de recursos judiciais, porém, o dinheiro está retido. Sabe a quanto já chega o valor? R$ 2 bilhões.

Isso sem contar cerca de quase R$ 1 bilhão já recolhido pelas operadoras que não recorreram. Só que o dinheiro está “confiscado” pelo Tesouro para engordar o superavit primário, o que obriga a EBC a viver de recursos a conta-gotas, ao sabor de conveniências de momento. E com R$ quase 3 bilhões em caixa, repita-se! Espantoso.

Há o que mudar na EBC? Claro que há. Mas nada disso pode ser feito com medidas provisórias autoritárias e intervenções catastróficas, como a realizada para tentar cassar o mandato legítimo de seu presidente.

Isso só interessa aos inimigos da democracia, da cidadania e do direito legítimo dos brasileiros à ampla e desimpedida liberdade de informação.

Fica a certeza, porém, de que com o apoio da sociedade, a liberação dos recursos da empresa e o comprometido corpo de funcionários, a EBC resistirá. Ela é pública. É sua.

RICARDO MELO, jornalista, é presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Na Folha, entre outras funções, foi editor de “Opinião”, da “Primeira Página” e secretário- assistente de Redação

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