Dilma mantém política para mulheres de Lula, mas ainda busca assinatura na área

19 de maio, 2014

(iG, 19/05/2014) Primeira mulher presidente ainda não tem legado próprio, ao contrário de seu antecessor, que revolucionou a área, com a Secretaria de Políticas para Mulheres e a Lei Maria da Penha

Apesar de não surpreender no campo das políticas públicas para as mulheres, o governo de Dilma Rousseff deu continuidade e ampliou os programas da gestão Lula, mas ainda falta definir qual será o seu legado na área. A eleição da primeira mulher à Presidência do Brasil gerou a expectativa de que a pauta feminina seria ampliada “como nunca antes visto na história desse País”, mas a atuação de Dilma foi ofuscada pelo seu antecessor e padrinho.

No seu primeiro governo, Lula levou a questão feminina para o primeiro escalão, criando a Secretaria de Política para Mulheres (SPM), com status de ministério e orçamento próprio, e com a missão de trabalhar junto às outras pastas para por na prática às ações em prol das mulheres. Além da Secretaria, o ex-presidente é elogiado pela Lei Maria da Penha e a inclusão das donas de casa na Previdência. Dilma têm marcas significativas, como o Brasil Carinhoso e a PEC das Domésticas. O Minha Casa Minha Vida e a ampliação do programa Bolsa Família, os dois com a mulher como beneficiária, também são avanços, mas não tão revolucionários como o programa de combate a violência de Lula, também ampliado pela presidente.

Na avaliação de movimentos feministas, a secretaria ainda precisa encontrar formas para tornar realidade suas orientações às outras pastas. Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil, diz que o status de ministério da SPM contribui para uma melhor eficiência na implementação das ações, pois influenciou na criação de órgãos semelhantes nos Estados e municípios, embora isso não seja suficiente. “Evidentemente, os órgãos precisam de mais verba, capacidade para execução das políticas públicas e trânsito entre os diferentes órgãos governamentais”, diz. “Mas quando olhamos o que foi definido há quase 20 anos, em Pequim, o Brasil se destaca no cenário internacional.”

Priscilla Caroline Brito, cientista política e assessora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), aponta que muitas das políticas não são implementadas em todo o território nacional por problemas de execução. “A SPM, por exemplo, tem dificuldade de repassar o recurso das ações de enfrentamento à violência para os Estados e estes, por sua vez, tem problemas em prestar contas e executar a política”, diz.

Além da dificuldade em efetivar suas ações e de materializar os repasses propostos, dados da ONG Contas Abertas mostram que, em 2013, apenas 39,1% do orçamento da SPM foram desembolsados durante o ano, o equivalente a R$ 81,5 milhões. O ano foi de contingenciamento no governo, e a Secretaria argumentou que “os empenhos ocorrem ao longo do ano, mas concentram-se no final de cada exercício, o que implica que os pagamentos das primeiras parcelas ocorram no início do ano subsequente”, ou seja, agora em 2014. Entretanto, a ONG diz que considerou os empenhos de 2012, pagos em 2013. Para este ano, o orçamento autorizado para a SPM é de R$ 217,2 milhões, e as contas continuam em contingenciamento.

Plano Nacional de Políticas para Mulheres

Os objetivos práticos da secretaria estão reunidos no Programa Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM), editado desde o primeiro governo Lula. O CFMEA também faz críticas ao direcionamento do plano. “Muitas das políticas para as mulheres no governo Dilma não promovem a autonomia das mulheres numa perspectiva de superação das desigualdades de gênero. No caso da Rede Cegonha, por exemplo, o objetivo principal era diminuir a mortalidade materna. No entanto, a política se limita ao atendimento neonatal. Não enfrenta o maior problema da questão da mortalidade materna, que é o abortamento inseguro”, afirma Priscilla.

A entidade já havia apontado o problema em 2010, no artigo “Avanços e recuos nas políticas de promoção da igualdade e direitos para as mulheres”, uma análise dos oito anos do governo Lula, escrito pela socióloga Guacira de Oliveira. Nele, há críticas quanto a falta de vontade política de outros órgãos, que não dão atenção às orientações da SPM, e quanto ao abandono da luta pela descriminalização do aborto por causa da aproximação do governo do PT com “segmentos conservadores, fundamentalistas, religiosos, notadamente das igrejas católica e evangélica, tanto no que se refere a negação de direitos, quanto no que tange ao financiamento público”.

A aproximação conservadora barrou outros avanços na política de direitos reprodutivos, como a inviabilização da meta de “garantir a oferta de métodos anticoncepcionais reversíveis para 100% da população feminina usuária do SUS”, por exemplo.

Avanços

Em 2013, Dilma surpreendeu em seu pronunciamento do Dia da Mulher ao fazer um alerta aos homens que “ainda insistem em agredir suas mulheres”: “se vocês agem assim por falta de respeito ou por falta de temor, não esqueçam jamais que a maior autoridade deste País é uma mulher”. A fala foi uma mensagem direta de que o combate à violência continua prioridade e, para incrementar o programa, ela anunciou a criação de um centro especializado em atendimento à mulher por Estado, as casas da mulher brasileira, do programa Mulher Viver Sem Violência, com custo de R$ 305 milhões. Até agora, o programa realizou entregas parciais, mas ainda não concluiu nenhum dos novos centros que oferecerão uma estrutura para receber as mulheres vítimas de violência desde o primeiro atendimento até a capacitação profissional, integrada ao Sistema S.

O combate à violência contra a mulher é um legado do governo Lula, que superou as metas da área, com a Lei Maria da Penha e o treinamento de mais de 573 profissionais para atender as vítimas. A ONU Mulheres destaca a lei como uma das três melhores do mundo, e um modelo para outros países. De 2008 a 2010, o número de juizados especializados e varas de violência doméstica cresceu 94%, e os centros de referência, 34%. Dilma mantém prioridade para área, e os destaque foram no crescimento no número de núcleos de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e no número de núcleos do Ministério Público especializados no atendimento a mulher, que cresceram mais de 200% de 2010 a 2013. O número de defensorias especializadas, entretanto, caiu de 58 a 45 unidades em todo Brasil, uma diminuição de cerca de 20%. O alcance do disque 180, telefone de atendimento à vítima, cresceu e o número virou disque-denúncia, como meta proposta pelo PNPM.

Mas, apesar dos avanços significativos na área, o governo ainda não sabe quem é a vítima. Faltam dados unificados e balizadores para entender qual é o perfil socioeconômico da mulher agredida e quem é o agressor, já que cada Estado coleta as informações das vítimas de maneira diferente.

No âmbito da autonomia da mulher, o governo Lula não conseguiu cumprir a meta de elevar taxa de atividade das mulheres em 5,2% na População Economicamente Ativa (PEA), entre 2003 e 2007. A meta cresceu cerca de 3% no período. Dilma também enfrenta dificuldades para cumprir suas metas da área. A promessa da construção de 6 mil creches, meta apontada como essencial pelos movimentos feministas, está bem aquém do ideal, a menos de um ano do fim do mandato. Segundo levantamento do iG, apenas 7% (um total de 417) estão prontas, 2.251 unidades em construção e, desse total, 1.232 foram autorizadas no governo Lula.

A assistente social Sônia Coelho, representante da Sempre Viva Organização Feminista e coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres, destaca a inclusão recente das mulheres moradoras de áreas rurais nas políticas sociais. “As mulheres do campo viraram sujeito das políticas públicas, coisa que antes não acontecia”, analisa. No PNPM, os direitos à terra com igualdade para as mulheres do campo e da floresta é um capítulo específico, e conta com metas como aumento de linhas de crédito e de acesso a políticas específicas às mulheres rurais.

Pouca Representação

Ao chegar ao Planalto em 2011, Dilma gerou polêmica por se intitular “presidenta”, assim, no feminino, e não “presidente” da República. A ação causou estranheza em um País que, apesar de eleger a primeira mulher à Presidência com 56 milhões de votos, ainda sofre com a sub-representação feminina no legislativo e nas prefeituras. Dos 5.570 municípios do Brasil, apenas 675 (12%) são comandados por mulheres, segundo o IBGE. No Congresso, a situação é pior: apenas 8% das vagas são ocupadas por deputadas ou senadoras.

O problema é apontado pela ONU Mulheres como um grave entrave no avanço da cidadania das brasileiras. “O Brasil precisa avançar muito na participação das mulheres em todos os espaços de poder e decisão – Executivo, Legislativo, Judiciário e empresas. Enquanto as mulheres não tiverem acesso ao poder, a equidade ainda será um dos maiores desafios a serem alcançados”, afirma Nadine.

O “Fortalecimento e participação das mulheres nos espaços de poder e decisão” também é outro capítulo a parte no PNMP, mas esse sem grandes avanços. Para corrigir essa distorção, as militantes dos movimentos feministas defendem ir além do que a cota implantada por lei pela Justiça Eleitoral, que determina que 30% dos candidatos dos partidos sejam mulheres. Para elas, é necessária uma reforma política, que altere as regras de financiamento. “Ainda a vida das mulheres tem essa sobrecarga de trabalho muito grande que as mulheres não dispõem de tempo de participação. Tem que mudar o sistema político e as condições objetivas de vida da mulher”, defende Sônia.

O Instituto Patrícia Galvão divulgou uma pesquisa Ibope em julho do ano passado que mostra que 80% dos brasileiros consideram que deveria ser obrigatória a composição dos legislativos municipais, estaduais e nacional por metade de mulheres. Mas esse apoio teórico não se reflete na realidade. Essa sub-representação indica que, além de não se candidatarem em número suficiente, as mulheres brasileiras, maioria da população, não votam em mulheres. “A nossa sociedade é patriarcal, onde as mulheres são vistas como inferiores e elas muitas vezes incorporam essa ideologia e acreditam que os homens as representam melhor. A mulher ainda é vista como pertencente ao ambiente privado, que deve ficar em casa, e não é capacitada”, diz Sônia.

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