Mulheres de presos do RN levam para fora dos muros guerra entre facções

19 de janeiro, 2017

Duas batalhas ocorrem no presídio de Alcaçuz. Uma dentro e uma fora. Na de dentro, ao menos 26 presos foram mortos entre o sábado (14) e o domingo (15), em uma disputa de fações criminosas, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte e o PCC (Primeiro Comando da Capital).

(Folha de S.Paulo, 19/01/2017 – acesse no site de origem)

A guerra de dentro continuou nesta quarta-feira (18), cada lado querendo destruir o outro. A polícia, armada nas guaritas, tentava separá-los com a força da bala. A disputa de fora é mais sutil, uma guerra anunciada, quase sempre a uma fagulha de ocorrer. É a disputa das mulheres dos presos de Alcaçuz.

A divisão interna do presídio –PCC em dois pavilhões e Sindicato do Crime nos outros três– se repete no entorno. Cada grupo de mulheres fica próximo de onde seus maridos e filhos estão. Os dois lados, a cerca de 800 metros um do outro, se odeiam e vivem se ameaçando. “Elas acham que porque os maridos delas são do PCC, podem tomar partido deles. Acho errado, mas se elas vierem, a gente vai se defender”, diz Jussara, 25, cujo marido está na ala do Sindicato.

“A gente não ousa pisar no lado delas, mas não aceitamos elas aqui”, diz Amanda, 29, do outro lado. Seu marido, preso há dez anos, faz parte do PCC. “A regra deles [presos] vale para nós. É matar ou morrer”.

No final de semana, uma briga irrompeu entre os grupos do lado de fora do presídio e uma mulher foi ferida com uma facada. “É a mesma coisa deles, tudo ou nada”, diz a dona de casa Joana, 27, na ala do Sindicato. Todos os nomes são fictícios, a pedido das mulheres.

Na manhã desta quarta, mulheres com enxadas tentaram agredir o grupo da ala do PCC. Foram impedidas por policiais da Força Nacional. À tarde, incendiaram sofás e pedaços de madeira em uma barricada para tentar impedir a saída de ônibus com presos do Sindicato a serem transferidos. Policiais militares reagiram e deram tiros de advertência. Uma mulher grávida passou mal e outra teve convulsões.

No início da noite, o governo do Estado iniciou a transferência de 220 presos de Alcaçuz apontados como membros do Sindicato, facção de maior peso no Rio Grande do Norte. Em Natal, 15 ônibus e um carro do governo foram incendiados. A Secretaria de Segurança Pública apura se esses crimes têm ligação com as transferências.

ROTINA

São cerca de 80 mulheres da área do Sindicato e 30 do lado comandado pelo PCC. Desde sábado, quando ocorreu o motim, dormem ao lado do presídio. Tomam banho em bares, num rio ao lado de Alcaçuz e até no mato.

Aguardam por informações sobre os desdobramentos do motim, mas não há ninguém do governo para informá-las. Costumam perguntar aos jornalistas: “Você está sabendo de alguma coisa?”

Também recorrem a jornalistas quando querem se movimentar no entorno do presídio. Elas dizem que a presença de repórteres ou fotógrafos pode inibir um ataque rival. Por outro lado, também desconfiam da imprensa. Dizem que os jornalistas só mostram o outro lado, ou seja, o lado do governo ou a versão do grupo inimigo.

Falam o tempo todo com os maridos, por telefone ou mesmo no grito, quando os homens aparecem nos telhados.

INCONDICIONAL

A rixa externa existe desde que o presídio passou a ser dividido pelas facções, em meados de 2015. As mulheres da ala ligada ao PCC, quando visitam os parentes, formam uma fila do outro lado do presídio, justamente para evitar conflitos.
Para fazer a visita, aos sábados, as mulheres precisam chegar um dia antes. Quem se atrasa passa menos tempo dentro da detenção. Depois, passam pela revista vexatória.

Elas dizem amar os maridos e filhos incondicionalmente. A maioria reconhece que eles erraram para estarem presos. Outras dizem que eles são inocentes.

“A gente sofre assim é por amor, porque somos as únicas pessoas na vida deles”, diz Joana, na duna, olhando para o pavilhão onde seu marido está preso há oito anos. A previsão de saída dele é em 2021. “Não vou desistir. Vou ficar aqui o tempo que precisar.”

Do outro lado, na ala PCC, Amanda vê seu marido no telhado. “A gente vive numa prisão sem celas. Para você ter uma ideia, moro em Natal e não vou nunca na praia. Imagina, eu na praia e meu marido no inferno” diz. Ela interrompe a entrevista, olha para os presos no telhado e grita: “Nós vamos ganhar essa guerra.”

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