Por que algumas mulheres ainda têm medo de dizer que são feministas?, por Nana Queiroz

25 de agosto, 2016

“Feminismo não é o contrário de machismo. Feminismo não é a ideia de que mulheres são melhores que os homens.”

(Folha de S.Paulo, 25/08/2016 – acesse no site de origem)

Tenho completa segurança em abrir este artigo declarando: você, leitora, é feminista, mesmo que ainda não saiba disso. E se você respondeu: “Ah, tá, mas você nem me conhece! Como pode dizer uma coisa dessas sobre mim?”, está claro que ainda não entendeu, de fato, o que é feminismo.

Feminismo não é o contrário de machismo. Feminismo não é a ideia de que mulheres são melhores que os homens. Feminismo não é um movimento pelo fim da família e das religiões. Feminismo não é nenhuma dessas mentiras que andam te dizendo por aí. Feminismo é, na verdade, uma ideia bem simples e revolucionária: a de que homens e mulheres têm dignidade igual e merecem direitos equivalentes e que você está disposta a se transformar e lutar por isso na sua vida pessoal e política.

Ou seja: ser mulher e não ser feminista seria um contrassenso sem tamanho. Seria como ser um cachorro e não ser a favor do movimento pelos direitos dos animais. Ou ser um escravo e se opor ao abolicionismo.

Mesmo assim, muitas mulheres que conheço e que são claramente feministas por acreditarem em tudo que eu já citei até aqui se recusam a usar o título. Elas temem ser taxadas de bruxas e mal amadas, sim, mas, sobretudo, não entendem o que é feminismo.

Claro que isso é principalmente culpa de conservadores que têm medo que as mulheres sejam donas de seus corpos e seus destinos e espalham por aí boatos sobre nós. Mas acho que isso é, em parte, culpa nossa também. Acho que nós, as feministas, nos deixamos cercar de uma áurea arrogante de intelectualidade excessiva. A gente fala difícil demais, a gente tem palavrinhas e expressões que só as iniciadas entendem, a gente usa termos em inglês. Vai, a gente até gosta de se sentir especial, parte do clubinho.

Na sede de lacrar que nos massacra a todos nesses tempos de redes sociais, a gente tem esquecido de ser acolhedora, de ter empatia, de permitir nuances. Porque o feminismo, na verdade, não é um, mas vários, e isso é bom. O fato de existirem muitas correntes e muitas maneiras de ser feminista é o que diferencia movimentos sociais de religiões fundamentalistas e dogmáticas.

Nós temos que construir um diálogo democrático e acessível e temos que ser mais acolhedoras com as que pensam diferente. Temos que falar de manipulação psicológica machista em vez de gaslighting. Temos que deixar de nos comportar como se houvesse perguntas proibidas ou como se fosse crime não saber o que significa “sororidade” ou quem foi Simone de Beauvoir. Porque se não fizermos isso, vamos só continuar falando pro mesmo clubinho de sempre e nunca vamos transformar – que é o que realmente importa.

Eu tinha isso na cabeça quando organizei o livro “Você já é feminista: abra este livro e descubra o porquê”. Nele, reuni grandes nomes do movimento de jovens conectadas que ficou conhecido como “Primavera das Mulheres” com o único objetivo de desmitificar o feminismo, de democratizar. Queria que mulheres que ainda têm vergonha de sair do armário tivessem acesso a uma introdução sobre o que significa tudo isso que as meninas estão falando nas redes.

Márcia Tiburi, Djamila Ribeiro, Amara Moira, Letícia Bahia, Carolina Oms, Carolina Vicentin, Tamy Rodrigues, Helena Bertho, Flávia Birolli, Lívia Magalhães e um monte de outras mulheres maravilhosas toparam o desafio de trabalhar nesta obra comigo. A gente sonhava que ele fosse também um livro a ser lido por homens, para que tomem consciência das desigualdades de gênero e percebam o machismo em seu cotidiano e nos ajudem a combatê-lo.

Mais do que tudo, queríamos que, ao terminar de ler, você descobrisse, também, que já é feminista faz tempo – faltava só sair do armário…

*Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina, autora do livro “Presos Que Menstruam” e roteirista da série de mesmo nome em produção. Também é criadora do protesto “Eu Não Mereço Ser Estuprada”. É jornalista pela USP e especialista em Relações Internacionais pela UnB.

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