Princípios do ecofeminismo são essenciais para a proteção do meio ambiente, por Fabiana Dal’Mas Rocha Paes

06 de fevereiro, 2017

Introdução
A população mundial está sofrendo os efeitos das mudanças climáticas. O ponto central deste artigo consiste no argumento de que o empoderamento das mulheres é imprescindível para que se reduzam os riscos de desastres e sejam facilitados às mulheres meios de subsistência que as tornem mais resistentes aos efeitos nocivos das mudanças climáticas, bem como para que sejam respeitados os princípios do direito que protegem o meio ambiente.

(ConJur, 06/02/2017 – acesse no site de origem)

A preocupação com o desenvolvimento sustentável e o meio ambiente saudável tem aumentado no decorrer dos anos, argumentamos que as mulheres devem ser incluídas nesse debate. Já não é mais viável esconder a relação existente entre as catástrofes naturais, a destruição e a poluição do meio ambiente, colocando em risco a vida no planeta, em especial aquela mais vulnerável, muito especificamente a vida das mulheres, das crianças e dos idosos[1].

É evidente pela literatura que mulheres, crianças e idosos são afetadas de forma intensa pelas mudanças climáticas. Assim, quando desastres ocorrem, as mulheres sofrem mais riscos de morrer do que os homens, como aconteceu no tsunami de 2004, na Ásia, onde 70% das mortes foram de mulheres[2].

Ecofeminismo
As alterações dos padrões climáticos possuem distintas fases. Conforme a literatura, com frequência, as variáveis climáticas contém períodos de secas, que se alternam com períodos chuvosos e que resultam em distintos fatores como a redução da água, dos alimentos e aparecimento de doenças. Essas alterações normalmente são extremas, portanto agora a preocupação consiste em como dar respostas a estas novas condições climáticas[3]. As questões das mudanças climáticas e o impacto delas nas mulheres começaram a ser incorporadas de forma mais efetiva na discussão a partir da década de 1970, com a introdução do ecofeminismo. O ecofeminismo é uma corrente de pensamento que passou a destacar aspectos antes esquecidos, como o impacto das atividades econômicas nas condições de vida das mulheres, das populações tradicionais, como as indígenas[4].

O ecofeminismo pode ser examinado sob três enfoques. O primeiro é o ecofeminismo clássico, que defende que a ética feminina de proteção ao meio ambiente se opõe à agressividade masculina, as mulheres teriam uma tendência natural à paz, ao contrário dos homens mais tendentes ao conflito e a destruição. O segundo é o ecofeminismo do “terceiro mundo”, segundo o qual a sociedade patriarcal e dominadora acaba gerando um processo de violência contra as mulheres, portanto assume uma postura crítica ao sexismo e ao racismo. Por fim, um ecofeminismo construtivista, que assevera que a relação das mulheres com a natureza está associada não às características próprias do feminino, por essência, mas pela responsabilidade da mulher na economia familiar, criadas por meio da divisão do trabalho, do poder e da propriedade[5].

Esse movimento contém distintos princípios, dos quais destacamos quatro. Primeiro, ideais de descentralização e de não hierarquização. Segundo, apoio a economia de subsistência. Terceiro, busca de tecnologias suaves, não agressivas ao meio ambiente. Quarto, superação da dominação patriarcal nas relações de gênero[6].

Um marco no ecofeminismo foi o livro Staying Alive: Women, Ecology and Survival, em 1988, de Vandana Shiva. Vandana “fez uma análise em 1988, de como a violência contra as mulheres e a natureza, na Índia e também em outros países de terceiro mundo, tinha origem em base materiais”. A autora defende que a principal falha consiste no paradigma desenvolvimentista que orienta essas ações. Com esse paradigma, as mulheres foram excluídas de seus papéis de protagonistas na agricultura, seu conhecimento que era ecológico, com uma visão global, foi desperdiçado em nome da privatização dos lucros e da exploração ambiental que tem como modelo a predatória monocultura. Portanto, esse é modelo de desenvolvimento desenfreado e não sustentável[7].

Verifica-se que os países em desenvolvimento não apenas têm muitas dificuldades a adaptarem-se às mudanças climáticas, como também neles a desigualdade de gênero é ainda mais evidente. Os desafios são muitos, pois existe falta de recursos financeiros para essas mudanças e adaptações. Um estudo a respeito das diferenças de gênero sobre as percepções dos indicadores climáticos na Bolívia em uma comunidade agrícola concluiu que as mulheres agricultoras tem mais conhecimento dos detalhes dos bioindicadores e são mais otimistas em relação aos resultados. Apesar disso, quem decide o que plantar, onde plantar e de que forma são os homens[8].

Mudanças climáticas, mulheres e Direito
A legislação brasileira contém dispositivos específicos quanto à necessidade de proteção ao meio ambiente. A Constituição Federal de 1988 não apenas adota especificamente o termo meio ambiente, como também incorpora importantes princípios[9]. A doutrina ressalta a vocação ambientalista da Constituição Federal de 1988 e a sua relevância, inclusive no cenário internacional[10].

O Brasil firmou distintos tratados internacionais sobre o meio ambiente e também sobre as mulheres, como a Convenção Cedaw[11]. As discussões internacionais a respeito das mudanças climáticas vêm sendo travadas em encontros e conferências. Um dos fóruns mundiais de discussão mais relevante tem sido o Climate Change Conference[12]. Em 2015, por exemplo, a COP 21, em Paris, buscou estabelecer acordos universais com a finalidade de manter o aquecimento global abaixo de 2ºC[13]. No mesmo sentido, em 2016, a COP 22 em Marrakech[14]. É importante ressaltar que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, possui o objetivo específico sobre mudanças climáticas (ODS 13), que deve incluir as mulheres.

Conclusão
As crianças, os idosos e as mulheres mais pobres dos países em desenvolvimento, que vivem de economia de subsistência, são as maiores vítimas das mudanças climáticas, da diminuição de sua qualidade de vida causada pelas catástrofes e desastres naturais, pelas secas, pela escassez de recursos naturais, os quais são destruídos com voracidade para satisfazer as necessidades de consumo dos mais países mais ricos ou da população economicamente mais rica dentro do seu próprio país. Portanto, o equilíbrio do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável devem contar com as mulheres de todas as origens etnias, classes sociais, as mulheres indígenas para esses desafios e construção de uma agenda positiva. A legislação brasileira e o sistema internacional ambiental obrigam os Estados a agirem na proteção de um meio ambiente saudável para as presentes gerações e as futuras.

Ao que parece, em nosso país, precisamos de uma situação “alarmante” para passarmos a dar a importância a um tema. Não é diferente no contexto mundial, recentemente na era do novo governo dos Estados Unidos, estamos também acompanhando de perto alguns evidentes retrocessos, como a “flexibilização” dos licenciamentos ambientais e liberação de oleodutos em áreas indígenas, o que certamente gerará impactos nas mudanças climáticas e consequências na aplicação do direito. Tal fenômeno ocorre visivelmente em razão da tensão existente entre crescimento econômico e proteção ambiental[15]. Principalmente quando líderes mundiais tendem a valorizar o crescimento econômico em detrimento da proteção ambiental. Observamos, ainda, uma tendência a excluir a mulher da participação política, bem como vislumbramos um evidente retrocesso da legislação de interesse da população feminina.

Deveríamos trabalhar mais com estratégia, transparência e planejamento, especialmente com foco em medidas preventivas, mas usualmente o que se observa são medidas emergenciais, para gerir situações de crise. Em nossa opinião, o empoderamento das mulheres para que elas possam fazer frente aos desafios das mudanças climáticas é fundamental. No caso das mulheres agricultoras, elas devem ter o acesso à terra, aos meios de produção e devem participar das tomadas de decisões. Assim também deveria ocorrer em todas as discussões internacionais sob o tema como as COPs. Como se observou no caso boliviano, embora as mulheres detivessem um conhecimento a respeito das condições e dos bioindicadores, não eram elas quem decidiriam como a agricultura iria se desenvolver, pois o poder decisório ficava nas mãos dos homens.

Acreditamos na necessidade de aplicação dos princípios do ecofeminismo, na direção do empoderamento feminino, como elementos essenciais para a proteção ao meio ambiente e combate aos efeitos danosos das mudanças climáticas, muito embora reconheçamos, lamentavelmente, a existência atual de forças conservadoras tanto no âmbito brasileiro, como no mundial, que visam mais proteger o interesse do capital, em detrimento do meio ambiente saudável, não permitindo também a participação feminina no processo de tomada de decisões e que pretendem claramente o retrocesso, aniquilando os direitos já conquistados pelas mulheres e as consolidadas leis ambientais. Temos a obrigação de nos unir contra essas forças, garantindo que as gerações futuras não sofram o impacto das mudanças climáticas.

1 ANGELIN, Rosângela, Gênero e Meio Ambiente: a atualidade do Ecofeminismo, Revista Espaço Acadêmico, nº 58, Março de 2006.
2 Comission on the status of women, https://17minionucsw2016.wordpress.com/2016/06/13/igualdade-de-genero-empoderamento-e-mudancas-climaticas/, 1 de fevereiro de 2017.
3 ULLOA, Astrid e outras, Mujeres Indígenas y Cambio Climático, Perspectivas latino-americanas, UNODC UNAL, Bogotá, Colombia, 2008.
4 Agroecol e Desenv. Rur. Sustent, Porto Alegre, v1, n1, jan/mar. 2000.
5 ANGELIN, Rosângela, Gênero e Meio Ambiente: a atualidade do Ecofeminismo, Revista Espaço Acadêmico, nº 58, Março de 2006.
6 SILLIPRANDI, Emma, Econfeminismo: contribuições e limites para a abordagem de políticas ambientais, Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, V1, n1, Jan/Mar 2000.
7 SILLIPRANDI, Emma, Econfeminismo: contribuições e limites para a abordagem de políticas ambientais, Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, V1, n1, Jan/Mar 2000.
8GUTIÉRREZ, Pía Escobar, Diferencias de Género en las Percepciones sobre Indicadores Climáticos y el Impacto de Riesgos Climáticos en el Altiplano Boliviano: Estudio de caso en los Municipios de Umala y Ancoraimes, Departamento de La Paz, em ULLOA, Astrid e outras, Mujeres Indígenas y Cambio Climático, Perspectivas latino-americanas, UNODC UNAL, Bogotá, Colombia, 2008.
9 Princípios ambientais como o poluidor pagador, o da prevenção, dentre outros artigo 225, parágrafo 3º, da CF, artigo 225, IV e artigo 9º, I, III e V, da Lei 6.938/81), princípio da participação (artigo 225, parágrafo 1º, VI e artigo 13, da Lei 6.938/81) e da cooperação entre os povos (artigo 4º IX e artigo 4º, da Lei 6.938/81 e artigo 77 e 78, da Lei 9.605/98).
10 NETO, JOSÉ CRETELLA, Curso de Direito Internacional do Meio Ambiente, Editora Saraiva, 2012.
11 Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.
12 COP 21, Paris, http://www.cop21paris.org/about/cop21, 1 de fevereiro de 2017.
13 COP 21, Paris, asseverou o seguinte: “In 2015 COP21, also known as the 2015 Paris Climate Conference, will, for the first time in over 20 years of UN negotiations, aim to achieve a legally binding and universal agreement on climate, with the aim of keeping global warming below 2°C.”, http://www. cop21paris.org/about/cop21, em 1 de fevereiro de 2017.
14 The 22nd session of the Conference of the Parties (COP 22) is currently in the 2nd week in Marrakech, Morocco.
15 GERALDES, ANDRÉ GUSTAVO DE ALMEIDA, Sustainable Development and Developmente Banks in the Brazilian Amazon, Editora Cidade, 2013.

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