Quem se importa com o equilíbrio entre trabalho e vida das mulheres normais?, Barbara Ellen

24 de outubro, 2014

(Carta Capital, 24/10/2014) Shonda Rhimes, a criadora das séries Grey’s Anatomy e Scandal, reclamou sobre a frequência com que lhe perguntam sobre o “equilíbrio entre trabalho e vida”. “Essa pergunta me deixa louca”, diz ela, apontando que seus colegas homens não seriam indagados sobre isso. Ela também falou sobre ser descrita como “a mais poderosa produtora negra de Hollywood”. “Eles não diriam que alguém é ‘o mais poderoso produtor branco de Hollywood’.”

Bem, todas as honras a Rhimes por se manifestar. No entanto, esta é uma observação geral sobre os duplos critérios impostos às mulheres, ou um clássico momento “verifique seu privilégio”, em que reclamar de perguntas sobre o equilíbrio trabalho-vida é reserva exclusiva de um certo tipo de mulher profissional bem-sucedida, no topo?

Essa é uma questão recorrente, sobre o desequilíbrio de gêneros inerente não apenas ao sucesso, mas também à percepção do sucesso. Como não importa para as mulheres o quanto elas são badaladas em seus respectivos campos. Tudo tem a ver com como elas fazem tudo dançar em torno do mastro de sua domesticidade básica. Esqueça o trabalho, que dizer sobre a escola das crianças e a louça, as coisas cruciais das mulheres: como vai tudo isso? Como você ainda consegue ser uma mulher “de verdade”? Você já se transformou em homem?

De certa maneira, é uma coisa da mídia. Há exceções, mas em geral, homem ou mulher, não há nada mais sem graça que uma entrevista em que o sujeito discorre sobre um projeto de trabalho, excluindo todos os detalhes pessoais. Eles devem participar de uma entrevista, não de um comunicado de imprensa.

Por isso, o detalhe pessoal não é errado em si. Pode ser esclarecedor ouvir sobre as atitudes em relação a casa, família, sexo, romance, ética, vida, morte e tudo o mais. E, sim, às vezes pode ser um malabarismo constante e exaustivo. Essas perguntas não são suspeitas em si – o problema só ocorre quando elas são perguntadas exclusivamente às mulheres.

É aí que poderíamos dizer que começa sua “domesticação”. Este é um processo pelo qual uma mulher conhecida se torna não apenas feminilizada, mas também “exonerada” por sua domesticidade inata. O subtexto é: “Mostre-nos seu lado humano, sua vaca eficiente e vaidosa. Fale alguma besteira sobre esquecer de buscar a roupa na lavanderia ou perder o teatrinho da escola, que colocaremos em contexto e perdoaremos seus triunfos”. Portanto, há pressão para que as mulheres bem-sucedidas evitem alienar não apenas os homens, mas também outras mulheres.

Então, novamente, está acontecendo tanto quanto pensamos? Parece-me envolver não apenas o desequilíbrio de gêneros, mas também o desequilíbrio entre diferentes classes de mulheres. Enquanto as semelhantes a Rhimes são importunadas por perguntas sobre o equilíbrio trabalho-vida, outras, que não têm projeção ou poder, são praticamente ignoradas, apesar de, ao contrário de Rhimes, que supostamente (e sem julgamento) tem auxiliares, essas são mulheres (talvez tão pobres de tempo quanto ela, mas também sem dinheiro) para as quais o desequilíbrio trabalho-vida é uma questão real e premente.

Portanto, enquanto Rhimes pode sentir que lhe perguntam esse tipo de coisa com tanta frequência que beira o sexismo, outras mulheres mais comuns podem sentir que não estão lhes perguntando o suficiente (ou nunca). Elas sentem (corretamente) que, a menos que elas sejam, digamos, Rhimes ou Sheryl Sandberg, ninguém se importa com como elas administram seu tempo. Por que Rhimes deveria se importar com isso? Os homens geralmente não são solicitados a se preocupar com homens menos bem-sucedidos. A resposta curta é que ela não precisou.

No entanto, isso significa um abismo preocupante de incompreensão entre as mulheres profissionais de alta categoria e suas homólogas (obviamente) menos bem-sucedidas que ainda precisa ser abordado. Talvez a tragédia não seja que um grupo relativamente pequeno de mulheres poderosas como Rhimes são bombardeadas com perguntas do tipo “Como você consegue?”, mas que a vasta maioria das mulheres não o são. Afinal, por mais irritantes que possam ser essas constantes indagações sobre equilibrar trabalho e vida, quanto pior seria ser desprezada, desvalorizada e ignorada?

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