Quais foram as chances perdidas pelas mulheres na reforma política

14 de outubro, 2017

Brenda Cunha, pesquisadora da FGV Rio, fala ao ‘Nexo’ sobre a dificuldade de lidar com a desigualdade de gênero no sistema de representação brasileiro

(Nexo, 14/10/2017 – acesse no site de origem)

A reforma política aprovada pelo Congresso entre setembro e outubro ficou marcada pela criação de um fundo público para financiar campanhas e de uma cláusula de desempenho que pode afetar partidos pequenos e médios já nas eleições de 2018. Os parlamentares também decidiram proibir as coligações entre legendas, medida que passa a valer a partir de 2020.

Para a pesquisadora Brenda Cunha, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Rio, no entanto, a reforma ficou marcada também pelo que não foi: uma oportunidade de aprovar novas regras que garantissem o aumento da participação das mulheres na política.

Ela falou ao Nexo, por e-mail, sobre a dificuldade de aprovar leis que de fato aumentem a presença feminina não apenas nos partidos políticos e nas candidaturas – o que a lei já garante – mas efetivamente no Congresso, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais.

“Não basta exigir que cotas sejam implantadas” nos partidos e nas chapas, diz Brenda. “A medida mais eficaz é o estabelecimento de uma porcentagem das cadeiras, pois tem um impacto direto e imediato” na representatividade feminina.

As mulheres respondem por 52% do eleitorado no Brasil, mas ocupam apenas 9,94% dos 513 assentos na Câmara dos Deputados. Entre as Câmaras de 193 países monitorados pela IPU (União Interparlamentar, em português), a Câmara do Brasil ocupa a 153ª colocação em quantidade de mulheres. É o último colocado na América do Sul.

Nas Câmaras municipais brasileiras, a presença de vereadoras mulheres é de 13,5%. Nas Assembleias Legislativas estaduais e na Assembleia do Distrito Federal, esse índice é de 11,33% e, no Senado Federal, de 14,81%.

Desde 1997, a Lei 9.504  que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. A obrigatoriedade, no entanto, só aumentou o número de candidatas, mas não o número de eleitas, que se manteve mais ou menos estável, ao redor dos 10%, desde os anos 1990.

Para que o número de mulheres eleitas se aproxime do número de homens eleitos, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) propôs em 2015 uma Emenda Constitucional que ficou conhecida como PEC da Mulher (PEC 134/2015). Ela dá uma passo além em relação à lei de 1997 ao determinar cotas para mulheres nos cargos legislativos, com exceção do Senado. Essa proposta encontra-se na pauta de discussão da Câmara, mas ainda não foi a votação.

Houve oportunidades perdidas nesta última reforma política para aumentar a participação das mulheres? Que oportunidades foram essas?

BRENDA CUNHA Sim. Não foi dada a oportunidade nem o espaço de tempo necessários para que a sociedade e os movimentos organizados se envolvessem plenamente no processo de discussão e exercessem uma pressão eficaz. Atribuo isso à pouca visibilidade que o tema recebeu dos parlamentares e da imprensa e à forma apressada em que a reforma foi discutida e votada.

Quanto às proposições, todos os pontos pertinentes à participação feminina foram retirados do projeto. Um dos mais relevantes foi o que propunha a paridade de sexo nas chapas para as eleições majoritárias  [homens e mulheres deveriam preencher 50% das candidaturas para cada cargo; se o cabeça de chapa fosse homem, o vice teria de ser mulher, e vice versa].

Acredito que a medida poderia trazer impactos positivos nas eleições para o Senado. Nesse caso, os partidos ou as coligações que concorressem para as duas vagas estariam obrigados a lançar uma mulher como candidata [o mandato dos senadores é de oito anos, mas as eleições para o Senado acontecem de quatro em quatro. Assim, a cada eleição, a Casa renova, alternadamente, um terço e dois terços de suas 81 cadeiras Nas eleições em que se renovam dois terços do Senado, cada partido pode apresentar dois candidatos. É a esses casos que a pesquisadora se refere quando fala da paridade de candidatos ao Senado, sendo um homem e uma mulher na mesma chapa ou coligação].

Dados do Congresso em Números, do CTS/FGV [Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas] apontam que, nas duas últimas eleições para o Senado, a proporção das candidaturas femininas em relação às masculinas é muito próxima da proporção de mulheres eleitas por homens eleitos. Hipoteticamente, se 12 vagas fossem disputadas por 100 candidatos e 20 candidatas, observaríamos 2 senadoras e 10 senadores eleitos. Se essa tendência se mantivesse, também poderíamos esperar que a paridade das candidaturas fosse refletida no Senado.

É importante ressaltar, contudo, que a alta correlação encontrada é lida apenas como um indício, e não uma prova de causalidade. Além disso, diversos outros fatores podem interferir nos resultados de uma candidatura.

A sra. identifica forças que atuaram deliberadamente para barrar o avanço dessas mudanças na atual reforma? Ou se tratou apenas de inércia?

BRENDA CUNHA A proposta não avançou o suficiente para verificarmos uma ação contrária mais deliberada. Algum grau de inércia chegou a ser observado. Por exemplo, antes de ser levado à votação na Comissão [responsável pela reforma política], a bancada feminina havia criticado a pouca contribuição do anteprojeto em relação à pauta da participação. Somente no dia da votação do texto base, a proposta de paridade para eleições majoritárias foi inserida, mas acabou alterada em sua essência por um substitutivo. O novo texto não contém a questão da paridade e de aumento de cota nos cargos legislativos.

Entretanto, acredito que outros fatores foram mais proeminentes para o mau andamento das discussões. Desde a sua abertura, matérias de grande relevância para o governo também entraram em pauta, ganhando prioridade entre os parlamentares. Considero que o amadurecimento das discussões da reforma política pode ter sido prejudicado tanto pelo prolongamento da discussão da reforma da Previdência, causado pela dificuldade [do governo] de agregar apoio para sua votação, como pela atenção demandada pelas duas denúncias da PGR [Procuradoria-Geral da República] contra o presidente da República.

Sendo assim, o curto espaço de tempo que restou para discutir as medidas e votá-las a tempo de valerem para as eleições de 2018 [mudanças nas regras eleitorais têm de acontecer pelo menos um ano antes da eleição seguinte, que no caso é 7 de outubro] favoreceu temas mais diretamente ligados aos interesses de campanha dos parlamentares e partidos – como financiamento e regras de campanha, regras de competição, entre outros –, deixando de fora questões menos consensuais ou potencialmente conflituosas.

A janela de mudanças nas regras para 2018 já se fechou, no dia 7 de outubro. Teria sido melhor aproveitar o calor do momento para aprovar esses temas, ou eles andam melhor num horizonte mais longo de discussão e de aplicação?

BRENDA CUNHA Perder a oportunidade de aprovar alguma medida relevante válida para 2018 não só adia as mudanças como os efeitos cumulativos que elas poderiam causar. Contudo, a maior perda de não ter levado a pauta à votação nessa data foi deixar de aproveitar um momento em que todas as atenções se voltavam para o Congresso e uma grande maioria estava mobilizada.

Esses fatores são essenciais para se obter o apoio e os números necessários para a sua aprovação. Em 2015, por exemplo, uma PEC [Proposta de Emenda Parlamentar] que visava estabelecer um percentual mínimo das vagas disputadas para as casas legislativas (exceto Senado), embora tenha obtido maioria dos votos favoráveis, não foi capaz de reunir o percentual mínimo para sua aprovação [308 votos]. Há três semanas consecutivas que a PEC da Mulher [que propõe a reserva de percentuais de assentos para mulheres nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmara dos Deputados], que está pronta para votação e traz objetivo semelhante, está na pauta do plenário da Câmara. Basta esperar para ver se os parlamentares estão mesmo comprometidos em levá-la adiante.

A sra. é a favor do estabelecimento de cotas para mulheres no Congresso? Há países em que isso foi feito? Funciona?

BRENDA CUNHA Sim. A política de cotas pode ser um instrumento extremamente eficaz para contornar as assimetrias na representação entre homens e mulheres. Há vários exemplos de países que apresentaram um salto significativo na representação das mulheres depois de adotá-las, entre eles: Bolívia (11,5% para 53,1%), Paraguai (2,5% para 15%) e Equador (3,7% para 41,6%), segundo dados da IPU [União Interparlamentar, em português].

No entanto, há diversos outros fatores, além das cotas, que condicionam esses resultados. Do ponto de vista institucional, as diferenças podem variar dependendo do  tipo de cota, do sistema eleitoral em que é implantada, da abrangência do modelo adotado; isto é, se envolve apenas uma ação específica ou articula um conjunto de medidas.

Não basta exigir que cotas sejam implantadas. É necessário que diversos fatores sejam considerados antes de se propôr um modelo, pois a combinação entre eles pode ser determinante para os resultados.

O fracasso da política de cotas no Brasil está associado à ineficácia da aplicação de cotas em listas partidárias para disputas proporcionais de lista aberta, o que não aconteceria caso se adotasse, por exemplo, um sistema de lista fechada no qual os partidos apresentassem nomes de homens e mulheres alternadamente.

Entretanto, no nosso caso, no sistema que temos hoje, a medida mais eficaz é o estabelecimento de uma porcentagem das cadeiras, pois tem um impacto direto e imediato.

João Paulo Charleaux

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