A reforma política pode aumentar a participação das mulheres?

02 de outubro, 2017

Voto em lista fechada, voto distrital, voto distrital misto, voto proporcional, qual sistema político-eleitoral seria mais capaz de garantir maior representatividade para as mulheres nos cargos eletivos no Brasil? Para a bancada feminina na Câmara dos Deputados, o sistema eleitoral não importa, ao menos neste momento, e a estratégia é costurar um acordo para votar a proposta de emenda à Constituição 134/2015, que assegura para cada sexo, feminino e masculino, um percentual mínimo  de representação no poder legislativo das três esferas da federação.

(Revista AzMina, 02/10/2017 – acesse no site de origem)

Pelo texto, na primeira eleição após a promulgação da PEC, 10% das vagas na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas Estaduais e do Distrito Federal e das Câmaras Municipais serão ocupadas por mulheres. Esse percentual sobe para 12% na segunda eleição e 16% na terceira.

Embora trate de reserva por sexo, a medida atinge exclusivamente as mulheres, e seu efeito inicial seria a manutenção do espaço já conquistado, e não o aumento da presença feminina. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, em outubro de 2014, 51 mulheres foram eleitas deputadas federais num total de 513 vagas. No Senado, considerando as duas últimas eleições, já que as vagas são renovadas parcialmente a cada quatro anos, foram 13 mulheres entre os 81 eleitos. Nas eleições de 2016, o número de vereadoras ultrapassou, no total, os dez porcento dos eleitos, sendo que nas principais capitais, como Curitiba (21%), São Paulo (20%), Salvador (19%), Recife (15%) e Rio de Janeiro (14%), a proporção já é maior.

A negociação

O fato do percentual de reserva começar em 10% revela uns dos entraves da negociação. No início de 2015, quando também estava em discussão uma reforma política, deputadas e senadoras, juntas, apresentaram uma proposta ousada: 30% de reserva de cadeiras para mulheres nos parlamentos e reserva de 30% dos recursos dos fundos partidários de cada legenda para financiar campanhas de mulheres. Ao longo das negociações, ficou clara a resistência dos homens em votar uma proposta que, de cara, restringia espaço para eles. Ao fim, a solução foi começar a reserva de vagas garantindo que ninguém saísse perdendo (do ponto de vista dos homens), mantendo homens e mulheres no patamar que já vigora.

Mesmo assim, na hora crucial, em 16 de junho de 2015, o projeto foi rejeitado: no plenário da Câmara dos Deputados, teve 293 votos favoráveis, mas precisava de 308 para ser aprovado porque se tratava de uma emenda à Constituição; 101 deputados votaram contra a cota para mulheres e foram registradas 53 abstenções. Alguns deputados chegaram a pedir ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para dar um ‘jeitinho’ de refazer a votação, mas a proposta foi arquivada.

Desta vez, o acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do Democratas, prevê que a PEC 134/2015 será colocada em pauta assim que as propostas que mudam o sistema eleitoral (PEC 77/2003) e acabam com as coligações partidárias (PEC 282/2016) forem votadas em primeiro turno (as propostas de emenda à constituição precisam passar por duas votações no plenário da Câmara). No dia 20 de setembro, esta etapa foi concluída e quando perguntado sobre o combinado a respeito da PEC 134, Rodrigo Maia foi direto na resposta: “vamos votar”.

A deputada Jô Moraes, do PCdoB de Minas Gerais, afirma que neste momento a proposta garante no máximo 16% de cadeiras para as mulheres, mas as deputadas ainda têm em mente elevar este percentual no futuro para trinta porcento. “Evidentemente isso não anula que podem vir mais de  dez porcento de mulheres porque muitas vão ser eleitas dentro dos critérios que o sistema eleitoral a ser votado vai definir.

Mas, por exemplo, se passa o sistema distritão, dez porcento da chapa eleita terá de ter presença de mulheres. Se passa o voto proporcional, que é o que hoje garante mais legitimidade e representação da população, se mantém dez porcento das eleitas, por isso o mais importante é garantir que aqui nós tenhamos mulheres. Essa é a nossa expectativa e a nossa confiança de que os deputados homens votem numa proposta que não vai lhes tirar lugares, vai assegurar uma representação igualitária da sociedade”, argumenta a deputada.

A relatora da PEC 134/2015, deputada Soraya Santos, do PMDB do Rio de Janeiro, tem a mesma opinião, assim como Renata Abreu, presidente do recém-criado Podemos. Soraya é a atual coordenadora da bancada feminina no Congresso e está conversando com cada um dos partidos na Câmara para angariar votos.

Um levantamento feito por sua e equipe por meio da base de dados do TSE revelou que em 2016, 14 mil mulheres candidatas tiveram zero voto na disputa para vereador, um sintoma da fraude eleitoral que ronda o artigo 10 da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504), que obriga os partidos a terem a cada eleição pelo menos 30% de mulheres candidatas.

Discussão para cotas de candidaturas está superada

Também é consenso entre as deputadas e senadoras que a cota de 30% para mulheres nas chapas eleitorais está superada. “As cotas para as chapas eleitorais muitas vezes são fraudadas, se apresentando um número de mulheres que são candidatas laranjas, para se cumprir a exigência legal, hoje nós queremos é cadeira, é vaga neste parlamento. Evidente que as mulheres virão terão votos, nós estamos pedindo nomeação, existe um quórum mínimo que garante que a mulher chegue até aqui”, argumenta Jô Moraes.

Em 2009, uma alteração na lei eleitoral tornou obrigatório o cumprimento por parte dos partido da reserva de vagas para mulheres. Antes disso, as legendas se apegavam ao verbo “reservar”, usado na redação da lei, para defender que a cota não era obrigatória. Ele foi substituído por “preencher”.

A fiscalização rigorosa do Tribunal Superior Eleitoral chegou apenas nas eleições de 2012, quando o tribunal determinou que, não havendo mulheres suficientes para compor a chapa, os partidos seriam obrigados a reduzir o número de homens candidatos até que proporção de trinta porcento do sexo feminino fosse atingida.

Isso foi divisor de água, em 2010, as candidaturas de mulheres, segundo o TSE, ficaram em 19,09% do total; em 2014, 29,06%. Finalmente, em 2016, 32% dos candidatos nas eleições municipais eram mulheres. Além disso, já há casos de candidatos eleitos que foram cassados por fraude na composição da chapa em São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso, pelo menos. Esses processo devem chegar em breve ao Tribunal Superior.

O que ficou pelo caminho

Desde abril, quando a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa a reforma política começou a votar os projetos, vários mecanismos de equidade de gênero que haviam sido negociados pela bancada feminina com o deputado relator da comissão, Vicente Cândido, do PT, foram ficam pelo caminho. Cândido chegou a apresentar em seu relatório a exigência de que as chapas para cargos majoritários, ou seja, prefeito, governador, senador e presidente da república, fossem compostas obrigatoriamente por pelo menos uma mulher.

Cândido defende que o voto em lista preordenada é o sistema com mais chance de melhorar a presença de mulheres em cargos eletivos. “Muitos apontam a adoção de listas preordenadas como um dos caminhos mais eficazes para o aumento da representatividade feminina e é nesse sentido que estamos propondo que a composição das listas respeite a proporção de pelo menos um gênero distinto para cada 3 colocações. Com esta medida, pretendemos no mínimo dobrar o número de cadeiras ocupadas por mulheres nos parlamentos brasileiros”, defendeu o deputado em seu relatório apresentado em maio.

As regras sobre como os partidos teriam montar as listas, no entanto, ficaram de fora da versão da proposta que foi ao plenário. No dia 19 de setembro, a mudança do sistema eleitoral foi rejeitada no plenário e o relatório de Cândido, arquivado.

Outro mecanismo derrubado foi uma emenda da deputada Renata Abreu, do Podemos de São Paulo, para que o critério de desempate as eleições fosse o sexo, com vantagem para as mulheres, e não a idade. Assim como a reserva de ao menos uma cadeira por cada Estado para mulheres e o aumento da reserva dos recursos do fundo partidário para financiar a campanha de mulheres, que passaria de 5 para 10%.

O TSE pode decidir

As parlamentares também se reuniram em junho com o presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, para pedir apoio à PEC 134. Se o Congresso não conseguir votar a reforma política até 7 de outubro, o Poder Judiciário terá de definir novas regras, principalmente sobre o financiamento das campanhas, já que as doações empresariais ficaram estão proibidas desde 2015.

Neste caso, a proposta da reserva de cadeiras para mulheres volta ao banco de espera, o debate ficaria em torno da necessidade de aumentar os financeiros para as mulheres. A tendência é demonstrada por Gilmar Mendes é considerar este tema um assunto interno dos partidos.

“A PEC 134 não trata do financiamento porque é uma questão mais complexa que vai ser tratada na proposta no plenário no projeto de regulamentação do fundo público, nós tivemos uma discussão com o ministro Gilmar Mendes e ele indicou que nós devemos buscar no interior dos partidos esse tratamento mais igualitário na distribuição do fundo. Eu creio que com um fundo público com o controle e a fiscalização do TSE, o acesso das mulheres aos recursos poderá ser mais viável, mas isso ainda não está garantido porque o debate sobre o fundo e a sua distribuição ainda é um desafio a ser vencido”, relata a deputada Jô Moraes.

Samanta Dias

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