Religião e herança familiar mudam perfil da bancada feminina

17 de novembro, 2014

(Valor Econômico, 17/11/2014) O resultado das urnas colocará em xeque a unidade da bancada feminina na Câmara a partir da próxima legislatura. Lideranças feministas que conseguiram se reeleger já manifestam nos bastidores o temor de uma guinada à direita. A expectativa é baseada, de um lado, na votação expressiva de candidatas ligadas a igrejas evangélicas e famílias tradicionais, e de outro, na derrota e na saída de cena de deputadas com histórico de militância feminista.

“É uma pena. Perdemos quadros com tradição e experiência na luta pelos direitos da mulher”, afirma a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), coordenadora da bancada. “Não constam na biografia de muitas mulheres que foram eleitas a defesa dos direitos femininos. Por isso vamos sugerir a criação de consultorias parlamentares para auxiliar as novas deputadas. Não basta ser mulher. É preciso estar comprometida com as nossas causas”, acrescenta Jô.

Outra liderança feminina, que preferiu manter o anonimato, expressa preocupação com a presença de deputadas eleitas com o nome da família. “Vai ser um drama. Tem muita mulher e filha de político que não está identificada com a nossa pauta de reivindicações”.

A partir de 2015, saem de cena parlamentares consideradas militantes da causa feminista e progressistas em temas polêmicos, como a legalização do aborto. É o caso de Janete Pietá (PT-SP), ex-coordenadora da bancada feminina, Iriny Lopes (PT-ES), ex-ministra de Políticas para Mulheres, além de Sandra Rosado (PSB-RN), Dalva Figueiredo (PT-AP) e Maria Lúcia Prandi (PT-SP). As cinco não conseguiram se reeleger. Já Manuela D’ Ávila (PCdoB-RS), Pérpetua Almeida (PCdoB-AC) e Fátima Bezerra (PT-RN) vão desfalcar a bancada, pois disputaram outros cargos na eleição de 2014.

Em contrapartida, foram eleitas as deputadas evangélicas Clarissa Garotinho (PR-RJ), Christiane Yared (PTN-PR), Eliziane Gama (PPS-MA), Tia Eron (PRB-BA) e Rosângela Gomes (PRB-RJ). As cinco, que tiveram mais de 100 mil votos, chegam à Câmara com força política para contrabalançar a pauta feminina depois de votações expressivas. Clarissa e Christiane, por exemplo, tiveram 335 mil e 200 mil votos, respectivamente. A bancada de mulheres evangélicas, no entanto, permanece praticamente inalterada em relação a 2010. Foram eleitas 10 neste ano, contra nove na eleição passada.

No total, a bancada feminina elegeu neste ano 51 deputadas, um recorde na história do país. Trata-se de um crescimento de 10% em relação às 45 eleitas em 2010. Apesar do avanço, as mulheres, que são a maioria da população (51,04%), representam apenas 9,94% do parlamento. Este resultado coloca o Brasil em 125º lugar em um ranking da União Parlamentar (UP) que mede a participação feminina na política. Ruanda (63,8%) aparece em primeiro lugar, seguida de Andorra (50%) e Cuba (48,9%).

Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), reconhece a possibilidade de uma bancada feminina mais conservadora. Ressalta, contudo, que algumas deputadas evangélicas eleitas em 2014 são conhecidas também por posturas progressistas, como Benedita da Silva (PT-RJ) e Rejane Dias (PT-PI). “Mesmo algumas mulheres que são oriundas de famílias conservadoras costumam ter uma posição mais de esquerda, o que ajudou até agora na unidade da bancada”, afirma.

Queiroz acredita que a escolha dos temas prioritários vai determinar o futuro do grupo. “Se a pauta for contaminada por temas religiosos certamente vai quebrar a unidade vista até aqui”, observa.

Contra a legalização do aborto, Clarissa defende que as deputadas evitem a discussão de temas polêmicos e concentrem esforços em questões que sirvam para unir a bancada, como o aumento das mulheres nas estruturas partidárias e nos cargos de comando do Congresso. “Agora, não podemos reduzir nosso papel à pauta feminista. Fomos eleitas para debater todos os assuntos de interesse do Brasil”, pondera.

Fernando Taquari

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