Entrevista com Jurema Werneck: O direito à informação e os direitos das mulheres negras

30 de dezembro, 2016

Coordenadora da ONG Criola, Jurema Werneck irá assumir a diretoria-executiva da Anistia Internacional a partir de fevereiro de 2017.

(Artigo 19, 23/12/2016 – acesse no site de origem)

O direito à informação também pode ser visto como um direito instrumental para a efetivação de outros direitos e ganha ainda mais relevância nos casos de grupos vulneráveis.

A constatação é corroborada por Jurema Werneck, médica, mestre em Engenharia de Produção, doutora em Comunicação e Cultura, e reconhecida ativista de direitos humanos. Nascida no morro dos Cabritos, no Rio de Janeiro, Jurema é coordenadora da Criola, organização que atua na defesa e promoção dos direitos das mulheres negras, e irá assumir a diretoria-executiva da Anistia Internacional a partir de fevereiro de 2017.
Em entrevista para a ARTIGO 19, a ativista falou sobre como o direito à informação pode contribuir para o combate ao racismo, a promoção de uma vida saudável e o acesso a serviços públicos por mulheres negras no Brasil.

Leia abaixo a entrevista.

ARTIGO 19: Ao longo dos projetos desenvolvidos pela Criola, vocês perceberam que as mulheres negras sofrem violações ao direito à informação? Quais são as violações mais comuns e em que situações elas se apresentam?
Jurema Werneck: As mulheres negras brasileiras vivem sob o racismo patriarcal heteronormativo. Isto significa dizer que sofrem todo tipo de violação de direitos, até mesmo do direito à informação. Neste caso, elas sofrem por serem vítimas diretas de informações enviesadas e manipuladas, por serem alvo de representação discriminatória sistemática nos meios de comunicação e ainda por não terem acesso a meios neutros que atendam a suas necessidades e interesses, entre outras violações.

ARTIGO 19: Como a falta de acesso à informação se torna um problema para a garantia do direito à saúde das mulheres negras?
JW: O acesso à informação é a primeira ação de promoção de saúde. A violação desse direito vai impedir ou dificultar o exercício do direito de mulheres negras à vida saudável e ampliar a vulnerabilidade a diferentes agravos a sua saúde. A falta de informações sobre melhores maneiras de se prevenir de doenças, sobre onde buscar ajuda, e sobre quais são seus direitos, certamente tem forte impacto nas taxas de adoecimento e morte de mulheres negras, que são mais altas em comparação com outros grupos sociais.

ARTIGO 19: Como é o trabalho da Criola na promoção do direito à informação na área da saúde?
JW: As atividades da Criola nessa área incluem a produção de estudos e a realização de treinamentos com o objetivo de formar tanto profissionais e gestores da saúde e de outras áreas, como também mulheres negras. A ideia é tornar o acesso à informação qualificada uma ferramenta de enfrentamento ao racismo e à violação de direitos das mulheres negras.

ARTIGO 19: Vivemos uma situação de carência de informações oficiais sobre temas relacionados à saúde da mulher. Quais são as informações sobre a saúde da mulher que deveriam estar sendo produzidas pelo poder público e não estão? Por que obter essas informações é importante?
JW: Todo tipo de informação é necessária. Mas precisa ser informação desagregada, que permita visibilizar as diferentes situações e vulnerabilidades dos diferentes grupos populacionais. É raro ver informação oficial qualificada que explicite, por exemplo, a situação das mulheres negras, e menos ainda em sua diversidade: geracional, por orientação sexual, identidade de gênero, escolaridade, local de moradia etc, e isso faz muita diferença.
A epidemia do vírus da zika é um ótimo exemplo: os gestores do SUS escondem que a maior vulnerabilidade à epidemia está na população negra e que são as mulheres negras grávidas que enfrentarão as piores consequências. Ao esconderem esse dado, escondem também os impactos do racismo na vida dessas mulheres e na gestão de políticas públicas, já que os gestores possuem esse dado e escolhem não fazer nada a partir dele, por considerar que as mulheres negras e as populações negras “não merecem”. Assim, acabam influenciando diretamente na resposta à epidemia, já que a principal estratégia de combate ao vírus da zika, que consiste na retirada da água dos vasos de plantas para matar o mosquito transmissor e suas larvas, não tem qualquer efeito para proteger a saúde das mulheres negras que vivem em comunidades sem saneamento, sem coleta regular de lixo, sem água encanada, sem funcionamento adequado do sistema de saúde. O único efeito dessa estratégia para as mulheres negras é uma sobrecarga ainda maior de trabalho em suas vidas, e sua culpabilização por essas medidas não darem certo.
Caso fosse disponibilizada de maneira adequada, a informação de que as maiores vítimas do vírus da zika são as mulheres negras obrigaria uma mudança radical no combate à epidemia, algo que os gestores de saúde e de outras políticas públicas – em sua maioria, homens e mulheres brancos – não estão dispostos a fazer voluntariamente. E seria ainda uma mudança na vida das mulheres negras e de toda a população, que passariam a adotar também estratégias de enfrentamento à supremacia branca e ao racismo institucional.

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