MPF recorre da decisão que rejeitou denúncia de estupro na Casa da Morte durante ditadura no RJ

18 de abril, 2017

Ex-sargento do exército Antonio Waneir Pinheiro Lima, o “Camarão”, foi acusado pelos crimes de estupro e sequestro; local fica em Petrópolis.

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) contra a decisão de primeira instância que rejeitou denúncia contra o caseiro do local que ficou conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, durante a ditadura militar. O ex-sargento do exército Antonio Waneir Pinheiro Lima, o “Camarão”, foi acusado, no fim do ano passado, pelos crimes de estupro e sequestro da militante política Inês Etienne Romeu em 1971. O MPF/RJ divulgou nesta terça-feira (18) que “é inaceitável a argumentação utilizada na decisão (pelo magistrado)”.

(G1/Região Serrana, 18/04/2017 – acesse no site de origem)

Em sua decisão, a Justiça Federal afirmou que os fatos denunciados estavam protegidos pela anistia e prescrição, argumento já afastado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de acusar o MPF de criar um “tribunal de exceção” por ter constituído grupo voltado à investigação dos crimes cometidos durante a ditadura militar.

Para o MPF, “qualificar a atuação institucional legítima, pelos canais legais do Estado Democrático de Direito, como um ‘tribunal de exceção’, além de ataque ofensivo, injustificado e indevido ao Ministério Público Federal e aos signatários da denúncia, sugere o afloramento de sentimentos apaixonados que devem ficar distantes dos órgãos jurisdicionais, que têm o dever de atuar com imparcialidade e distanciamento dos interesses em causa”, pontuam os procuradores.

O G1 questionou se o Exército Brasileiro tinha conhecimento sobre as acusações contra o ex-sargento. Por e-mail, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que não se pronunciará a respeito do assunto. O G1 também tenta contato com a defesa de Antonio Waneir Pinheiro Lima.

No recurso, o MPF argumenta sobre a não ocorrência de anistia e prescrição no caso.

“Os crimes de estupro e sequestro de Etienne Romeu foram comprovadamente cometidos no contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira e, nos termos do direito penal internacional costumeiro cogente, já constituíam, na data da execução das condutas, crimes de lesa-humanidade, motivo pelo qual não estavam elas protegidas pelas regras domésticas de anistia e prescrição. Já nos termos da sentença da Corte Interamericana de DH do caso Gomes Lund v. Brasil e de reiterada jurisprudência da mesma Corte em casos similares do mesmo período, as torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados cometidos por agentes de Estado no âmbito da repressão política constituem graves violações a direitos humanos, para fins de incidência dos pontos resolutivos 3 e 9 da decisão, os quais excluem a validade de interpretações jurídicas que assegurem a impunidade de tais violações”

Até o momento, o MPF já apresentou 27 ações penais em razão de crimes contra os direitos humanos praticados no período da ditadura, resultados de trabalho de investigação sério, técnico e responsável desenvolvido por procuradores da República nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Petrópolis, Marabá e Rio Verde.

O MPF também critica a alegação do magistrado de que os direitos humanos não podem ser “meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas”. Para os procuradores, o magistrado desconsiderou as provas apresentadas pela acusação e desqualificou o valor probatório da palavra da própria vítima nos crimes sexuais, ao afirmar que o fato só foi relatado após oito anos do ocorrido e que a vítima do estupro havia sido condenada criminalmente, como se a condenação pudesse justificar a conduta criminosa.

Estupro e tortura na Casa da Morte

Militares sequestraram Inês Etienne Romeu na cidade de São Paulo, mantendo a vítima em cativeiro, e a levaram no dia 8 de maio de 1971 para a “Casa da Morte”, um centro de prisão e tortura clandestino situado na Rua Arthur Barbosa, n.668, em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro. Na época, ela era dirigente das organizações Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, VAR-Palmares e Polop.

Entre 7 de julho e 11 de agosto de 1971, Camarão manteve a vítima contra sua vontade dentro do centro ilegal de detenção, ameaçando-a, afirmando que a mataria, e utilizando recursos que tornaram impossível a defesa da vítima.
O MPF conseguiu chegar ao caseiro da “Casa da Morte” graças a documentos coletados em busca e apreensão na casa do falecido tenente coronel Paulo Malhães. É que a agenda do militar morto trazia a anotação “Camarão”, acompanhada de um telefone fixo. A partir daí se seguiram diversas diligências investigativas que culminaram com a identificação, localização (“Camarão” estava escondido do MPF no interior do Ceará) e a tomada do depoimento do acusado.

Além das torturas reconhecidamente aplicadas como padrão aos presos políticos no regime militar (choques elétricos, pau de arara, cadeira do dragão, espancamento), Inês ainda sofreu com a maldade de seus carcereiros, que a maltratavam apenas para seu divertimento. No inverno de Petrópolis, onde a temperatura podia chegar a menos de 10°C, era obrigada pelos carcereiros a deitar nua no cimento molhado.

A condição psicológica da vítima levou-a a tentar tirar a própria vida por quatro vezes. Após o período na “Casa da Morte”, Inês Etienne Romeu foi ainda presa em outros lugares. Seu encarceramento somente terminou em agosto de 1979.

O MPF ouviu a vítima em 2013, ocasião em que Inês Etienne Romeu reconheceu, pela primeira vez, a foto do acusado Antonio Waneir Pinheiro Lima como sendo o “Camarão” da Casa da Morte.

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