Brasil registra um estupro a cada 11 minutos

17 de setembro, 2017

Quase 70% das vítimas têm até 19 anos e, na maioria dos casos, são vulneráveis. Apesar de elevados, os dados de 2016 são subestimados

(Correio Braziliense,  17/09/2017 – acesse no site de origem)

Mais um caso de estupro de vulnerável chamou atenção na última semana. Uma menina de 11 anos, violentada pelo próprio padrasto, engravidou e deu à luz o bebê no último sábado, em João Pessoa. A gestação só foi descoberta no quinto mês, quando a menina começou a passar mal e foi levada pela avó ao posto de saúde. A história da garota se repete em todo o país. De acordo com dados mais recentes, de 2014, um estupro acontece a cada 11 minutos no Brasil — 69,9% das vítimas têm até 19 anos.

A psicóloga Alessandra Araújo afirma que a violência contra o vulnerável causa, muitas vezes, sofrimento em toda a família. “Há uma culpabilização mútua que só atrapalha a solucionar os problemas que foram causados por esse abuso”, afirma. Segundo a especialista, a criança sofre também por ter a inocência violada por uma pessoa que ela tem respeito, carinho e amor. “Na maioria dos casos, a criança permite que um pai, um tio, um irmão a abuse sexualmente porque esse abusador mostra isso como uma demonstração de carinho”, comenta.

No caso na Paraíba, o abuso que gerou a gravidez da criança aconteceu quando a menina ainda tinha 10 anos. Entretanto, em depoimento, ela contou que os episódios eram recorrentes, mas não soube informar quando começaram. Tampouco tinha consciência de que estava sendo violentada. “Quando isso acontece em ambiente familiar, a criança geralmente não sabe diferenciar o que é um carinho inofensivo de um toque maldoso”, contou Adhaílton Lacet Porto, juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude de João Pessoa.

O padrasto está foragido desde que a gravidez foi revelada. A mãe da menina, que também deu à luz recentemente outro bebê do mesmo homem, não a levou para fazer consultas ou pré-natal. O processo, iniciado a partir de uma denúncia feita ao Conselho Tutelar da Região Sudeste de João Pessoa, no bairro Geisel, segue em segredo de Justiça para preservar a vítima. A menina está em uma casa de acolhimento.

Dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2016, registram 45.460 casos de estupro em 2015, uma redução de 10% em relação a 2014, quando foram registradas 50.438 ocorrências. Apesar da queda, a publicação ressalta que os números são elevados e subnotificados. “Assim como a culpabilização das vítimas de estupro, respostas negativas das autoridades e as descrenças aos relatos de abuso afetam a decisão das vítimas em denunciar.” Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que o número seja, aproximadamente, 10 vezes maior, em torno de 527 mil tentativas ou casos de estupro, dos quais apenas 10% seriam reportados à polícia.

De acordo com dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, a gravidez na adolescência teve uma queda de 17% entre 2004 e 2015, entretanto, os números ainda são alarmantes. O total de nascidos vivos de mães entre 10 e 19 anos foi de 546.529 em 2015. Isso representa 18%, ou um a cada cinco, dos 3 milhões de nascidos vivos no país naquele ano. Dessas gestações, 66% das mães disseram ser indesejadas.

Segundo a promotora de Justiça do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar (GEVID) do Ministério Público de São Paulo, Fabiana Dal’mas, são gestações indesejadas, na maioria dos casos, porque foram fruto de violência sexual. A Lei 2.845/13, assegura o aborto legal à mulheres, independentemente da idade, vítimas de abuso sexual e determina que os hospitais devem oferecer às vítimas atendimento emergencial, integral e multidisciplinar para o controle e o tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.

Tabu

Porém, mesmo assegurado por lei, o assunto é tabu e muitos profissionais de saúde não informam à vítima de violência sexual que existe a possibilidade legal. A promotora diz que as meninas que necessitam do serviço precisam “fazer uma peregrinação para conseguir um direito que é delas”. Fabiana conta que o número de casos é muito elevado e existem poucos lugares que fazem o serviço de abortamento legal. Há quatro anos, existiam cerca de 65 serviços que atendiam às gestantes que necessitavam realizar o procedimento de aborto legal, atualmente, o número caiu para menos de 30.

A privação dos direitos contribui para o aumento do índice de mortalidade materna, número que o Brasil não consegue superar — 60 óbitos a cada 100 mil nascidos, segundo o Ministério da Saúde. “A gravidez em uma criança muito nova é de alto risco. O corpo não está preparado. O não acesso à saúde faz com que essas meninas sofram, com grandes chances de morrer no parto”, lamenta Fabiana Dal’mas.

Aline Brito, estagiária sob a supervisão de Natália Lambert

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