Juiz reconhece que Lei Maria da Penha pode ser usada em relação entre mulheres

02 de outubro, 2017

De acordo com Vitor Umbelino Soares Junior, da Comarca de Rio Verde (GO), ‘a violência contra a mulher baseada no gênero refere-se à uma espécie de sujeição psicossocial e cultural, relação de subordinação ou qualquer forma de dominação do agressor ou agressora frente à vítima, atraindo a incidência da legislação protetiva’

(O Estado de S. Paulo, 02/10/2017 – acesse no site de origem)

Um juiz de Goiás reconheceu que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada em relações homoafetivas entre mulheres. Titular do Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher da comarca de Rio Verde, Vitor Umbelino Soares Junior tomou a decisão na sexta-feira, 29, com base em outros julgamentos que já aconteceram no Brasil.

A vitima, que não teve o nome divulgado, havia relatado que conviveu em união estável com a indiciada por três anos, estando separadas há aproximadamente cinco meses. Após o término do relacionamento, ela passou a ser ameaçada constantemente e foi agredida com tapas e socos.

No depoimento, a vítima também disse que ‘no dia 5 de março de 2017, por volta das 20h30min, a ofendida tentou conversar com a indiciada para resolverem tal situação, porém, sem êxito”.

“Em seguida, a requerida agrediu novamente a vítima com um puxão de cabelo, afirmando que ela não ficaria com mais ninguém, e que faria da sua vida um inferno. Por fim, disse também que prejudicaria a ofendida em seu trabalho, descansando apenas quando conseguisse que ela fosse mandada embora.”

O juiz reconheceu a prática de crime entre companheiras do sexo feminino, no âmbito das relações domésticas, com a presença de indícios de submissão de uma em relação à outra. Umbelino discordou do posicionamento do Ministério Público, que havia se manifestado contrário ao processamento dos autos junto ao Juizado de Violência Doméstica.

“Após análise da narração fática, bem como dos elementos preliminarmente colhidos pela autoridade policial, ao contrário do que entendeu o ilustre representante do Ministério Público, observa-se que os fatos descritos no caderno processual caracterizam, ao menos em tese, infrações penais decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher”, afirmou o juiz na decisão.

De acordo com o magistrado, a violência contra a mulher baseada no gênero refere-se à uma espécie de sujeição psicossocial e cultural, relação de subordinação ou qualquer forma de dominação do agressor ou agressora frente à vítima, atraindo a incidência da legislação protetiva, cujo objetivo central é a proteção da mulher no âmbito de sua comunidade, entendida esta como o grupo de pessoas com as quais ela convive.

“Os referidos dispositivos legais que veiculam preceitos preliminares e gerais da lei em evidência afastam qualquer dúvida sobre quem se buscou tutelar: a mulher, ou melhor, toda mulher, independentemente de sua orientação sexual. Logo, se a Lei 11.340/2006 foi editada com o escopo de coibir a violência doméstica e familiar contra toda mulher, sem exceções, é claro que se aplica às relações homoafetivas entre duas mulheres”, argumentou o juiz.

Na decisão, Umbelino citou um trecho do artigo ‘A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher’, da jurista, advogada e desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias.

“A Lei Maria da Penha, de modo expresso, enlaça no conceito de família as uniões homoafetivas. Diz o seu artigo 2.º: Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (…) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. O parágrafo único do artigo 5.º reitera que independem de orientação sexual todas as situações que configuram violência doméstica e familiar.”
O juiz também citou a jurisprudência dos Tribunais de Justiça de Goiás, de Minas e do Rio Grande do Sul, que já tomaram decisões favoráveis à Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica envolvendo duas mulheres.

Vitor Umbelino Soares Junior entendeu que a melhor forma de dar cumprimento à decisão era lançar mão da aplicação analógica do artigo 28 do Código de Processo Penal, com consequente remessa dos autos ao procurador-geral de Justiça de Goiás ‘para adoção das providências que entender cabíveis, como por exemplo a designação de outro promotor de Justiça para atuação no feito’.

Luiz Fernando Teixeira

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas