Políticas públicas não são suficientes para garantir a proteção das mulheres, por Paula Drumond e Tamya Rebelo

23 de maio, 2018

O Brasil parece não conferir os devidos investimentos a políticas de ampliação da participação de mulheres nos espaços públicos.

(HuffPost Brasil, 23/05/2018 – acesse no site de origem)

Com a proximidade das eleições de outubro, as discussões sobre o avanço das políticas de igualdade de gênero e proteção dos direitos das mulheres precisam urgentemente voltar ao foco do debate público. A extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, as ofensivas da chamada “bancada da bíblia” para a descriminalização do aborto e o orçamento decrescente destinado a políticas de combate à violência contra a mulher chamam a atenção para as dificuldades em se falar sobre determinados assuntos na agenda do atual governo. Em meio a crescentes tensões, a disponibilidade e importância de investimentos para a manutenção e avanço de políticas de gênero estão sendo severamente ameaçadas.

Recentemente, o governo brasileiro se destacou por ser um dos únicos países da América Latina a adotar um Plano Nacional de Ação (PNA) sobre “Mulheres, Paz e Segurança”. Considerado um avanço, o PNA brasileiro, publicado em 08 de março de 2017, destacou-se como parte integral dos esforços institucionais e legislativos do governo para promover ações de empoderamento e combate a todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres em atividades relacionadas à paz e à segurança.

Hoje, o envolvimento de mulheres no Congresso encontra-se em níveis muito abaixo aos esperados, com menos de 11% dos deputados federais mulheres.

O aumento da participação de mulheres, incluindo defesa e política externa, é um dos pilares do plano e consiste em uma discussão fundamental para o avanço da igualdade de gênero: hoje, as mulheres representam apenas 8% do total do efetivo militar brasileiro. Na diplomacia, apesar do recorde de candidatas inscritas no concurso de admissão à carreira em 2017, 43,3% (13 entre 30), a média de diplomatas ficou em torno de 20% entre 1953 e 2015. A preocupação com a baixa representatividade feminina nestas instituições se torna ainda mais alarmante mediante às restrições orçamentárias estabelecidas pelo teto de gastos públicos até 2037.

Ainda no âmbito doméstico, o Brasil parece não conferir os devidos investimentos a políticas de ampliação da participação de mulheres nos espaços públicos, observação reforçada pelo cenário que se apresenta atualmente no poder legislativo, um dos tópicos importantes que ficou de fora do PNA brasileiro. Hoje, o envolvimento de mulheres no Congresso encontra-se em níveis muito abaixo aos esperados, com menos de 11% dos deputados federais mulheres, o pior índice entre os países sul-americanos, segundo recente pesquisa do IBGE. Esses resultados apresentam o Brasil na 152ª posição de 190 países analisados em termos de representatividade no legislativo. Ao ocupar este lugar, o Brasil fica atrás de outros países do Sul Global como Senegal, Ruanda e Cuba.

O governo brasileiro poderia repensar suas estratégias e alocar recursos específicos para a necessária implementação deste documento.

Passados mais de 13 meses da publicação do Plano Nacional sobre “Mulheres, Paz e Segurança”, cabe indagar sobre o que o Governo Federal têm feito para viabilizar a operacionalização das metas contidas do documento e como a redução de capital humano e financeiro afetará a manutenção de um interesse prioritário nesta agenda. E, justamente por conta dessas incertezas, é que as entidades envolvidas com o PNA do Brasil, governamentais e da sociedade civil, precisam continuar a coordenar esforços no sentido de não enfraquecer o compromisso gerado com a adoção do PNA brasileiro. Nesse sentido, o governo brasileiro poderia repensar suas estratégias e alocar recursos específicos para a necessária implementação deste documento.

O PNA precisa de mecanismos de monitoramento e avaliação, que possibilitem identificar, acompanhar e mensurar o avanço dos objetivos estabelecidos. Além disso, é urgente que os atores-chave (como o Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Defesa, Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos) se comprometam com a realização e publicação de relatórios de implementação periódicos, permitindo que a sociedade civil acompanhe e contribua com as atividades empregadas. Uma importante medida seria a instituição de um comitê de supervisão e avaliação misto permanente, composto por representantes das instituições governamentais responsáveis e membros sociedade civil. O Brasil deveria, ainda, incorporar como metas do PNA temas fundamentais para a segurança de mulheres e meninas no Brasil, em especial as políticas relacionadas ao tráfico ilícito de armas leves, desarmamento e tráfico internacional de pessoas e exploração sexual. Estas e outras recomendações foram apontadas no relatório Implementando a agenda sobre “Mulheres, Paz e Segurança” no Brasil, lançado em março de 2018.

A sua operacionalização efetiva depende, fundamentalmente, de decisões e estratégias institucionais para além da vontade política.

Em março do ano que vem, o Brasil terá a oportunidade de revisar o PNA e corrigir essas e outras lacunas que impedem a implementação do documento. O Plano Nacional de Ação brasileiro é o um passo inicial necessário, mas não suficiente, para a implementação adequada dos compromissos demandados pelas Nações Unidas. A sua operacionalização efetiva depende, fundamentalmente, de decisões e estratégias institucionais para além da vontade política, que orientem as ações voltadas à igualdade de gênero e ao empoderamento político, social e econômico de mulheres e meninas em áreas afetas à paz e segurança. Nesse sentido, o financiamento e a alocação de recursos específicos para a implementação do PNA consistem em uma força propulsora fundamental para a efetiva transversalização de políticas de gênero.

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