04/03/2012 – Já em vigor, Lei da TV Paga muda as regras da produção nacional

04 de março, 2012

(Tatiana Contreiras, de O Globo) Canais já estão investindo em atrações brasileiras para suas grades de programação  

Depois de cinco anos de discussões no Congresso Nacional, a Lei 12.485 — ou a nova Lei da TV Paga, como ficou conhecida — já está em vigor. E é ela que mudará o perfil do que o telespectador vem assistindo na programação. Depois de passar por consulta pública e ainda sem regulamentação pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), a lei muda as regras do jogo para os canais de televisão por assinatura. A partir do segundo semestre, eles terão que exibir uma hora e dez minutos de programação nacional por semana em seu horário nobre, num processo gradativo que, até 2014, chegará a três horas e 30 minutos — com pelo menos metade desse tempo composto por atrações de produtoras independentes.Outras determinações fazem parte da nova ordem, que será fiscalizada pela Ancine. Uma delas define que os pacotes de TV por assinatura devem incluir um canal brasileiro para cada três que apresentem predominantemente séries, documentários, filmes e animações (considerados como de espaço qualificado). No entanto, canais de TV aberta, esportivos e jornalísticos não mudam: sua grade continua a mesma, sem a obrigação de exibir obras nacionais, mas o limite máximo de publicidade será de 25%, como nas demais emissoras.

Afinal, o que muda? Os canais estão se preparando para atender à nova demanda e as produtoras já estão se mexendo.

— Para atender às previsões, a maioria dos canais terá que ajustar as grades de programação do horário nobre. Quanto às cotas, esperamos que a regulamentação as mantenha dentro dos limites definidos na Lei — explica Fernando Ramos, responsável pela distribuição dos Canais Globosat.

Segundo Fernando, aguardar para ver como a lei vai atuar na rotina televisiva do público é necessário:

— É preciso esperar para ver quais serão os impactos nos hábitos dos assinantes. A outra cota, imposta às operadoras, permitirá que os programadores optem por adaptarem os seus canais, ou não, para as cotas dos “canais brasileiros de espaço qualificado”. Caberá a cada programador analisar os prós e contras desta adaptação de suas grades, em alguns casos certamente profundas.

Canais como GNT e Multishow, diz Fernando, já cumprem ou estão muito próximos de cumprir os requisitos da lei. Portanto, suas grades não devem ser tão mexidas. No caso do Viva, ajustes serão feitos. Já o Canal Brasil, por ter mais de 12 horas diárias de conteúdo nacional, é considerado qualificado para cumprir a cota específica de canais brasileiros.

— A Globosat tem acordo com mais de 100 produtoras brasileiras independentes, que produzem em média mais de 10 mil horas ao ano de conteúdo audiovisual para seus canais. E utilizará a relação com as produtoras para cumprir as $ências. Mas isso será de forma planejada e de acordo com a gradualidade estabelecida na lei, já que tais alterações envolvem aspectos econômicos e estratégicos dos canais — diz Fernando.

Presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV (ABPITV), Marco Altberg tranquiliza o telespectador mais aflito e diz que nada vai mudar da noite para o dia.

— É como se estivéssemos iniciando um novo momento no negócio de TV por assinatura. Estamos diante de uma chance de se fazer uma programação de conteúdo brasileiro voltada também para um novo consumidor, a chamada classe C — explica Marco, dizendo ainda que a associação está “examinando com lupa” a proposta de regulamentação da Ancine: — Somos da corrente que quer que dê certo e que entende que vai haver uma margem de experimentação e acomodação de mercado. Todos cederam e todos saem ganhando com a lei. A cota de conteúdo brasileiro é mínima e só a metade cabe às produtoras independentes.

Durante o Rio Content Market, evento que discutiu a produção audiovisual no Brasil na última semana, executivos de canais deram seu ponto de vista. Vice-presidente do grupo Turner (que engloba, entre outros, TNT, TBS, Space, Cartoon Network e Boomerang), Anthony Doyle se preocupa com o custo de produção e com as restrições ao conteúdo considerado qualificado para atender às exigências.

— A TV por assinatura é diferente da aberta, do orçamento ao modelo de negócio. Com a lei, tudo indica que parte do financiamento deve vir do mercado. Mas nos preocupa a falta de conhecimento do mercado em relação aos canais. Não podemos nos dar ao luxo de fazer nada que não se encaixe nas cotas e ainda temos dúvidas sobre o que é conteúdo qualificado. Pensamos em coproduções com canais abertos. Não se pode achar que a TV por assinatura, sozinha, vá produzir, financiar e ainda amortizar esses custos.

No TNT, o investimento em séries nacionais está em andamento. Já no Space, no qual o foco é mais jovem, o reality “Amazing race” terá uma versão feita no Brasil, com competidores daqui. Além disso, o canal pretende investir em seriados locais de ação, suspense e terror. A produção verde e amarela também vem com tudo no Cartoon Network, mesmo antes das mudanças na lei, com “Tromba trem” e “Gui e Estopa”, além da “Turma da Mônica”.

No Boomerang, que já exibiu três temporadas do reality “Temporada de moda Capricho”, produzido aqui, a procura é por séries de ficção e atrações sobre comportamento e moda para meninas entre 12 e 17 anos. No Glitz*, a programação nacional com foco em lifestyle já faz parte da grade.

— Existe uma percepção de que todo reality é o “BBB” e que ganhamos milhões com eles. Não é verdade. O “Temporada de moda Capricho” focava nas tarefas e não na vida dos participantes. Para esse estilo de programa, temos espaço — explica Daniela Vieira, gerente de conteúdo do Cartoon Network, Boomerang e Tooncast Brasil.

Com o canal TBS, voltado para o riso, Anthony reconhece a importância da adaptação para o perfil do público brasileiro.

— Para um canal de comédias ser sucesso no Brasil, ele depende de conteúdo nacional. O país tem um estilo próprio de humor — diz o vice-presidente da Turner, a favor dos realities como programação aceitável nos termos da nova lei: — Existe a questão de se desqualificar os reality shows para as cotas. Se isso acontecer, um canal como o truTV deixa de existir e de ser opção para produtores.

De olho nos jovens, os canais Viacom — que incluem, no Brasil, o Vh1, o Comedy Central e a Nickelodeon — já se antecipam às mudanças.

— Já fizemos um programa de stand-up comedy, o “Comedy Central apresenta”. O momento é de aguardar a regulação. Há alguns pontos em aberto, mas estamos nos planejando em termos de aquisição e estratégia, escolhendo projetos e recebendo produtores — diz o diretor de produção Roberto Martha.

Tatiana Rodriguez, vice-presidente sênior de programação e criação da Nickelodeon América Latina, também tem boas notícias para os profissionais brasileiros:

— Queremos produzir uma novela no Brasil nos moldes das que já fazemos, voltadas para a faixa entre 8 e 14 anos — avisa ela.

Diretor do Universal Channel, criado para ser um espaço para séries americanas, Paulo Barata não procura cópias de atrações importadas.

— Não queremos um “House” ou um “Law & order: SVU” brasileiros. A primeira razão é grana. A comparação é injusta: um episódio de “House” custa de US$ 6 a US$ 8 milhões. Vamos mostrar atrações antagônicas às produções de Hollywood que exibimos — explica Paulo.

Assim, surgiram “What’s off”, uma espécie de reality show fake com um diretor de publicidade que sonha ser cineasta, e “Corta!”, animação passada num set de gravações, ambas sem data de estreia. O tema são os bastidores, que serão explorados pelo canal nas novas produções nacionais, em parceria com produtoras como a Zohar e a 2DLab, respectivamente.

Presidente da operadora SKY, Luiz Eduardo Baptista da Rocha, o Bap, vem se posicionando abertamente contra a lei, em forma de cartas aos assinantes, declarações e vídeos. A briga é com a Ancine:

— Não é a competição que nos assusta, mas o excesso de controle da Ancine. As cotas são uma questão matemática, e não filosófica. Ficará mais caro para o telespectador — afirma, disposto a brigar contra a lei até “esgotar possibilidades”: — Se o Supremo Tribunal Federal entender que ela está correta, aceitamos. Mas não vamos nos calar. Existem outras formas de estimular a produção nacional, atrvés de leis de fomento com caráter democrático.

Do lado das produtoras, João Daniel Tikhomiroff, presidente da Mixer, diz que “estão fazendo muito carnaval por pouca coisa”. Para ele, que está produzindo o novo programa de Rafinha Bastos para o canal pago FX, o conteúdo nacional na TV é bem recebido pelo público em geral.

— Por causa da lei, já houve um aumento na demanda dos canais por produções. Não vejo a mudança como um problema, essa visão é distorcida. As boas séries internacionais não vão deixar de existir. Já as ruins poderão dar lugar a boas produções nacionais. No fim, o mercado vai se adaptar. O público sempre gostou de programas brasileiros. O sucesso da TV Globo está aí como prova. A TV fechada também pode conversar com o grande público — acredita.

Em meio ao debate, o diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel, diz que a ideia é que o impacto sobre o telespectador não seja tão grande.

— O cumprimento da obrigatoriedade de veiculação de conteúdo nacional em horário nobre pelos canais de espaço qualificado será progressivo: uma hora e dez minutos por semana no primeiro ano, duas horas e 20 minutos no segundo, três horas e 30 minutos a partir do terceiro. É quase imperceptível, mas extremamente relevante — explica Manoel: — Cada canal poderá escolher que obras brasileiras veicular, de acordo com seu perfil, e em que horário exibi-las dentro do horário nobre, com um impacto mínimo na sua grade.

De qualquer forma, as mudanças, ele diz, devem ser sentidas somente a partir de agosto:

— Com a publicação das Instruções Normativas, que regulamentam dispositivos do texto, e após sua apreciação pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, as empresas programadoras e empacotadoras terão 90 dias para se adaptar às regras. Também estarão valendo todos os demais dispositivos da lei, incluindo os limites para a publicidade, que não existiam na TV por assinatura. 

Acesse em pdf: Já em vigor, Lei da TV Paga muda as regras da produção nacional  (O Globo – 04/03/2012)

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