Uma viagem de cinco horas pelo direito ao aborto

21 de dezembro, 2022 Gênero e Número Por Redação

Moralismo e desconhecimento ainda restringem o cumprimento da lei no Brasil

Julia (nome fictício), de 38 anos, viu seu maior medo de se tornar realidade. “Foi numa situação de intimidade não consensuada, de vulnerabilidade, entre a desobediência e a submissão por medo de receber maiores agressões”, assim ela descreveu o estupro.

Em 2022, Julia se tornava parte das estatísticas divulgadas pelo Fórum de Segurança Pública: a cada 10 minutos um estupro é registrado no Brasil.

Daniela Pedroso, psicóloga especialista em violência sexual e abortamento legal, que atua há 25 anos na área, explica esse sentimento: “Em casos de violações, pelo entendimento que a mulher sofreu uma violência sexual, ela não quer continuar essa gravidez. Nas palavras delas, metade daquele ser é dela, mas a outra metade é de um monstro.”

Na metade do primeiro trimestre de gravidez, Julia recorreu à psicóloga, que considerava de extrema confiança. Juntas, pesquisaram clínicas e remédios na internet. A primeira tentativa de interromper a gravidez foi com medicamentos comprados no mercado clandestino, mas não funcionou. Ciente dos preconceitos em sua cidade, ela resolveu fazer os exames de sangue em uma clínica privada e não na rede pública de saúde.

Após pesquisar, Julia chegou ao Programa Nuavidas (Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual), que funciona no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. O hospital, que atende pessoas de 27 municípios — a população estimada da região é de 1,3 milhão —, fica a cinco horas de ônibus de onde a Júlia mora. “Me acolheram sem julgamentos e pude conversar com as psicólogas e equipe profissional para encaminhar o procedimento,” explica.

O Programa Nuavidas funciona desde 2017 e surgiu por uma ordem do Ministério Público para garantir o direito ao aborto de uma paciente que teve o procedimento negado. Foi assim que a ginecologista Helena Paro e outras profissionais dividiram suas tarefas hospitalares para montar um espaço de atendimento a vítimas de violência sexual e de aborto previsto em lei.

Em menos de dez dias, Julia interrompeu a gravidez. Foi internada e realizou o procedimento com uso do misoprostol, medicamento legalmente registrado no Brasil para indução de parto e aborto e autorizado pela Organização Mundial da Saúde. “Me sentia mais segura e protegida, longe da minha cidade e do meu entorno mais próximo”, diz.

Quando voltou para casa, os julgamentos apareceram. Autoridades da Secretaria de Saúde da cidade entraram em contato solicitando que se ela apresentasse no posto de saúde mais próximo para completar um questionário. As perguntas, que Júlia descreve como humilhantes, eram referentes à sua vida sexual, à sua pessoa, e cobravam se sua família sabia sobre a situação. “Era como se eu não tivesse senso crítico, independência econômica e conhecimento dos meus direitos para realizar o procedimento”, diz Julia.

No Brasil e na maioria dos países da América Latina, a ingerência da Igreja e dos preceitos morais em relação aos direitos e aos corpos das mulheres continua influenciando fortemente decisões do Estado.

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