22/04/2012 – O mito da mulher colombiana, por Juliana Jimenez

22 de abril, 2012

(Juliana Jimenez/traduzido por Augusto Calil para O Estado de S. Paulo) Quando o presidente Obama chegou à Colômbia no último fim de semana para participar da Cúpula das Américas, ele foi recebido com uma notícia nada bem-vinda: 11 agentes do serviço secreto tinham sido suspensos e enviados para casa por terem contratado prostitutas na cidade de Cartagena. Depois que uma das mulheres se queixou à polícia de não ter recebido o pagamento combinado, a história se converteu no “maior escândalo da história do serviço secreto”. Cerca de 20 integrantes do Exército americano e do serviço secreto parecem estar envolvidos.

Creio que isso ocorreu como resultado da imagem excessivamente sensual que temos das mulheres latino-americanas e o episódio só reforça esse estereótipo. A reputação que a Colômbia tem graças às “suas mulheres” é conhecida – e de um machismo caricatural.

O guia de viagens Lonely Planet, por exemplo, diz da cidade colombiana de Cali: “Por mais que a cidade em si não seja de tirar o fôlego, Cali é famosa por produzir as mulheres mais belas da Colômbia”. (Produzir. Como cana-de-açúcar e mangas.) Atrizes como Sofia Vergara encarnam o estereótipo e, para ser sincera, a caricatura não se afasta muito da realidade. Sendo colombiana, conheço direta ou indiretamente muitas mulheres assim e, sem dúvida, vejo tal imagem ser projetada com regularidade na imprensa colombiana.

Mas o que muitos não reparam é que esse “calor” vem de uma origem triste, de uma sociedade católica profundamente patriarcal que não consegue enxergar a mulher fora da dicotomia virgem/rameira.

Quando volto para a Colômbia, é difícil evitar a sensação de inadequação por insistir em ignorar meu dever feminino de manter as unhas feitas e as pernas depiladas. Há um ditado na Colômbia segundo o qual não existem mulheres feias, apenas mulheres pobres.

A mídia americana também ajuda a perpetuar o estereótipo. Poucos dos grandes veículos jornalísticos cobriram a cúpula, mas quem se importa com um acordo de livre comércio quando há prostitutas de cair o queixo para serem admiradas?

Missão fracassada. O chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, general Martin Dempsey, resumiu bem: “Desviamos a atenção que deveria ser dedicada a um importante gesto de envolvimento regional do nosso presidente. Assim, desapontamos o chefe. Agora, ninguém comenta mais nada do que houve na Colômbia além desse incidente”.

Qual é a reação dos colombianos a tudo isso? Comentários publicados no El Tiempo e no El Espectador, principais jornais da Colômbia, concentraram-se no agente que teria se recusado a pagar uma das mulheres, mas não como manifestação de apoio à profissão dessa última.

A reação pareceu seguir mais a linha do “homens fazem coisas do tipo” e “a prostituição é a profissão mais antiga do mundo, deixemos de lado a ingenuidade” (uma das baixezas favoritas dos colombianos, eternizada pelo nosso ganhador do Prêmio Nobel, Gabriel García Márquez). E parece que alguns comentaristas americanos concordam com isso.

Distração ou não, um maravilhoso momento de intercâmbio transnacional ocorreu nesse escândalo: os dois lados do Caribe fizeram sua parte na redução das mulheres à sua sexualidade, perpetuando o estereótipo da mulher colombiana hiper sensual.

Talvez os observadores não tenham chegado a um acordo quanto à situação de Cuba ou à guerra às drogas, mas muitos puderam concordar que a santidade e a preservação da ancestral transação que envolve o corpo e a dignidade das mulheres merece a máxima atenção. Parece que temos alguns valores em comum, afinal.

Juliana Jimenez é jornalista colombiana, fundadora do Blog Femination.

Leia artigo em PDF: O mito da mulher colombiana, por Juliana Jimenez (O Estado de S. Paulo – 22/04/2012)

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