12/05/2012 – Mutirão faz cirurgias para vítimas de escalpelamento no AP

12 de maio, 2012

(Emeson Renon, direto de Macapá para o Portal Terra) Procedimento consiste em colocar uma prótese na cabeça da vítima que, ao ser preenchida com soro fisiológico, vai esticando o couro cabeludo  

“Não vejo a hora de poder me olhar no espelho e me deparar com um novo rosto, um novo olhar, uma nova vida.” É com estas palavras que Franciane da Silva Campos aguarda ansiosa para ser submetida a uma cirurgia de reparação após perder parte do couro cabeludo e sobrancelhas em um acidente de escalpelamento ocorrido há quase 30 anos. Ela seria uma das atendidas por dez equipes médicas voluntárias que chegaram na sexta-feira a Macapá para fazer cirurgias reconstrutoras em vítimas de casos semelhantes.

A iniciativa tem o apoio do da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), e levou à capital amapaense 41 voluntários-cirurgiões, residentes e anestesistas dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Amapá, além do Distrito Federal. As primeiras intervenções começaram ontem, quando foram feitos 35 procedimentos. A expectativa é atender, ao todo, 62 pessoas. Cento e vinte foram cadastradas, mas só podem ser operados os pacientes com escalpelamento parcial, isto é, que ainda tenham pelo menos parte da pele na região afetada.

O escalpelamento é mais comum nas regiões ribeirinhas amazônicas. As principais vítimas são mulheres – de cabelos longos – e crianças, que têm o couro cabeludo arrancado bruscamente pelos motores dos barcos. Isso acontece pela forte rotação das máquinas. O cabelo enrola no eixo do motor, que arranca todo ou parte do escalpo, orelhas, sobrancelhas, uma grande parcela da pele do rosto e do pescoço. Este tipo de acidente ocorre em embarcações precárias onde não existe nenhum dispositivo de proteção do eixo dos motores e das hélices – prática obrigatória por lei, mas que perdura pela falta de fiscalização.

Preconceito
Franciane tinha apenas cinco anos de idade quando sofreu o acidente, no dia 5 de julho de 1984. “É tudo muito rápido. Senti um choque e quando me deparei já estava sem o meu cabelo”, descreveu.

Para ela, pior do que a dor de perder o couro cabeludo é ter de enfrentar o preconceito da sociedade. “Não existe dor maior do que esta, de ver as pessoas te olharem de forma diferente e às vezes até com medo de você”, lamentou. Para enfrentar o preconceito, Franciane se juntou a outras mulheres e hoje ocupa a função de vice-presidente da Associação de Mulheres Ribeirinhas e Vítimas de Escalpelamento da Amazônia (AMRVEA), entidade localizada em Macapá. A associação possui 117 integrantes, sendo 110 mulheres. Segundo a entidade, nos últimos dois anos nenhum acidente foi registrado no Estado.

“O dia 12 de maio será o começo de uma nova vida, e a primeira coisa que quero fazer depois de passar por esse processo cirúrgico é arrumar um emprego”, disse ela. “É um sonho que tenho. Quero conquistar o meu o emprego, ter a minha casa, espero abrir as portas do mundo e dar asas aos meus sonhos, enterrados desde o acidente.”

Cirurgias
De acordo com o Ministério da Saúde, em todo o ano passado, 618 pessoas fizeram a cirurgia de reparação pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A grande maioria delas, ainda segundo os dados, era da região Norte.

O cirurgião plástico Rodrigo D’Eça Neves, que dirige o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade de Santa Catarina (UFSC), explicou que especificamente em Macapá as queixas que mais ouviu não foram relacionadas à perda do cabelo. Segundo ele, que se dedica há 40 anos à cirurgia estética e recuperadora no Brasil e no exterior, onde já participou de outros mutirões, as vítimas se lamentam mais por causa da pele do rosto.

“Fiquei surpreso com os depoimentos destas pessoas. Elas não reclamam da perda do cabelo, até porque é só colocar uma peruca e o problema está resolvido; é com as sobrancelhas e a pele dos olhos, que acabam sendo arrancadas junto com o couro cabeludo”, contou. Por causa da violência de alguns acidentes com motores, disse Neves, em alguns casos será necessário implantar orelhas de silicone.

De acordo com ele, o procedimento é colocar uma prótese na cabeça, semelhante a uma bola vazia, que, ao ser preenchida com soro fisiológico, vai esticando o couro cabeludo. A equipe que participa do mutirão voltará ao Amapá em 60 dias para retirar as próteses e terminar a reparação.

Acesse em pdf: Mutirão faz cirurgias para vítimas de escalpelamento no AP (Terra – 12/05/2012)

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