07/06/2012 – Lei Maria da Penha teve grande participação na mudança social do Brasil, diz ONU

07 de junho, 2012

(Uol Notícias) A história remonta a maio de 1983. Era tarde da noite e Maria da Penha Fernandes, uma farmacêutica de 38 anos que morava com sua família em Fortaleza, capital do Ceará, nordeste do Brasil, dormia profundamente. Foi o momento que seu marido escolheu para atirar nela, deixando-a paraplégica para sempre. Poucos dias depois que ela voltou do hospital, o homem tentou eletrocutá-la enquanto ela estava no banho.
Durante 19 anos, o caso Maria da Penha se arrastou nos tribunais. Dezenove anos durante os quais o marido passou dias tranquilos em liberdade. Foi necessário que houvesse a investigação da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, criticando veementemente a inação do governo brasileiro, para que o caso fosse resolvido. No dia 7 de agosto de 2006, o presidente na época, Luiz Inácio Lula da Silva, aprovou uma lei chamada simbolicamente “Lei Maria da Penha sobre a violência doméstica e familiar”. Esta pune mais rigorosamente os autores de agressões e prevê que estes sejam proibidos de se aproximar de suas famílias.
E daí? Segundo a ONU Mulheres, a entidade das Nações Unidas para a igualdade dos sexos, essa lei teve grande participação na mudança da sociedade brasileira. Em agosto de 2011, lembra a organização, o Conselho Nacional da Justiça registrou mais de 331 mil processos judiciais e 110 mil julgamentos, bem como 2 milhões de chamadas atendidas pelo Centro de Serviços para as Mulheres. É verdade que, com uma média de 10 assassinatos por dia, a violência doméstica no Brasil continua sendo alarmante, mas as coisas aos poucos estão mudando.
No mercado de trabalho, o índice de atividade das mulheres passou de 57% em meados dos anos 1990 para 65%, quinze anos mais tarde. Em 2020, haverá mais brasileiras em atividade do que brasileiros. O feminismo vem se popularizando no país, e são as mulheres mais pobres que mais se beneficiam com as políticas sociais do governo.
Em janeiro de 2011, o país viu seu cargo supremo ser ocupado por Dilma Rousseff, grande vitoriosa das eleições presidenciais de outubro de 2010. Pela primeira vez, o destino do Brasil não estava mais diretamente ligado ao talento político e à competência dos homens. Seu primeiro compromisso foi “honrar as mulheres” para que esse “fato inédito” se tornasse “um evento natural”. E disse ainda: “Sim, a mulher pode”, parafraseando o slogan “Yes, we can” de Barack Obama. Uma maneira de dizer que a conquista dos direitos da mulher foi fruto de um longo processo feito de avanços e retrocessos. O Brasil ainda tem muito a fazer para eliminar suas diferenças sociais, mas ele parece hoje estar a caminho de uma lenta reconciliação consigo mesmo.
A primeira vez que uma brasileira foi eleita a um cargo público data de 1928. Era Alzira Soriano, prefeita de Lajes, Estado do Rio Grande do Norte. Hoje, um quinto do “governo Dilma” é composto por mulheres, inclusive dois dos postos mais influentes. Uma espécie de apoteose feminina brasileira que logo recebe um balde de água fria se olharmos o número delas no Congresso. Há somente 50 mulheres em um total de 513 deputados. No Senado, são 12 delas dentre 83. “Não é o governo sozinho que mudará a situação das mulheres no Brasil”, disse Iriny Lopes, ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Foi nesse estado de espírito que se concluiu, a oitava edição do Women’s Forum, o “Davos das mulheres” que costuma ser realizado em Deauville, mas que, pela primeira vez, inaugurou uma sessão regional em São Paulo. Durante dois dias, cerca de quarenta diretoras de empresas, personalidades políticas, presidentes de ONGs e diretoras de recursos humanos, com uma grande maioria de brasileiras, debateram publicamente questões enfrentadas pelas mulheres desse país que se tornou a sexta maior potência econômica do mundo.
Um momento de conversas oportunas nesse período de transformação que permitiu lembrar que as brasileiras representam agora 61% dos universitários formados – são somente 47% delas na China – , mas somente 11% dos presidentes de empresas e 30% dos diretores executivos.
“É preciso um desenvolvimento econômico para as mulheres”, diz Véronique Morali, presidente do Women’s Forum. “O Brasil está no caminho certo, ele é até mesmo uma fonte de inspiração e de questionamento para todas nós”. Mencionando a crise econômica e ambiental do momento, Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, exortou “as mulheres a agirem mais rápido e a serem ainda mais criativas”.
Thais Corral, empreendedora social que dirige diversas ONGs, defendeu o sistema de cotas.
Uma solução rejeitada por Maria das Graças Foster que, em fevereiro, se tornou a primeira mulher a presidir a maior empresa da América Latina, a gigante petrolífera Petrobras. Lendo suas anotações e comovida, ela contou como, depois de ter sido catadora de papel em uma favela do Rio de Janeiro, subiu pacientemente os degraus dessa sociedade exclusivamente composta de homens. “Sou engenheira e não entendo essa lógica de desigualdade”, ela diz, antes de mencionar a agora famosa Lei Maria da Penha: “A mulher está no centro da transformação do Brasil. É o país do presente.” Uma maneira de dizer que esse eterno país do futuro talvez esteja prestes a recuperá-lo. Com a ajuda das mulheres.

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