17/06/2012 – Mais executivas, mas ainda ganhando menos

17 de junho, 2012

(Kátia Simões, colaboração para a Folha de S.Paulo) Por que as mulheres ocupam cargos cada vez mais altos, mas continuam ganhando menos que os homens?

O cenário é indiscutivelmente diferente do passado. Mas, embora a ascensão profissional das mulheres no mundo corporativo seja uma realidade, os números mostram que, mesmo ocupando cargos similares, homens e mulheres ainda recebem salários diferentes. Se, em 2009, os homens ganhavam em média 24,1% a mais que as mulheres, em 2010 essa diferença subiu para 25%, de acordo com o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em 2010 as mulheres receberam, em média, 2,8 salários mínimos, enquanto a remuneração dos homens foi de 3,5 salários, de acordo com dados do Cadastro Central de Empresas do IBGE.

Os resultados dos relatórios do Banco Mundial e do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) confirmam os números.

Com uma participação significativa de 40% no mercado de trabalho global e com mais de 51% das matrículas em cursos de formação universitária, a mulher ainda trabalha mais, recebe menos e encontra um cenário de disparidade nas mesas de decisões corporativas.

De acordo com o IBGC, de 2.647 posições de conselho efetivas no Brasil, em um universo de 454 empresas pesquisadas, apenas 7,71% das cadeiras são ocupadas por mulheres. O índice cai para 2,97% no cargo de diretor-presidente e para 3,9% na função de presidente.

Na prática, contudo, não é difícil encontrar profissionais que deitam por terra todos os dados estatísticos. “No passado, elas eram exceção, mas não são mais”, afirma Ana Paula Pagan, 33, psicóloga e gerente-executiva da consultoria Staut RH.

Segundo ela, há quase uma década as empresas já não discriminam em seus perfis de vagas se preferem homens ou mulheres para determinada função. “A maioria detalha o perfil do profissional que procura nos quesitos bagagem cultural, experiência, características de comportamento e liderança”, ressalta.

Formada em propaganda e marketing, com MBA em tecnologia de internet, Fátima Morganti, 43, diretora de serviços de suporte da HP, navegava em territórios reconhecidamente masculinos desde os tempos de colégio. Fez curso técnico de eletrônica e foi a primeira mulher a ser contratada na área técnica da empresa Ediza Eletrônica Digital, mais tarde comprada pela HP. Lá, fez carreira, a ponto de aos 20 anos supervisionar uma equipe de 45 homens. “Fui a primeira mulher a ocupar a diretoria de ‘global delivery’ (logística externa) na companhia em todo o mundo”, diz. “É claro que a minha primeira liderança não foi fácil. Eu tive de manter uma postura firme e profissional, sem deixar a flexibilidade de lado quando era necessário.”

desigualdaderemuneracao300_folhasp17062012AONDE ELAS ESTÃO

O caminho percorrido pela executiva não é exceção. Ao contrário, quando se amplia a visão do mercado e o número de empresas pesquisadas, o cenário revela-se bem mais positivo para as líderes. A participação feminina nos cargos de liderança cresce ano a ano. Hoje, elas ocupam mais de 48% dos postos de supervisão, igualando-se aos homens, e 64% das funções de coordenação. Além disso, 24% dos cargos mais elevados das organizações, como presidente e CEO (diretor-executivo), também já pertencem a essas profissionais, segundo levantamento feito no início deste ano pela Catho Online, com base nos dados do cadastro Catho, que reúne 480 mil executivos e 200 mil empresas nacionais e internacionais. “A presença feminina nos postos de liderança é uma prova de que a divergência entre os sexos no mundo corporativo está acabando”, afirma Carolina Stilhano, gerente de comunicação da Catho.

desigualdaderemuneracao300_folhasp17062012BÉ o caso de Isabel Moisés, 45, vice-presidente de RH da Heineken Brasil. Nascida em Portugal, ela assumiu a diretoria do departamento de recursos humanos da maior empresa de energia portuguesa, tendo como missão liderar uma equipe com profissionais mais velhos e experientes que ela. “Naquela época, as mulheres que assumiam cargos de comando tentavam esconder a feminilidade, deixavam a sensibilidade de lado e jamais revelavam qualquer fragilidade diante dos homens”, lembra Isabel. “Hoje, as líderes já são mais femininas, gerenciam de forma mais delicada, mas ainda têm de estabelecer um limite nas relações, porque a cumplicidade e as conversas entre os homens são outras.”

Há dois anos no Brasil e há quatro na Heineken, Moisés é a única mulher a participar do comitê executivo da companhia. De acordo com a profissional, ser exceção muitas vezes ainda decorre da atitude das próprias mulheres, que abrem mão de crescer na carreira para se dedicarem à família ou são pouco incisivas ao negociar promoções e salários.

Lúcia Velasco, 54, dona da Velasco Consultoria Organizacional, concorda: “Os homens são mais aguerridos e focados nas suas ambições”.

Preconceito perdura, mas é isolado

Em áreas com exigências mais práticas do que intelectuais diferença salarial é mais evidente

Mesmo que pareça ranço feminista, o fato é que o mundo corporativo ainda é palco de episódios constrangedores de discriminação.

“Eu era CEO em outra empresa e comandava uma equipe majoritariamente masculina, com profissionais mais velhos do que eu”, conta Adriana Bianca, 46. Hoje ela é diretora de TI da Henkel. “Em uma mesa de reuniões, um fornecedor chegou, entregou o cartão a todos e se dirigiu a mim perguntando se eu era a secretária”, conta.

Formada em matemática pela USP (Universidade de São Paulo), com especialização na área de tecnologia, Bianca assumiu a diretoria de TI da empresa para o Mercosul há três anos, sendo a única mulher no cargo.

Foi diferente na trajetória profissional da executiva Ana Paula Caman Barros, 49, diretora de assuntos legais da Ford. Ela fez carreira na indústria automobilística e diz nunca ter sofrido nenhum tipo de discriminação.

Entrou na empresa quando a montadora ainda se chamava Autolatina e foi galgando degrau por degrau. “Na Ford, o plano de carreira é focado em resultados e competências. Atingiu as metas e tem o perfil exigido, ótimo, a vaga é sua, independentemente do sexo”, conta. “A ordem vale do chão de fábrica à direção.”

PRESENÇA FEMININA

A diretora de TI da Henkel atua em uma área de predominância masculina, de acordo com levantamento da Catho Online, com apenas 16% de participação feminina, ao lado do segmento de engenharia, no qual 20% dos profissionais são mulheres.

Em áreas como essas e em atividades com exigências mais práticas do que intelectuais, a diferença salarial entre os sexos mostra-se evidente, conforme demonstrou o último censo divulgado pelo IBGE, que apontou diferença salarial de 25% entre homens e mulheres.

Percentual ainda maior é revelado pela 31ª Pesquisa Salarial e de Benefícios realizada pela Catho Online. De acordo com o levantamento, os homens recebem, em média, salários até 70% maiores. “As mulheres destacam-se em profissões onde estão mais presentes, como nas áreas de letras, psicologia, moda, enfermagem, recursos humanos, nutrição, entre outras”, observa Marco Soraggi, diretor de pesquisa salarial da Catho Online. “Nesses segmentos, elas recebem salários de 3% a 25% maiores quando comparados aos dos homens.”

“Nós devemos ter o cuidado de não nos colocarmos em posição de vítimas”, diz Adriana Garcia, 40, diretora de RH da Mexichem Brasil/Amanco.

A executiva afirma que nunca recebeu privilégios por ser mulher, tampouco foi alvo de preconceito. Cresceu na carreira pelos próprios méritos e qualificações. “Cabe a nós decidirmos aonde queremos chegar.”

25% – é a diferença salarial entre homens e mulheres, segundo dados de 2010 do IBGE

40% – é a participação feminina no mercado de trabalho global, de acordo com o IBGC (Instituto Brasileiro de Governaça Corporativa)

Frases
“Eu era CEO de uma empresa e comandava uma equipe masculina. Em uma mesa de reuniões, o fornecedor chegou, entregou o cartão a todos e se dirigiu a mim perguntando se eu era a secretária”
ADRIANA BIANCA, diretora de TI
“Nos segmentos em que as mulheres estão mais presentes elas recebem de 3% a 25% a mais que os homens”
MARCO SORAGGI, diretor de pesquisa salarial da Catho

Executiva é pioneira em vinícola
Luciana Salton é a primeira mulher a ocupar cargo de direção na empresa centenária da família

Aos 29 anos, pós-graduada em administração de empresas, Luciana Salton cresceu vendo o pai comandar a vinícola criada por seu bisavô há mais de um século.

Na adolescência, ajudava nas vendas da lojinha da indústria, em São Paulo. “Eu sonhava em trabalhar na Salton, mas não tão cedo e, muito menos, chegar à direção e ser a primeira mulher a ocupar um cargo dessa envergadura em 101 anos de história”, conta a hoje diretora-executiva.

Para acumular bagagem, Luciana trabalhou em um banco e, mais tarde, em uma multinacional do ramo farmacêutico. Entrou como estagiária e saiu, cinco anos depois, como assistente de gerente.

“Quando meu pai me convidou para trabalhar na Salton, há cinco anos, relutei muito, achei que não era a hora porque estava crescendo na multinacional”, afirma. Mesmo contrariada, ela foi trabalhar na empresa.

Nos primeiros meses, sofreu com a diferença de culturas, afinal, a Salton era uma empresa familiar, comandada pelos primogênitos. A morte súbita do pai, há três anos, levou a direção a pensar em profissionalizar a administração. “Antes, tínhamos um líder que sabia de cada detalhe da indústria, do histórico às vendas” diz. “Ele se foi e o negócio precisou mudar.” A indústria contratou um consultor de RH para estruturar planos de carreira, um profissional de mercado para a área de vendas e está se preparando para adotar a governança corporativa. Para tanto, passou a estabelecer regras para promoções e para a contratação de membros da família.

Hoje, a presidência está nas mãos de Daniel Salton, com 30 anos de empresa, um dos incentivadores da promoção da prima não pelo parentesco, mas pelas competências.

Sem privilégios, a executiva tem remuneração compatível com a de gerentes e diretores. Quanto mais experiente, maior o salário. “Acho justo. Tenho muita estrada para trilhar e o que aprender”, diz.

De aparência jovem, ela surpreende fornecedores e clientes quando assume o comando das negociações, com conhecimento e propriedade de quem domina um assunto há até pouco tempo tipicamente masculino, a indústria de bebidas.

Chefes mulheres são mais eficazes, diz consultor norte-americano
(Ana magalhães, colaboração para a Folha de S.Paulo)

Especialista em desenvolvimento de líderes e em eficácia organizacional, o psicólogo e consultor norte-americano Jack Zenger esteve em São Paulo no fim de maio para apresentar o resultado de sua última pesquisa: as mulheres são consideradas por seus colegas e chefes mais eficazes que homens quando estão em posição de liderança.

O levantamento foi realizado no ano passado com mais de 7.000 líderes dos Estados Unidos, Índia, África do Sul e países da Europa e da América Latina. As mulheres destacaram-se em 15 competências consideradas importantes, de um total de 16.

Folha – Quais as principais conclusões da pesquisa?

Jack Zenger – O bom desempenho de líderes dentro de uma empresa tem relação direta com questões emocionais, como a capacidade de colaborar, de comunicar e de trabalhar em equipe. As mulheres foram consideradas significativamente mais eficazes do que os homens quando estão em uma posição de liderança. Foram melhor avaliadas do que eles em todos os níveis hierárquicos.

Como avaliar um bom líder?

Consideramos que um bom líder precisa ser uma pessoa que tem 16 competências de gestão. Observamos que as mulheres destacam-se em 12 dessas 16 competências; em três delas, têm um desempenho um pouco melhor. Além disso, elas foram melhor avaliadas em quesitos que são tradicionalmente considerados fortes no sexo masculino, como ter iniciativa e buscar resultados. Os homens foram mais bem avaliados em apenas uma competência -a de desenvolver uma perspectiva estratégica.

Ainda há poucas mulheres em posições de chefia?

Sim, a diferença é grande. Quando avaliamos a base de uma empresa, as mulheres representam 53% das novas contratações. À medida que você sobe na hierarquia, o número vai diminuindo. Há apenas 3% de mulheres

CEOs nas empresas que pesquisamos. Posso dizer uma coisa aos empresários: se você pensa em promover à chefia uma mulher talentosa mas tem medo, não tenha. Ela tende a ser melhor líder do que um homem.

Há diferenças salariais?

Não avaliamos isso. Mas sabemos que, infelizmente, no ambiente empresarial, mulheres tendem a ganhar menos que homens. Na Espanha, uma mulher ganha 23% a menos.

Leia a entrevista completa em folha.com/no1105669

Acesse em pdf:
Menos não é mais / Preconceito perdura, mas é isolado / Executiva é pioneira em vinícola (Folha de S.Paulo – 17/06/2012)

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