28/06/2012 – Seppir diz que novo texto do Código Penal pode enfraquecer o combate ao racismo

28 de junho, 2012

(Nádia Guerlenda, da Folha de S.Paulo-DF) Secretaria reclama que o novo texto enfraquece o combate ao racismo. Anteprojeto começou a tramitar ontem no Senado; jurista diz que mudanças em relação ao racismo foram técnicas 

O anteprojeto de Código Penal que começou a tramitar ontem no Senado já provoca reclamações do governo. A Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) diz que ele pode enfraquecer o combate ao racismo.

Uma das críticas se refere à ausência do crime de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”, sem definição exata do que seria isso. É o chamado “tipo penal aberto”, em que a prática é descrita genericamente e o conteúdo preciso vai sendo definido pela jurisprudência.

O novo texto prevê situações específicas, como discriminação racial no acesso a empregos e escolas, mas o “tipo penal aberto” deixa de existir.

“Para nós é um retrocesso, porque pode haver uma discriminação que não esteja explícita no texto”, diz Carlos Alberto Silva Júnior, ouvidor nacional da igualdade racial.

O relator da comissão, procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, afirma que a decisão foi técnica. “A tipicidade aberta é inconstitucional. Nós ampliamos as figuras do racismo e entendemos que é suficiente”, diz.

A Seppir reclamou ainda da pena em alguns crimes de racismo, que permite que o acusado deixe de ser processado caso cumpra exigências, como deixar de frequentar certos lugares. Já o relator Gonçalves diz que essa é “uma boa medida de política criminal”.

Por último, a Seppir questiona a criminalização da “perturbação do sossego”. Júnior acredita que a previsão atingirá sobretudo os cultos de religiões de matriz africana, que usam instrumentos, mas Gonçalves diz que as casas religiosas estariam isentas.

Acesse em pdf: Governo faz críticas à proposta do Código Penal (Folha de S.Paulo – 28/06/2012)     


Saiba mais:
Acesse em pdf a íntegra do anteprojeto de reforma do Código Penal  
A reforma do Código Penal, editorial (O Estado de S. Paulo – 29/06/2012)   

Senado começa hoje a alterar propostas para Código Penal (Folha de S.Paulo – 27/06/2012)  

Projeto de comissão de especialistas enfrenta resistências de vários segmentos. Com viés liberal, texto aborda tabus como interrupção de gravidez, drogas e criminalização da homofobia

O projeto de reforma do Código Penal, elaborado por uma comissão de especialistas, começa a tramitar hoje no Senado já com a promessa de ser alterado por congressistas.

Formado por 15 pessoas, o grupo trabalhou nos últimos sete meses a revisão do código, de 1940. A proposta eliminou tipos penais, criou crimes e decidiu tratar tabus com um viés claramente liberal.

O resultado são as mais de 500 páginas do relatório do procurador-regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que foram entregues na segunda ao Senado.

O texto autoriza, por exemplo, a interrupção da gestação até a 12ª semana quando a mãe “não tiver condições psicológicas ou físicas para a maternidade”, atestado por médico e psicólogo.

Libera ainda o porte, a compra e o plantio de drogas para uso próprio, mas proíbe o consumo perto de escola ou de criança e adolescente. Também criminaliza a homofobia, nos moldes do racismo.

Os temas são polêmicos. Há promessa de resistência explícita da bancada evangélica, mas o fato é que a abordagem liberalizante deve enfrentar objeções de outros segmentos, apesar de a comissão ter adotado versões mais brandas do que propostas que já tramitaram no Congresso.

“Essa proposta deve ser jogada no lixo”, diz Magno Malta (PR-ES), da bancada evangélica. “Não é um grupo de intelectuais que vai dizer do que o Brasil precisa.”

Autor do pedido de criação da comissão, Pedro Taques (PDT-MT) saiu em defesa do debate de temas delicados. Para ele, a comissão fez um trabalho “impressionante” e deixou um bom material para ser discutido. “Estou esperançoso com o debate.”

O presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), admite que o texto será alterado. Para ele, mudanças em projetos fazem parte do processo legislativo. “Vamos apresentar o projeto sem que haja responsabilidade de adotá-lo. Quem decide é o Congresso.”

Gilson Dipp, presidente da comissão e ministro do STJ, considera “natural” a resistência às mudanças. “A comissão teve como um dos rumos não deixar de fora temas pertinentes para um código moderno, que sirva para o amanhã”, diz. “Estamos enfrentando o que outros países já enfrentaram.”

O projeto agora vai tramitar por comissões da Casa antes de ser submetido ao plenário.

CÂMARA
Longe da polêmica do Senado, a Câmara pode ter maior chance de aprovar seu projeto. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) apresentou ontem relatório na Comissão de Justiça. Se aprovado, está pronto para análise no plenário.

O texto sugere mudanças no código, mas não o reforma. Só atinge a parte especial, que trata de crimes e penas.

“Estamos evitando as maiores polêmicas, que acabam inviabilizando a discussão de outros pontos. Existem projetos em tramitação sobre esses assuntos.”

As propostas para o código penal

Veja as principais mudanças previstas no anteprojeto elaborado pela comissão de juristas

ABORTO
HOJE: PROIBIDO, A NÃO SER EM CASO DE ESTUPRO E RISCO DE MORTE PARA A MÃE
Como ficaria: autorizado até a 12ª semana de gestação, se médico ou psicólogo atestar que a mãe não tem condições de arcar com a maternidade; assim como nos casos de feto anencéfalo

ACORDO
HOJE: POSSIBILIDADE DE VÍTIMA E O CRIMINOSO FAZEREM ACORDO SOBRE PENA NÃO É PREVISTA
Como ficaria: em todos os crimes seria possível o acordo sobre o tempo de prisão, desde que vítima, Ministério Público e criminoso concordem. Nos furtos simples, pode levar à extinção da pena

ANIMAIS
HOJE: ABANDONO NÃO É CRIME; MAUS-TRATOS SÃO PUNIDOS COM 3 MESES A 1 ANO DE PRISÃO
Como ficaria: o abandono passaria a ser crime (com pena de 1 a 4 anos de prisão) e a pena para maus-tratos quadruplicaria

BULLYING
HOJE: NÃO É CRIME
Como ficaria: viraria crime, com pena de 1 a 4 anos de prisão

CORRUPÇÃO
HOJE: O CRIME ENVOLVE UM AGENTE PÚBLICO; SE UMA EMPRESA PAGAR PROPINA, QUEM RESPONDE PELO CRIME É A PESSOA QUE A ADMINISTRA
Como ficaria: a corrupção entre dois particulares também seria crime; pessoas jurídicas passariam a responder pela corrupção, podendo ser condenadas a construir casas populares, por exemplo

CRIMES CIBERNÉTICOS
HOJE: NÃO HÁ CRIMINALIZAÇÃO ESPECÍFICA E NEM SEMPRE É POSSÍVEL USAR AS DEFINIÇÕES DOS CRIMES “COMUNS”
Como ficaria: surgiriam vários crimes novos, como a “intrusão informática”: quem invadir um site, mesmo que não divulgue os dados ali presentes, receberia pena de 6 meses a 1 ano de prisão

CRIMES ELEITORAIS
HOJE: EXISTEM MAIS DE 80 CRIMES, MUITOS DELES ULTRAPASSADOS; A PENA POR USO ELEITORAL DA MÁQUINA ESTATAL É DE NO MÁXIMO 6 MESES DE PRISÃO
Como ficaria: passariam a existir 14 crimes; os demais seriam extintos ou punidos administrativamente, com multas -como é o caso da boca de urna

CRIMES HEDIONDOS
HOJE: SÃO CONSIDERADOS HEDIONDOS, ENTRE OUTROS, O HOMICÍDIO QUALIFICADO, O LATROCÍNIO E O ESTUPRO
Como ficaria: seriam incluídos a redução à condição análoga de escravo, o financiamento ao tráfico de drogas, o racismo, o tráfico de pessoas e os crimes contra a humanidade

DIREITOS AUTORAIS
HOJE: COPIAR INTEGRALMENTE LIVRO, CD OU DVD É CRIME DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS; A PENA MÁXIMA É DE 4 ANOS
Como ficaria: a cópia integral, desde que única, feita a partir de um original e apenas para uso próprio, não seria crime; mas as penas para quem violar direitos autorais aumentariam

DROGAS
HOJE: O CONSUMO NÃO É CRIME, MAS É MUITO DIFÍCIL QUE ALGUÉM CONSUMA SEM CULTIVAR, COMPRAR, PORTAR OU MANTER A DROGA EM DEPÓSITO -CRIMES PUNIDOS COM PENAS ALTERNATIVAS
Como ficaria: plantar, comprar, guardar ou portar consigo qualquer tipo de droga para uso próprio seriam legalizados. Já o consumo de drogas perto de crianças se tornaria crime

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
HOJE: AGENTES PÚBLICOS QUE NÃO COMPROVAREM A ORIGEM DE BENS SÃO PUNIDOS APENAS COM SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E CÍVEIS
Como ficaria: viraria crime, com pena de 1 a 5 anos de prisão

EUTANÁSIA
HOJE: É HOMICÍDIO COMUM, COM PENA DE 6 A 20 ANOS DE PRISÃO
COMO FICARIA: MATAR, POR PIEDADE OU COMPAIXÃO, PACIENTE EM ESTADO TERMINAL a pedido dele viraria um crime específico, com pena entre 2 a 4 anos de prisão; pode deixar de ser crime em casos de “laços de afeição” com a vítima, por exemplo

HOMOFOBIA
HOJE: O PRECONCEITO NÃO É CRIME; XINGAMENTOS PODEM SE ENCAIXAR NA DEFINIÇÃO DE INJÚRIA E O HOMICÍDIO BASEADO EM HOMOFOBIA PODE SER QUALIFICADO POR “MOTIVO TORPE”
Como ficaria: passaria a valer para a homofobia a mesma pena do racismo: 2 a 5 anos de prisão, além de se tornar crime imprescritível e inafiançável. A pena por homicídio, lesão corporal, tortura e injúria seria aumentada caso a motivação fosse o preconceito

JOGOS ILEGAIS
HOJE: A EXPLORAÇÃO ILEGAL DO JOGO É CONSIDERADA UMA CONTRAVENÇÃO PENAL, PUNIDA COM DETENÇÃO DE 3 MESES A 1 ANO
Como ficaria: viraria crime, com pena de até 2 anos de prisão

LEI SECA
HOJE: É NECESSÁRIO PROVAR, POR MEIO DE BAFÔMETRO OU EXAME DE SANGUE, A CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL DE 6 DECIGRAMAS POR LITRO NO SANGUE DO MOTORISTA
Como ficaria: a embriaguez poderia ser demonstrada por todos os meios possíveis, incluindo testemunho do policial ou exame clínico. Qualquer quantidade de álcool estaria proibida ao condutor

LIBERDADE DE EXPRESSÃO
HOJE: CRÍTICOS LITERÁRIOS, DE ARTE E CIÊNCIAS PODEM EMITIR “OPINIÃO DESFAVORÁVEL” SEM QUE SEJAM ACUSADOS DOS CRIMES DE INJÚRIA E DIFAMAÇÃO
Como ficaria: os jornalistas também seriam incluídos

MENORES
HOJE: QUEM USA MENORES DE IDADE EM CRIMES RESPONDE SÓ PELOS PRÓPRIOS DELITOS
Como ficaria: quem usasse menores de idade para cometer crimes assumiria as penas dos delitos cometidos por eles

PENA MÁXIMA
HOJE: A PENA MÁXIMA É DE 30 ANOS -MESMO QUE ALGUÉM SEJA CONDENADO A CENTENAS DE ANOS, NÃO PODE FICAR PRESO POR TEMPO MAIOR
Como ficaria: nos casos em que condenados beneficiados pelo teto de 30 anos voltassem a cometer crimes, a pena seria somada à punição anterior, até o prazo máximo de 40 anos

STALKING OU “PERSEGUIÇÃO OBSESSIVA”
HOJE: NÃO É CRIME ESPECÍFICO
Como ficaria: quem perseguir alguém reiteradamente, ameaçando sua integridade física ou psicológica ou invadindo ou perturbando sua privacidade, pode ficar preso entre 2 e 6 anos

TERRORISMO
HOJE: NÃO HÁ CRIME ESPECÍFICO
Como ficaria: o terrorismo, descrito como comportamentos motivados por “ódio e preconceito” e que causem terror à população, além de forçar a autoridade a contrariar a lei, viraria crime

TORTURA
HOJE: É PUNIDA COM PRISÃO DE 2 A 8 ANOS E PODE PRESCREVER (OU SEJA, APÓS UM TEMPO NÃO É MAIS POSSÍVEL PROCESSAR OU PRENDER O ACUSADO)
Como ficaria: a pena aumentaria para de 4 a 10 anos; crime se tornaria imprescritível (o acusado pode ser punido em qualquer tempo)

Os integrantes da comissão

Presidente: Gilson Dipp – Ministro do STJ

Relator: Luiz Carlos Gonçalves – Procurador regional da República e professor

Membros:

ANTONIO NABOR BULHÕES: advogado criminalista, responsável pela absolvição de PC Farias

EMANUEL CACHO: advogado criminalista em Sergipe

GAMIL FÖPPEL EL HIRECHE: professor na Bahia e no Pará

JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO: desembargador no TJ-RJ

JULIANA GARCIA BELLOQUE: defensora pública

LUIZA NAGIB ELUF: procuradora de Justiça em São Paulo

LUIZ FLÁVIO GOMES: doutor em direito penal

MARCELO ANDRÉ DE AZEVEDO: promotor de Justiça em Goiás

MARCELO LEAL: advogado, defende Fernando Sarney

MARCELO LEONARDO: advogado, defende Marcos Valério no processo do mensalão

MARCO ANTÔNIO MARQUES DA SILVA: desembargador do TJ-SP

TÉCIO LINS E SILVA: advogado, defende Fernando Cavendish

TIAGO IVO ODON: advogado

 

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