08/05/2013 – Como nos Estados Unidos?, por Julia Sweig

08 de maio, 2013

Nenhuma lei federal dos EUA chegará perto da lei brasileira que protege os trabalhadores domésticos

(Folha de S.Paulo) Quando os brasileiros dizem que a nova lei dos trabalhadores domésticos acabará tornando o Brasil mais parecido com os EUA, eles querem dizer que ter babás, cozinheiras e empregadas, às vezes mais de uma ao mesmo tempo, logo será luxo acessível só a pessoas muito ricas.

Nos EUA, famílias de classe média alta ou cujos membros exercem atividades remuneradas geralmente podem pagar alguém para limpar a casa uma ou duas vezes por semana e talvez lavar roupas também.

Babás nos EUA também cozinham e fazem limpeza, mas para pagar uma, que custa de US$ 3.000 a US$ 4.000 por mês ou mais, é necessário que o casal trabalhe ou que um deles tenha alta renda.

Para a classe média americana, empregadas não cabem no bolso: a própria família tem que fazer todo o trabalho de casa. Os mais privilegiados têm avós que ajudam com as crianças pequenas ou contam com creches, muitas vezes de qualidade duvidosa, para bebês –já que a licença-maternidade nos EUA pode se estender no máximo a quatro meses para funcionários do governo.

O Brasil é o país com o maior número de empregados domésticos no mundo, e os EUA, o décimo. Os números oficiais são, respectivamente, 7,2 milhões e 726 mil — provavelmente não representam o total verdadeiro. Mas, no Brasil, mesmo agora que esses trabalhadores ingressam no mercado formal e adquirem novas habilidades e novos empregos, o país tem um longo caminho a percorrer até esse número baixar a ponto de se assemelhar ao dos EUA.

Porém o Brasil já ultrapassou os EUA num quesito muito importante. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, assim como as leis trabalhistas da África do Sul, que nasceram num cenário pós-apartheid, a nova lei brasileira dos trabalhadores domésticos é a mais abrangente e progressista do mundo.

A maioria dos trabalhadores nos EUA –sejam eles domésticos, profissionais, de serviço e até os cada vez mais raros sindicalizados– não tem os direitos que lhe são garantidos, pelo menos não formalmente.

Só os Estados de Nova York e Havaí aprovaram leis que protegem trabalhadores domésticos, mas não tão abrangentes quanto a do Brasil. As Assembleias de Califórnia, Illinois e Massachusetts trabalham em projetos semelhantes, mas nenhuma lei chega perto da brasileira.

O impacto socioeconômico da nova lei vai demorar um tempo. A importância mais profunda nos leva de volta a 1888 e ao legado da escravatura no Brasil. Nos EUA, Abraham Lincoln assinou a emancipação em 1863. Cem anos e uma guerra civil depois, Lyndon Johnson assinou as leis dos direitos civis e de voto.

Nos últimos 50 anos, a maioria dos americanos de ascendência africana saiu do mercado de trabalho doméstico: os rankings são dominados por latinas, filipinas, africanas e, em menor número, brasileiras.

Embora Barack Obama e sua mulher agora morem na Casa Branca, construída pelos ancestrais da própria Michelle Obama, o legado da escravatura nos EUA é palpável ainda hoje em índices desproporcionais de encarceramento, desemprego, pobreza, analfabetismo entre adultos, total de desabrigados e certas doenças. Vamos torcer para que o Brasil escolha outro caminho.

Acesse em pdf: Como nos Estados Unidos? (Folha de S.Paulo – 08/05/2013)

 

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