09/08/2013 – Um ano após a regulamentação da TV paga, produtores apostam alto em projetos

09 de agosto, 2013

(O Globo) O diretor Cacá Diegues repete há anos uma mesma frase, uma espécie de presságio, talvez um alerta, e que só agora parece estar se concretizando:
— Eu dizia que enquanto a TV e o cinema não se entendessem não haveria futuro para nenhum dos dois. O cinema pode renovar a TV, e a TV é uma janela importantíssima para o cinema. Esse encontro precisava acontecer.

O que Cacá talvez não esperasse é que o encontro fosse acontecer por lei. Desde que entrou em vigor — efetivamente em 2 de setembro de 2012, depois de ser regulamentada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) —, a Lei 12.485, conhecida como Lei da TV Paga, criou uma demanda de produções para a TV e acabou atraindo diretores e produtores conhecidos do cinema para se arriscar no formato. Hoje, além de Cacá, nomes como Fernando Meirelles, Laís Bodansky, Flávio Ramos Tambellini, Anna Muylaert, Luiz Villaça e Felipe Bragança, entre outros, estão criando projetos de séries e telefilmes de olho num mercado em alta.

Entre os artigos da lei, os que incentivaram o novo momento por que passa a produção audiovisual brasileira se referem às cotas mínimas de conteúdo nacional que os canais de TV por assinatura precisam cumprir: a partir do mês que vem, a cota será aumentada para a obrigatoriedade de exibição, em horário nobre, de três horas e meia por semana de produção brasileira. Além disso, a lei também obriga que os pacotes oferecidos para os assinantes tenham canais com programação majoritariamente brasileira.

Com a demanda criada, o passo seguinte, exatamente o que vem ocorrendo neste momento, foi criar a oferta. É raro encontrar uma produtora que não esteja pensando um projeto para TV. E, como consequência, também é raro que um diretor não considere hoje a janela da televisão para um novo trabalho.
— Apesar de algumas novelas estarem dando um salto de qualidade, sinto que o melhor da TV hoje em dia são as séries que se parecem mais com filmes. Os roteiros e personagens são mais complexos, a fotografia é trabalhada plano a plano como no cinema, a montagem leva semanas por episódio. Nessas séries, a vantagem da TV, de se poder contar histórias com duração de 12 horas, é associada à vantagem do cinema, que é o cuidado em cada etapa do projeto e mais tempo para a realização. Ando colocando minhas fichas nisso aí — diz Fernando Meirelles.

A produtora de Meirelles, a O2, é um bom exemplo de como o mercado mudou no último ano. Antes mesmo da lei, ela já apostava em TV, com séries como “Filhos do carnaval”, cuja direção foi de Cao Hamburger, e “Som e fúria”, dirigida por Meirelles e Toniko Mello, entre outros. Hoje, a O2 tem sete projetos para TV em andamento. Anteontem, por exemplo, estreou na GNT a série “Beleza S.A.”, sobre a rotina de uma clínica de cirurgia plástica.
— Realmente a área de TV na O2 deu uma explodida — diz Meirelles. — Sempre fizemos TV, mas sinto que somos mais da turma do cinema, pois rodamos quase tudo com uma câmera só, num esquema de produção mais artesanal e autoral. Mesmo nas séries como “Contos de Edgar”, por exemplo, cada episódio tem o roteirista responsável que bate bola desde o início com o diretor. Esse diretor acompanha seu episódio desde a criação até a finalização. Na TV em geral o processo costuma ser mais industrializado, há um diretor geral, mas cada etapa passa de mão em mão, como numa linha de montagem. Nosso desafio é tentar manter esse cuidado da peça artesanal, mas cumprindo a escala que a TV exige.

Esse esmero proposto por Meirelles na produção para TV é exatamente um dos pontos que mais se destacam nas conversas do setor. Num primeiro instante, com as demandas da lei, parte do que era produzido pecava pela falta de qualidade. Os próprios programadores de canais e alguns críticos das novas regras reclamavam que não havia produção nacional à altura do que era feito no exterior e que isso poderia afastar o consumidor.
— Somos procurados todos os dias com ofertas de novos programas. Hoje, nós tocamos cerca de dez projetos para TV. Há uns cinco anos, só tínhamos dois — afirma Debora Ivanov, sócia da produtora Gullane e também presidente do Sindicato do Audiovisual de São Paulo. — É um momento de euforia muito grande. No começo há um estranhamento de quem vem de cinema, especialmente dos diretores, mas todos eles veem com muito interesse essa oportunidade, até porque a qualidade de dramaturgia na TV tem um padrão bem elevado.

Outro fator que vem favorecendo a qualidade da produção é o surgimento de editais específicos para a televisão. A Ancine tem uma linha do Fundo Setorial do Audiovisual destinada para a produção de séries ou documentários, e outras serão criadas ainda este ano. A Riofilme, empresa da prefeitura do Rio para distribuição e apoio na produção audiovisual, também criou editais para desenvolvimento de projetos e produção de documentários para TV.

Outro edital que vem sendo realizado desde 2011 e que desperta o interesse de diretores é o Memória do Esporte Olímpico Brasileiro. O programa é coordenado pelo Instituto de Políticas Relacionais (IPR), com patrocínio da Petrobras, e oferece R$ 260 mil para cada contemplado, para a produção de programas relacionados às Olimpíadas. A partir deste domingo, até o dia 13 de outubro, a segunda série de dez programas vai ao ar, sempre aos domingos, às 21h30m, na ESPN Brasil: entre os programas, há desde “No meio do caminho tinha um obstáculo”, de Cacá Diegues, Flora Diegues e Renata de Almeida, sobre o cavaleiro Rodrigo Pessoa e seu cavalo Baloubet du Rouet, até “Mulheres olímpicas”, de Laís Bodanzky, sobre a participação das mulheres nos Jogos Olímpicos.
— Tivemos 99 inscritos em 2011 e 120 em 2012. Agora em agosto vamos lançar um novo edital, e a tendência é que aumente mais na nova chamada — diz Daniela Greeb, diretora do IPR. — Esperamos chegar a 2016 com cerca de 50 filmes para que possamos fazer uma mostra no ano das Olimpíadas no Rio.

O projeto olímpico, para Cacá, é apenas uma das muitas possibilidades surgidas com a nova lei. Ele montou um grupo de trabalho em sua produtora, a Luz Mágica, específica para pensar conteúdo para TV.
— Eu tento fazer isso há muito tempo. Meu filme “Dias melhores virão” (1989) estreou primeiro na TV e depois foi para os cinemas — lembra Cacá. — Mas durante muitos anos a TV não quis saber da gente, e muitos de nós subestimamos a TV.

‘Todo mundo está se mexendo’

São muitos os exemplos como o de Cacá. A produtora carioca Migdal Filmes, que se notabilizou pelo longa-metragem “Nosso lar”, produziu para a GNT a série “As canalhas”, cuja direção é de Anna Muylaert, cineasta paulistana conhecida por filmes como “É proibido fumar” (2009) e “Durval Discos” (2002). Também no GNT, está em cartaz a série “3 Teresas”, com direção de Luiz Villaça, que fez para o cinema o longa-metragem “O contador de histórias” (2009).
Já o produtor e diretor Flávio Ramos Tambellini, de “Malu de bicicleta” (2011) fez uma parceria com a produtora Giros, de Belisario Franca, este mais acostumado a projetos para TV, justamente pensando em criar projetos para o formato.
— Estamos desenvolvendo uma série chamada “Jungle pilot”, sobre um piloto de avião na Amazônia — explica Tambellini. — A Lei da TV Paga primeiro criou muito uma coisa de varejão, programas menores, muitos de humor, que serviram para cumprir a cota. Mas quero pensar séries maiores, mais cinematográficas. A TV é um campo importante, e todo mundo está se mexendo.
Mesmo entre os diretores mais jovens, a TV tem se transformado num foco prioritário. Felipe Bragança, que exibiu “Alegria” (longa-metragem feito em parceria com Marina Meliande) no Festival de Cannes em 2010, pensou seu novo projeto, “Claun”, sobre a mitologia dos Clóvis do carnaval de rua, já com um braço na TV.
— Fizemos três capítulos como piloto e agora estamos pensando qual caminho trilhar: o da parceria com a TV ou com algum canal de veiculação via web — conta Bragança. — Estou apenas engatinhando nessa ideia, nesse universo novo, e uma série com linguagem inventiva, alegórica, feita de forma quase artesanal, me interessa. Imagino a TV e a web-série como espaço estético a ser pensado e investigado em nosso momento cultural, e não apenas como mercado.

Acesse os PDFs: Encontro audiovisual e Continuação (O Globo, 09/08/2013)

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