11/10/2013 – “A revolução tecnológica ajudou a libertar a mulher”

11 de outubro, 2013

(Isto É Dinheiro) Apesar disso, são raras aquelas que ocupam uma posição em cargos de alta direção nas grandes empresas. Uma dessas exceções é a paulistana Aline Santos, 46 anos, vice-presidente sê­nior global da Unilever. Graduada em a­dministração, ela comanda, de seu escritório na avenida Juscelino Kubitschek, em São Paulo, a divisão de produtos para o lar, que garante receita anual de € 3,5 b­ilhões para o grupo anglo-holandês. Casada e mãe de dois meninos, Aline diz que graças aos programas de diversidade e à mudança da mentalidade corporativa a situação da mulher mudou. Mas, os desafios persistem: “O homem mata um leão por dia. A mulher mata, tempera, assa, serve e depois ainda lava a louça”.

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DINHEIRO – Pode-se dizer que para as mulheres ainda é mais difícil subir na carreira do que para os homens?
ALINE SANTOS – A resposta curta e simples é sim. Qualquer carreira executiva em alto nível exige sacrifícios e isso independe de sexo. Mas, no caso da mulher, o sacrifício é ainda maior. Os primeiros passos em direção à independência foram dados sem referências, na base de tentativa e erro, com a mulher tendo de provar, a todo instante, o seu valor. Por conta disso, aderiram ao power dressing, vestindo-se  com terninhos com ombreiras e usando cabelos curtos para serem mais bem aceitas no universo masculino.
 
DINHEIRO – Por que as mulheres ainda precisam provar, se elas já apresentam nível educacional, por exemplo, mais elevado que o dos homens?
ALINE – Acredito que as mulheres já não precisam provar nada. O que elas querem é se sentir realizadas profissionalmente. E isso não significa, necessariamente, chegar ao topo de uma organização, mas aceitar quem você é, sua identidade e buscar seus sonhos. A mulher atual é muito diferente daquela que chegou ao mercado de trabalho na década de 1960, em meio à revolução feminista. Quanto aos homens, eles ainda veem o poder de forma muito vertical, baseados na hierarquia. Eu enxergo de forma horizontal, a partir das pessoas com as quais estou fazendo networking, com quem estou trocando ideais e a minha quantidade de amigos.
 
DINHEIRO – Isso tem relação com o fato de as pessoas, no geral, e as mulheres, em particular, estarem buscando uma melhor qualidade de vida?
ALINE – Sem dúvida. Pela primeira vez na história das mulheres, elas nasceram livres para poderem ser o que desejam, sem precisar seguir um papel pré-estabelecido pela sociedade. Quando ingressei no mercado de trabalho, na década de 1980, eu tinha de ser perfeita em tudo que eu fazia: no trabalho e como mãe, uma verdadeira supermulher. Esse modelo gera um estresse desgraçado, um cansaço tremendo, além de frustrações e culpas que, com certeza, as mulheres do mundo não iriam aguentar por muito tempo.
 
DINHEIRO – Esse pensamento nasce por geração espontânea ou porque a mulher percebeu que, mais que ser parecida com o homem, era melhor ela ser ela própria?
ALINE – A segunda hipótese, com certeza. Outro elemento que ajudou nessa transformação foi a grande mudança na forma como as pessoas vivem e se relacionam com o mundo. Isso nos garantiu a possibilidade de fazer opções que antes não eram possíveis. Graças a diversas ferramentas tecnológicas eu posso gerenciar, no mundo inteiro, um negócio que movimenta mais de € 3,5 bilhões. A revolução tecnológica ajudou a libertar a mulher.
 
DINHEIRO – O papel social do homem também mudou?
ALINE – Certamente. Acho que é muito clichê falar que o homem está perdido, que não sabe exatamente qual é o seu papel na sociedade. Acho que o homem que divide as tarefas do lar e tem prazer em ser pai é muito mais macho. Porque ele é seguro de sua masculinidade e não precisa ganhar mais ou ser o todo-poderoso na empresa na qual trabalha.
 
DINHEIRO – Mesmo com todas essas mudanças, por que o salário da maioria das mulheres continua inferior ao dos homens?
ALINE – Essa, infelizmente, é uma verdade no mercado de trabalho. Obviamente, sou uma profissional bastante privilegiada. Mas nada do que tenho foi dado de bandeja. Sempre tive de batalhar.
 
DINHEIRO – Todos os diretores da Unilever têm o mesmo salário?
ALINE – A política para reajuste salarial da empresa é preto no branco. Não existem áreas cinzentas. É totalmente relacionada ao que cada profissional entrega. E isso é um fator interessante, porque, ao atrelar a bonificação ao desempenho final e não ao tempo que as pessoas gastam no escritório, a vida dos profissionais, especialmente das mulheres, muda completamente. Na Unilever, a cultura do home office está disseminada. No meu caso, tenho todos os equipamentos para desempenhar minhas funções, com qualidade, a partir da minha casa. A lém disso, existe uma mentalidade dentro da empresa de aceitar o trabalho com jornada flexível, o que dá plenas condições para que os funcionários tenham a possibilidade de cumprir agendas pessoais, podendo concluir o trabalho em seu período de folga. 

DINHEIRO – Por que tão poucas empresas adotam esse tipo de política? É medo da mudança?
ALINE – Não tenho resposta para isso. Mas me parece que existe uma inércia muito grande na cultura das empresas. Muitos gestores acreditam que a maneira como eles fazem negócio e tocam a empresa é a certa. No entanto, é preciso lembrar que o mundo mudou e que quem não tentar se adaptar deixará de ser competitivo, independentemente do tipo de empresa ou do setor no qual atua.
 
DINHEIRO – Isso inclui a adoção de políticas de diversidade, por exemplo?
ALINE – Sem dúvida. Para ser bem-sucedida, uma empresa precisa dos melhores recursos humanos e é para isso que serve a inclusão. No entanto, esses recursos precisam de adubo durante seu crescimento. Não adianta apenas atrair 50% de mulheres e não fazer nada para ajudá-las a crescer. Há muitas coisas que se resolvem com políticas de incentivo, mas outras se resolvem apenas com a mudança de cultura. E isso leva tempo e necessita de uma liderança forte e convicta de que essa estratégia vai trazer resultados.

DINHEIRO – Como foi sua experiência ao ser promovida para a alta direção da Unilever Brasil?
ALINE – Ao receber o convite, no final da década de 1990, eu pensei em recusar, pois tinha acabado de ser mãe de meu primeiro filho e não queria ter uma vida maluca de vice-presidente. Mas fui convencida de que a empresa teria flexibilidade e criaria condições para que eu tivesse uma vida facilitada. Um detalhe curioso é que não existia banheiro feminino no andar da diretoria. Então, minha primeira providência como vice-presidente foi quebrar parte do banheiro masculino e fazer um para mulheres, com espelho do teto ao chão e secador de cabelos. O máximo! Aí o chefe colocou uma placa “Banheiro Aline Santos”, achando que somente eu usaria o espaço. Não viam as oito secretárias passarem anos tendo de caminhar até outro andar para usar o banheiro.
 
DINHEIRO – A sra. diria que situação da mulher melhorou desde então?
ALINE – O que eu sinto é que não existe hoje o milhão de barreiras que tive de enfrentar no passado. E na questão de gênero, se existe discriminação, é pelo lado positivo. Na Unilever, existem mecanismos que medem o resultado e definem as regras para promoções. Acredito que nenhuma mulher gostaria de ser promovida apenas por ser mulher. Isso é contraproducente para nós. A meritocracia é fundamental na trajetória de qualquer profissional.
 
DINHEIRO – Quais são as mulheres que a sra. admira na cena empresarial e política?
ALINE – Tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas, tanto homens quanto mulheres. Uma delas é a Sheryl Sandberg, diretora de operação do Facebook. Ela faz um trabalho de mentoring para algumas executivas da Unilever nos Estados Unidos. Outra é a Indra K. Nooyi, presidente mundial da PepsiCo, com a qual tenho um contato frequente. Elas são uma referência para mim. Jamais um modelo, pois as mulheres não querem mais seguir modelos, e sim trilhar o seu próprio caminho.

DINHEIRO – O fato de Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, ter sido a única entre os líderes da Europa a ser reeleita mostra que na política a força da mulher está maior?
ALINE – Sem dúvida. Ela é uma mulher impressionante, tem um pensamento consistente e transmite credibilidade em tudo que diz. É um grande exemplo para homens e mulheres de qualquer país. 
 
DINHEIRO – O que explica o fato de a mulher ainda estar tão sub-representada na política, especialmente no Brasil? A política ainda é um território masculino?
ALINE – Creio que não. A Unilever recebe 48 mil candidatos a trainee por ano e a maior parte deles é composta por mulheres. Muitas candidatas com as quais converso dizem ter interesse pela política e querem mudar o mundo. Mas isso não implica que desejem atuar dentro de partidos políticos. Hoje, graças às mídias sociais, você não precisa estar na política para mudar o mundo. É possível ter um papel de ativista e influir por uma mudança global.
 
DINHEIRO – As mulheres administram negócios de forma diferente da dos homens?
ALINE – Certamente. Algumas características são bem peculiares das mulheres. Nós somos mais inclusivas, mais agregadoras e intuitivas e isso foi potencializado pelo papel de mãe. E, atualmente, o que se valoriza é o trabalho colaborativo. No mundo de hoje, quem está sozinho ou isolado não vai a lugar nenhum. E nós, mulheres, temos facilidade de extrair o melhor das outras pessoas. Não temos vergonha de perguntar a opinião alheia e mostrar desconhecimento sobre determinados assuntos. A dupla jornada nos ensinou a realizar múltiplas tarefas, o que garante uma produtividade incrível. A intuição é outro elemento característico da mulher e deve ser valorizado no mundo corporativo. O homem mata um leão por dia. A mulher, mata o leão, tempera, assa, serve e depois ainda lava a louça do jantar.

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