08/01/2014 – O enterro do modelo de negócio da TV aberta, por Jorge Cunha Lima

08 de janeiro, 2014

(Folha de S.Paulo) No Congresso Ibero-Americano de Cultura realizado em novembro, em Zaragoza, na Espanha, os participantes mostraram-se preocupados com as consequências culturais dos novos paradigmas tecnológicos.

Um terremoto chamado internet abalou o modelo de negócio tradicional das televisões, para as quais sustentabilidade não quer dizer respeito aos primados ecológicos, mas sobrevivência. O enterro foi de primeira, na bela cidade de Zaragoza.

Das conferências magnas realizadas por intelectuais como Frédéric Martel e das 21 mesas que testemunhei, induzi que há diagnósticos, convicções, receios e ameaças, mas pouca elaboração intelectual e filosófica sobre os valores e os conteúdos que orquestrarão as mudanças.

Uma coisa é certa: a base tradicional de sustentação e ganho das televisões abertas está esgotada. O modelo baseava-se na audiência, produto vendido a preço de ouro ou de mercado para o anunciante, público e privado. O prestígio da grade televisiva produzia uma fidelidade capaz de fixar a atenção dos telespectadores tanto no programas quanto nos “breaks” publicitários.

Com a nova tecnologia digital, a grade não é mais compulsória; cada telespectador grava ou “reserva” o programa que lhe interessa para horário de sua conveniência, excluindo, se desejar, a publicidade.

Mudou o sistema de produção e controle dos produtos, antes inteiramente dos donos das televisões. O que era produzido nos estúdios passou a ser produzido também por empresas independentes que oferecem produtos com outra dicção para as telas. Muito mais do que isso, o perigo foi constatado pela produção feita pelos próprios espectadores, com celulares transformados em filmadoras, e divulgada nos novos suportes –seja no YouTube, seja nos blogs, ou no Facebook.

Afirmou-se o já verificado: as redes constituem um meio de comunicação incontrolável. Um garoto em São Paulo que filmou o assassinato de outro garoto dentro de um camburão –o vídeo foi posteriormente difundido pelo YouTube e canais convencionais– conseguiu a demissão de policiais. Infelizmente, também foi assassinado.

Imagine a perda de poder político das emissoras abertas. Outra ameaça que incomoda tanto as corporações como a cidadania é a perda de privacidade das pessoas e de segredos comerciais das emissoras.

Em verdade, a comunicação só teve quatro momentos exponenciais: Homero, Gutenberg, televisão e internet. Contudo, a internet não vai acabar com a TV, nem com Homero, nem com Gutenberg. A TV apenas mudou a tela da sala de jantar para outras inúmeras telas ou telinhas mais disponíveis. Até Homero, que teria compilado séculos de poesia oral em papiros, é lido num Kindle.

Só duas coisas vão mudar completamente: o modelo de negócio da comunicação, principalmente o da televisão, e a divulgação dos valores criativos, hoje realizada diretamente pela fonte.

E isso ficou visível no congresso de Zaragoza, que abrigou 500 propostas de programação alternativa e sustentável, selecionou e apresentou 21 delas, em fascinantes exposições ilustradas por seus criadores. Até o príncipe das Astúrias, presente, percebeu que as mudanças vão além das fronteiras confinadas.

JORGE DA CUNHA LIMA, 82, é presidente da Aliança Francesa e vice-presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e do Itaú Cultural

Acesse o PDF: O enterro do modelo de negócio da TV aberta (Folha de S.Paulo, 08/01/2013)

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