18/01/2014 – Minoria nos presídios, detentas sofrem com abandono do Estado e da família

18 de janeiro, 2014

(Última Instância) Representando cerca de 6% da população carcerária do país, mulheres têm seus direitos sistematicamente desrespeitados

Entre 2000 e 2010, o número de mulheres detentas mais que triplicou no Brasil. Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça, no período, o país passou de 10 mil para 35 mil detentas, um crescimento de 256%. Embora o número represente pouco mais de 6% do total da população presidiária, tal como nas prisões masculinas, as detentas também enfrentam superlotação, insalubridade, falta de acesso à Justiça, precariedade de instalações elétricas, falta de assistência médica entre outros problemas. No entanto, a situação se apresenta de maneira mais dramática, pois nos presídios femininos além da violação sistemática de direitos humanos e da omissão do Estado, elas enfrentam o abandono da família.

 

“Todos os estabelecimentos prisionais de São Paulo são absolutamente precários. Não existe assistência médica ou material nem nenhum tipo de direito que a própria Lei de Execução Penal garante, mas acaba ficando só no papel, sobretudo em São Paulo, que tem quase metade da população carcerária do país”, informa o defensor público Bruno Shimizu, da DP-SP (Defensoria Pública de São Paulo).

 

A falta de médicos se revela o problema mais grave enfrentado pelas presidiárias. Durante visitas realizadas na Penitenciária Tremembé II (SP), a Defensoria Pública do Estado constatou que a unidade não conta com atendimento de médico ginecologista, mesmo havendo gestantes, lactantes e com filhos recém-nascidos.

 

As detentas relataram à Defensoria, ainda, diversas queixas como o não atendimento médico-ginecológico antes ou após o parto, a não extração dos pontos de incisão, em caso de parto normal, a ausência de informações quanto ao tempo exato de gravidez, entre outros.

 

Abandono

 

“A Defensoria fez um levantamento sobre assistência material nos presídios de São Paulo, tanto na alimentação quanto em produtos básicos de higiene, e um dos dados mais chocantes que temos é que, em várias unidades prisionais, as mulheres tinham que usar miolo de pão como absorvente”, relata Shimizu.

 

De acordo com Bruno Shimizu, a deficiência estrutural e material com os homens acaba sendo suprida pelas visitas da esposa e dos familiares. “Quando o homem vai preso, dificilmente a esposa o abandona. A família acaba por melhorar a situação dele, tendo que suprir o que falta em termos materiais, mesmo com um comprometimento muito grande da renda familiar.”

 

A situação, porém, não é a mesma para as mulheres presidiárias. O abandono familiar, somado ao do Estado, traz a elas uma condição de miséria absoluta. “A mulher presa, no entanto, quase sempre é abandonada. Ela quase não recebe visitas. Para perceber a diferença gritante, é só passar em frente a uma unidade prisional masculina e uma feminina em dia de visita. Quando a presidiária recebe alguma visita, normalmente é a mãe. O marido sequer vai”, ressalta Shimizu.

 

Algemas no parto

 

Em São Paulo, um exemplo de violação de direitos humanos era, até recentemente, manter algemadas as presidiárias que estivessem para dar a luz durante todo o trabalho de parto. Em setembro de 2011, uma gestante que cumpria pena no Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha (SP) foi levada para o Hospital Estadual de Caieiras e permaneceu com pés e mãos algemados durante todo o trabalho de parto e a posterior internação.

 

A prática só foi abolida a partir de fevereiro de 2012, quando o governo de São Paulo proibiu o uso de algemas em parturientes. O Decreto Estadual nº 57.783 proibiu, “sob pena de responsabilidade, o uso de algemas durante o trabalho de parto da presa e no subsequente período de sua internação em estabelecimento de saúde”.

 

Mas em setembro de 2013, uma ação foi ajuizada pela Defensoria Pública exigindo o valor de R$ 50 mil de indenização, alegando tratamento cruel e degradante à gestante, bem como violação às Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Mulheres Presas, que aponta que “instrumentos de coerção jamais deverão ser usados contra mulheres prestes a dar à luz, durante trabalho de parto, nem no período imediatamente posterior”.

 

A situação das mães não melhora após o parto. De acordo com a Lei de Execução Penal, o período mínimo de amamentação é de seis meses, quando a criança deve obrigatoriamente permanecer com a mãe dentro da prisão. Após esse período, a unidade prisional deveria dispor de uma creche para que a criança mantivesse contato com a mãe. No entanto, esse direito, previsto na legislação, é violado nos presídios brasileiros.

 

“A lei também garante que a mãe pode ficar com a criança quando não tem com quem deixá-la, até a idade de sete anos, mas no geral as mães são pressionadas a entregar a criança logo após cinco meses e 29 dias, porque o Estado precisa da vaga. Portanto, a lei garante um direito que o Estado não acha necessário cumprir. Porque eu fico presa ou multada se não cumpro a lei, mas o Estado fica à vontade para cumprir o que quiser e ignorar o que quiser?”, afirma Heidi Ann Cerneka, da coordenadoria nacional da Pastoral Carcerária.

 

Segundo o defensor Bruno Shimizu, no estado de São Paulo o costume é de que, passados os seis meses, se não houver algum parente que se disponha a cuidar, a criança vai para um abrigo e passa por um procedimento de adoção. “Quando a mãe sai da unidade ela sequer sabe ou tem como saber para onde seu filho foi encaminhado. Até lá, o filho já está numa família substituta, ou até adotado, e a mãe passa o resto da vida inteira tentando procurá-lo sem sucesso, porque o processo corre em segredo de Justiça”, relata.

 

Este procedimento de adoção ocorre de maneira absolutamente ilegal, mas, segundo Shimizu, acaba sendo referendado pelos juízes. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que a mãe da criança deve ser ouvida, mas, na prática, elas são citadas por edital. Mesmo quando citadas pessoalmente, as mães não entram em contato direto com o processo, que acaba ocorrendo à revelia.

 

“O juiz, então, se fundamenta no fato de a mãe estar presa e que o melhor para a criança seria estar em outra família. A maneira como os poderes parentais são destituídos das mães é ilegal, mas, como muitas outras ilegalidades, é referendada pelo Judiciário. As crianças são tiradas de suas mães por uma ideologia preconceituosa que entende que a mulher, por estar presa, não pode ser mãe”, diz Shimizu.

 

Tráfico de drogas

 

Segundo dados do Projeto Mulheres do Depen, a maioria das presidiárias está no estado de São Paulo, tem ensino fundamental incompleto e idade entre 18 e 29 anos. Porém, um dado bastante relevante é de que 60% das mulheres são presas por tráfico de drogas.

 

Para Heidi, entre as hipóteses que vinculam as mulheres ao crime de tráfico entra a questão da mulher com pouca ou nenhuma qualificação profissional que precisa sustentar sua família, por ser mãe solteira ou chefe da casa. Além disso, é um crime não violento, em contrapartida ao roubo, delito mais comum entre os homens. Muitas também são usuárias que acabam vendendo uma pequena quantidade para sustentar seu uso. “Acredito que um crime desse tipo poderia dar pena alternativa, por ser não violento. Mas, se não houver apoio e oportunidades aqui fora, é difícil ver como ela pode ter chance a outra vida”, completa Heidi.

 

Dentro do crime de tráfico entra o que é conhecido como “tráfico de portaria”, que é a mulher que tenta entrar com drogas dentro da unidade prisional e é flagrada na revista íntima. “Em muitos desses casos, a mulher está levando porque foi pressionada, coagida ou o marido está ameaçado dentro da cadeia. São dominadas pelo marido que está preso e acabam sendo detidas por conta disso”, ressalta Shimizu. Além disso, muitas mulheres são presas por uma suposta conivência com os crimes do companheiro. “A polícia entra na casa, procurando o marido, que é traficante, e a mulher acaba sendo presa junto.”

 

Dessa forma, mesmo sendo presas, na maior parte das vezes, por motivos não violentos ou por simples vinculação aos crimes de outro, a situação das presas traz à tona a questão do machismo. “Essa política de se tratar a pessoa abaixo de qualquer nível de dignidade é uma política que não afeta só as mulheres, mas acaba tendo reflexos muito mais graves e cruéis para elas por conta do caráter patriarcal da sociedade”, completa Shimizu.

 

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