02/02/2014 – Vacinação contra vírus HPV divide opinião de médicos e famílias; Ministério prevê resultados em 30 anos

02 de fevereiro, 2014

(Folha de S.Paulo) Especialistas em saúde da família colocam em dúvida a segurança e a eficácia. Em março, vacina que protege contra câncer de colo de útero será ofertada pelo governo a meninas de 11 a 13 anos

A quase um mês do início da vacinação de meninas contra o vírus HPV em escolas e postos de saúde, um grupo de ao menos 28 médicos de saúde da família se diz contrário à imunização, gerando conflito com outras especialidades médicas.

Eles levantam dúvidas sobre a segurança da vacina e dizem que faltam evidências científicas de que ela vá mesmo proteger a mulher contra o câncer de colo de útero.

O Ministério da Saúde e três sociedades médicas (pediatria, ginecologia e de imunização) rebatem as críticas e garantem que a imunização é eficaz e segura.

A vacina, que será ofertada a partir de 10 de março a meninas de 11 a 13 anos, é recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

Estudos clínicos feitos até o momento demonstram que ela é eficaz contra verrugas e lesões genitais causadas pelo HPV. O vírus (tipos 16 e 18) está relacionado a 70% dos casos de câncer uterino.

“O câncer de colo mata, mas a vacina não demonstrou até o momento que evitará essas mortes. Ela previne as verrugas e lesões no colo do útero, que não matam. A maioria absoluta delas regride”, afirma o médico de família Gustavo Guzzo, professor de clínica geral da USP.

As lesões com chances de evoluir para câncer podem ser detectadas em exame papanicolaou, que deveria ser mais abrangente e eficiente no país, diz Rodrigo Lima, médico de família em Recife (PE).

“A vacina e o papanicolaou são estratégias complementares, não excludentes. A grande maioria das mulheres, independentemente do nível socioeconômico, não tem organização para fazer exames rotineiros de papanicolaou”, rebate o médico Gabriel Oselka, da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Para ele, o efeito da vacina na redução dos casos de câncer e na mortalidade ocorrerá a longo prazo.

O tumor é a quarta causa de morte por câncer em mulheres–são 9.000 por ano.

Os médicos de família também questionam a segurança da vacina. Em países como Espanha, EUA e Japão há relatos de reações graves, como paralisias e mortes. Mas não foi comprovada a relação desses eventos com a vacina.

Desde agosto, o Japão não recomenda mais a vacina.

“Só de imaginar uma filha minha com paralisias causadas por uma vacina dessas, descarto a ideia rapidinho”, diz Lima, pai de três filhas.

Nilma Neves, da Febrasgo (federação das sociedades de ginecologia e obstetrícia), diz que a vacina é segura e que as reações graves podem ter sido apenas coincidência.

Famílias também divergem sobre vacina

Não é só da parte de alguns médicos que o Ministério da Saúde deve enfrentar resistência na campanha de vacinação contra o HPV.

A vacina ainda provoca dúvidas entre os pais e alguns dizem que vão se opor à vacinação de suas filhas.

Na última semana, a Folha visitou quatro escolas públicas e privadas em São Paulo e conversou com 20 mães. Doze já decidiram que vão autorizar a vacinação, cinco dizem que vão se opor e três ainda não se decidiram.

A psicóloga Malu Feitosa, 49, é uma que já bateu o martelo: a filha H, 11, não será vacinada. A decisão foi amadurecida nos últimos seis anos.

“Quando ela tinha cinco anos, a médica da clínica de vacinação disse que, aos nove, ela já deveria tomar a primeira dose da vacina contra o HPV. Fiquei em choque.”

Segundo ela, no início, o primeiro pensamento foi de que a vacina seria uma espécie de “autorização” para o início precoce da vida sexual.

Malu diz que, com tempo, foi conversando com a filha e o marido, e a conclusão foi de que até os “15, 16 anos, não haverá vacinação”.

“A vida sexual envolve responsabilidade. A vacina previne contra o HPV, mas não contra outras doenças sexualmente transmissíveis, gravidez. Quando ela tiver responsabilidade para começar uma vida sexual, ela vai tomar a vacina. Até lá, vou dar a formação e a educação.”

Já a também psicóloga Alessandra Chohfi, 40, não vê a hora de a campanha começar e a filha J., 11, ser vacinada contra o HPV. “Se tivesse vacina para todas as doenças sexualmente transmissível, eu daria todas”, afirma.

“Camisinha estoura, acidentes acontecem, enquanto eu puder proteger minha filha de qualquer coisa que seja, eu farei isso. Eu não tenho controle sobre as coisas que podem acontecer com ela.”

Alessandra diz que ainda não conversou a filha sobre a vacina contra o HPV. “Como não conversei sobre a da caxumba ou da poliomielite.”

Ela diz que a filha só não foi imunizada ainda devido ao alto custo da vacina nas clínicas privadas.

“Tínhamos outras prioridades, e isso ficou em segundo plano, até porque a J. ainda é uma criança. Não cogita nem beijo na boca ainda”, diz a mãe de J., que estuda na rede privada.

Ministério prevê impacto positivo em até 30 anos

O secretário de vigilância em saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, afirma que a vacina contra o HPV terá um impacto da prevenção de mortes que será observada “daqui a 20, 30 anos”.

“É verdade que falta evidência, mas, por outro lado, é difícil dizer que isso não vá ocorrer, já que a vacina previne grande parte das infecções causadas pelo HPV.”

Ele continua. “Esse argumento [dos médicos de família] de que ela não previne mortalidade não faz sentido. Se o HPV é responsável pelo câncer de útero, por que eu devo espera três décadas para começar a usar a vacina que já pode estar protegendo essas meninas? Não seria eticamente aceitável.”

Outro benefício da vacinação contra o HPV observada em países que já a adotam há mais tempo é o chamado “efeito rebanho de imunidade coletiva”. “Ela está reduzindo a prevalência do vírus entre meninos e meninas mais velhas”, diz ele.

Barbosa afirma que não há nenhum relato comprovado de morte ou de sequelas graves relacionadas à vacina.

Nem no Japão, que deixou de recomendá-la após o registro de efeitos adversos graves, foi possível comprovar a relação deles com a imunização, segundo ele.

“Pode ter sido um lote ou algo que circulou naquele momento da vacinação. Outros países, com sistemas rigorosos de vigilância, não registraram nada grave”, diz.

Segundo ele, o desafio é estabelecer uma relação causal entre esses eventos e a vacina.

“Quando você vacina milhões de pessoas, na semana seguinte, muitas vão parar no hospital ou até morrer por razões que nada tem a ver com a vacina. Mas é preciso notificar e investigar cada um desses casos”, afirma.

IMPACTO

Mauro Romero Passos, chefe do setor de DST (Doença Sexualmente Transmissíveis) da Universidade Federal Fluminense, lembra que as doenças causadas por HPV vão além do câncer de colo e que a vacina terá um grande impacto sobre elas também.

Verrugas genitais, cânceres de cabeça e pescoço, de vulva, de vagina, de pênis, de ânus e de esôfago também estão associados ao HPV.

Segundo Jarbas Barbosa, secretário de vigilância em saúde do ministério, o início exato da vacinação em cada cidade vai depender do calendário estabelecido localmente.

O município de São Paulo, por exemplo, ainda não definiu quando e como será a vacinação, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.

Barbosa afirma que o esquema vacinal adotado no país será o “estendido”, em que a segunda dose é dada seis meses após a primeira, e a terceira dose é aplicada cinco anos após a primeira.

Na rede privada, a segunda dose é dada dois meses após a primeira.

O secretário explica que a estratégia brasileira é nova e já adotada por outros países, como a Suíça, como forma de estender a imunidade.

Acesse os PDFs: Vacinação contra vírus HPV divide opinião de médicos, Famílias também divergem sobre vacina e Ministério prevê impacto positivo em 30 anos (Folha de S.Paulo, 012/02/2014)

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