05/01/2014 – A Igreja Evangélica, o candomblé e as violências contra as mulheres, por Carla Akotirene

05 de fevereiro, 2014

(Correio 24horas) Segundo os dados do Ipea, 61% dos óbitos oriundos das violências de gênero são de mulheres negras. Contudo, permanecem, ainda, a miopia e o descaso político acerca do atravessamento da religião neste fato, tendo em vista a naturalidade e as permanências, sem perder como perspectiva ideológica a demonização das religiões de matriz africana.

Agressões e feminicídios, independentemente das classes, constituem fenômeno mundial, com repercussão em saúde e segurança pública, para os quais as intervenções do Estado requerem a interseccionalidade – abordagem prática, técnica e política cunhada pela feminista afroamericana Kimberly Crenschaw, de modo ativo para leituras sociológicas e intervenções consequentes.

Por meio da interseccionalidade entende-se que, embora resida no patriarcado a ideologia fundante de opressões contra o público feminino, as mulheres negras estão estruturalmente posicionadas em dinâmicas sociais que possibilitam as mesmas serem atingidas simultaneamente e várias vezes por marcadores sociais além da raça e identidade de gênero.

Ao olharmos para comunidades periféricas, por exemplo, percebemos a presença marcante de templos evangélicos, cumprindo o papel de poder e alcance terapêutico nas camadas médias, ao mesmo tempo proporcionando assimilações distorcidas sobre o lugar das mulheres dentro das relações sexo-afetivas quando permeadas por violências.

Se junto à conquista da Lei Maria da Penha, os movimentos de mulheres e feministas demandam uma atuação antirracista e antissexista nos expedientes profissionais de acolhimento às vítimas de violência, urge, também, entender na referida formação das/dos profissionais a importância da interseccionalidade.

De nada adianta acolher, escutar e encaminhar com celeridade as mulheres vítimas de violências à rede de atenção/proteção social cuja visão técnica não seja holística e integralizada. Se o olhar institucional não intuir haver nos contextos de violência o protagonismo de agressoras de arquétipo é viril.

Quantas mulheres diariamente deixam de apresentar queixas contra agressores porque na acepção cristã, toda a mulher sábia deve edificar a sua casa, e somente a tola com a denúncia a derrubará com as próprias mãos (Provérbio 14:1)? Quantas apresentam em serviços de saúde falas referentes às lesões provocadas por supostas irmãs, na verdade, namorados?

De cada 5 (cinco) atendimentos realizados às mulheres estupradas ou agredidas pelos companheiros, em três se verifica a ocorrência do discurso religioso, como desagregador da ruptura com o ciclo de violência e para uma denúncia justa.

Mulheres de candomblé, com uma frequência menor que as neopentencostais também apresentam discursos atenuantes à violência de seus companheiros, sob a justificativa de estarem estes em falta religiosa com determinado orixá; que após a iniciação, a paz espiritual favorecerá o fechamento do ciclo da violência.

Por outro lado há mulheres com a religiosidade identificada às santas e orixás guerreiras, não suscetíveis, portanto, a aceitação passiva de subordinações. E desta forma assinalam: “Somente Oxum pode me fazer chorar”. “Iansã, minha mãe, é guerreira, não deixará depender dele para nada”. “Bateu! descontei, pois sou de Santa Bárbara!”.

Importante para o atendimento à mulher vítima de violência a abordagem multiprofissional. Capaz de orientar a delegacia, porém atenciosa à orientação não jurídica das ialorixás que ao tomarem conhecimento de episódios violentos, indagam as entidades protetoras, buscam resolutividades de natureza penal, mas não exclusivamente do direito.

Manifestas pelo racismo e sexismo institucionais fracassam as instituições todas as vezes que privilegiam como único protocolo de atendimento a sabedoria do médico, a natureza estritamente curativa, a orientação fim para a delegacia, para um novo contexto de violência, apressado e sem qualquer medida protetiva.

Falha a instituição de  saúde quando na notificação não toma como dado estatístico a identidade religiosa da vítima. Negligencia as/os gestores/gestoras sobre o cenário epidemiológico do perfil de mulheres negras ou não negras fadadas pela religião aos ciclos de opressão.

Os prestadores de serviços precisam de entendimentos raciais, de gênero e identidade religiosa. Lentes para enxergar além das marcas visíveis; indagar e construir silêncios e empatias.

As/os profissionais da saúde e operadores do direito precisam de luz. Obrigam-se a estas categorias acenderem velas para instrumentalizações capazes de perceber masculinidades violentas, seus pontos de partida, condições religiosas e psíquicas, subjetividades, porque a religião e seus saberes marginalizados podem  ajudar na manutenção ou ruptura das mulheres com as violências de gênero.

* Carla Akotirene  é assistente social da Secretaria Municipal de Saúde e mestra em Estudos sobre Gênero e Mulheres pela Ufba

Acesse o PDF: Carla Akotirene: a Igreja Evangélica, o candomblé e as violências contra as mulheres (Correio 24horas – 05/01/2014)   

 

 

 

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