MPF aponta caminhos para fazer valer a lei contra o monopólio das comunicações

21 de fevereiro, 2014

(Luciana Araújo / Agência Patrícia Galvão, 21/02/2014) Na manhã desta sexta-feira (21), a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal realizou em São Paulo uma audiência pública para discutir o projeto de lei da mídia democrática. O evento foi organizado em parceria com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. A proposta em debate, construída por diversas organizações da sociedade civil, prevê a regulamentação dos artigos do Capítulo 5 da Constituição Federal no que diz respeito à comunicação eletrônica.

Com participação confirmada no evento, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e o Ministério das Comunicações não estiveram presentes. Diante das ausências, o procurador regional substituto, Jefferson Aparecido Dias, criticou o que denominou de “conivência” do poder público com a interdição deste debate, em função da pressão das empresas do setor.

No Estado de São Paulo, Jefferson Dias destacou que os procuradores elegeram como prioridades de ação o cancelamento de concessões que concentram mídias “além dos tênues limites colocados pela lei” e a fiscalização do cumprimento da legislação por parte das rádios na capital. Como exemplo de concessões ilegais questionadas, o procurador citou o caso do grupo de Comunicação Brasil Sat (CBS), do empresário Paulo Masci de Abreu, que possui oito outorgas de rádio FM – quando a lei permite o máximo de seis e três outorgas em onda média nacional, sendo que são permitidas apenas duas concessões desse tipo em nome de um mesmo cidadão brasileiro. O MPF/SP recomendou ao Ministério das Comunicações e à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) o cancelamento das concessões ilegais e a realização de novas licitações para outorgas destes serviços.

Em janeiro deste ano o MPF também recomendou ao Ministério e à Anatel que estabeleça em 90 dias um plano de fiscalização de todas as rádios comerciais do país, a ser realizado num período de seis meses. Em fiscalização realizada no Estado por solicitação da Procuradoria Regional, a Anatel verificou que 12 das 16 emissoras fiscalizadas estavam em situação irregular.

O procurador citou também outras investigações nas quais a PRDC atua, como o arrendamento de concessões a instituições religiosas e o caso de um site que comercializa controle acionário de concessões cujos processos ainda estão em análise pelo Ministério. “E nossa proposta a partir desta audiência pública é intensificar iniciativas em conjunto com o GT de Comunicação da PFDC em âmbito nacional”.

No início deste mês, a Procuradoria Regional em São Paulo também reiterou ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região parecer recomendando determinação para que a Rede Globo realize uma campanha sobre os direitos das mulheres. O parecer foi dado numa ação civil pública proposta pelo MPF em 2012, após a edição do programa Big Brother Brasil daquele ano ter exibido imagens apontadas como um suposto abuso sexual durante o programa. A ação foi julgada improcedente em primeiro grau, e o MPF recorreu.

Falta de regulamentação chega aos tribunais

O deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP) comentou a representação apresentada pela sigla ao Ministério Público Federal contra o SBT e a apresentadora Rachel Shererazade, que num telejornal da emissora defendeu ação de grupos autointitulados “justiceiros”, que prenderam um rapaz negro nu a um poste no Rio de Janeiro como punição por supostos furtos que teriam sido praticados pelo jovem. O apoio da apresentadora ao caso foi apontado por juristas, parlamentares e especialistas como incitação à violência e racismo. O deputado também criticou o novo adiamento da votação do projeto de lei do marco civil da internet, relatado pelo deputado federal Alessandro Molon (PT/RJ) na Câmara dos Deputados, em virtude da pressão dos oligopólios.

Também foi mencionada durante o evento a ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) que tramita no Supremo Tribunal Federal e foi impetrada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), questionando a multa aplicada às emissoras por descumprimento da classificação indicativa de programação estabelecida pelo Ministério das Comunicações em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, com vistas à proteção dos direitos da infância.

A questão da regulação é tema de outra ação no Supremo. Proposta pelo jurista Fábio Konder Comparato e subscrita por diversas organizações da sociedade civil, uma ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO) pede que a máxima corte jurídica do país se posicione diante da omissão do Legislativo e do Executivo em regulamentar o capítulo constitucional da comunicação passados 26 anos após a promulgação da Carta.

Principais pontos do projeto de lei

Pedro Ekman, representando o Intervozes e a coordenação da Campanha Para expressar a liberdade – que busca coletar um milhão e meio de assinaturas de brasileiros em apoio ao projeto de lei da mídia democrática, explicou as principais questões previstas no texto.

Espectro – O projeto de lei da mídia democrática (PLIP) prevê a divisão do espectro em três partes, conforme definido pela Constituição, para atendimento à complementariedade entre os entes difusores de comunicação eletrônica, reservando um terço do espaço para emissoras públicas ou comunitárias. Os outros dois terços ficam divididos entre as concessões comerciais e a radiodifusão estatal. Esse modelo já é seguido em diversos países com democracia consolidada.

Operador de rede – O PLIP separa a produção de conteúdo da transmissão, por meio de um operador nacional de rede que deverá oferecer estrutura nacional de operação do sinal de várias emissoras, possibilitando dividir as frequências de forma mais democrática e equilibrada, potencializando o crescimento da comunicação eletrônica pública, por exemplo.

Políticos – O texto regulamenta a proibição da detenção de concessões de rádio e TV por parlamentares em exercício de mandato e parentes destes em primeiro grau, regulamentando o artigo 54 da Constituição Federal.

Pesquisa realizada pelo Data Popular e o Instituto Patrícia Galvão no ano passado apontou que apenas 32% dos brasileiros sabem que a Constituição Federal de 1988 proíbe aos detentores de mandato eletivo terem concessões de radiodifusão. Mas 63% da população é contra políticos serem donos de rádios ou TVs e 69% compreendem que essas pessoas têm mais chances de serem eleitos ou reeleitos, desequilibrando ainda mais os processos de disputa eleitoral no país. Seis em 10 pessoas ouvidas na pesquisa são contra que apresentadores de rádio ou TV se candidatem a cargos públicos.

Produção nacional e diversidade – O PLIP também regulamenta a determinação constitucional de estabelecimento de cotas de produção independente, nacional e regional, dos conteúdos de radiodifusão, destinando percentuais para cada uma dessas esferas.

Proteção à infância – O projeto inclui ainda na regulamentação a proteção à infância, por meio da classificação indicativa.

Participação social – Cria o Conselho Nacional de Comunicação Social, com representação do Estado, concessionários e sociedade civil, para atuar como órgão auxiliar do Poder Executivo na fiscalização do cumprimento da legislação nacional e na formulação de políticas públicas para o setor. Cria também a Defensoria dos Direitos do Público, com a função de assegurar o respeito aos direitos humanos no campo da comunicação.

Contra censura – O texto veda explicitamente qualquer tipo de censura prévia e utiliza como referência a regulamentação já existente em países como Portugal, Inglaterra, Estados Unidos e Argentina para assegurar a preservação dos direitos humanos e impedir a monopolização do setor.

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