São Paulo terá conselhos municipais para as mulheres em 2015

24 de março, 2014

(Rede Brasil Atual, 24/03/2014) Apesar de não haver um monitoramento preciso sobre os casos de violência doméstica na capital paulista, existem pelo menos 54 mil processos tramitando com base na Lei Maria da Penha, que pune violência doméstica e sexual contra mulheres, como informou a secretária municipal de Políticas para as Mulheres, Denise Motta Dau, à RBA, em entrevista.

‘Embora seja óbvio que não é natural um homem agredir uma mulher, a cultura na qual elas foram criada as induz a tolerar’, Denise Motta Dau
Foto: Geraldo Lazzari/RBA

Segundo Motta Dau, os distritos da cidade de maior incidência de atos violentos contra as mulheres são Sapopemba, na zona leste, Cidade Ademar e Campo Limpo, na zona sul e Brasilândia, na zona norte. “Pretendemos refinar o monitoramento em parceria com a Secretaria Estadual de Segurança Pública”, informou a secretária, que há um ano assumiu uma pasta inédita no município. “A gente se ressente de não ter mais apoio do estado.”

Uma das ações para o prioritário combater à violência doméstica será o lançamento, nesta segunda-feira (24), da campanha “Quem Ama Abraça”, que repassará kits aos professores das escolas municipais para orientar debates sobre combate à violência contra a mulher. Além disso, ocorrerá a entrega da primeira unidade móvel para atender as mulheres vítimas de violência, que circulará por distritos da zona sul e leste.

Na entrevista, a secretária afirmou que a Casa da Mulher Brasileira, um centro de atendimento e acolhimento de vítimas de violência doméstica, será entregue ainda este ano, no Cambuci, região central da capital. Na área da Saúde, o município vai capacitar mil profissionais para atender mulheres, de forma que cada região conte com pelo menos 200 deles. A partir de 2015 será instaurado na cidade o Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres.

Confira a entrevista.

Essa secretaria foi criada no ano passado, no começo da gestão de Fernando Haddad. Como foi esse primeiro ano de atuação?

O principal desafio foi estruturar a secretaria, do ponto de vista de recursos humanos e orçamento, e ao mesmo tempo construir as diretrizes políticas e os projetos. Tínhamos de trabalhar para colocar a equipe em boas condições e para estruturar um plano de metas para a secretaria e para o governo. A organização foi pensada sobre quatro diretrizes: enfrentamento à violência contra a mulher; geração de trabalho e renda; participação social; e transversalidade, para que o tema das mulheres passe a ser incorporado nas outras secretarias.

O que tem sido feito para alcançar a diretriz de combater a violência contra a mulher?

Estamos tendo uma ação forte junto com a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. São Paulo, e mais 26 capitais, terão uma Casa da Mulher Brasileira, que faz parte do programa federal Mulher Viver Sem Violência. Aqui ela vai ficar no bairro do Cambuci e será inédita, porque reunirá em um só lugar delegacia da mulher, serviços de atendimento psicológico e social, cursos de capacitação e encaminhamento para emprego.

Isso porque a lei Maria da Penha é muito boa, mas se não houver uma política de estado que garanta o acesso da mulher a esses serviços ela não tem eficácia. Anexa à Casa da Mulher Brasileira haverá uma casa de passagem, que vai hospedar mulheres e filhos, de 0 a 15 anos, por até 20 dias, renováveis por mais 15 dias. Será uma gestão bipartite, do município e do estado.

A prefeitura tinha a perspectiva que ela fosse inaugurada em março, certo?

Tínhamos o desejo, mas o edital para contratar a construtora está saindo este mês pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Como são módulos pré-moldados, a construção é rápida, leva de dois a três meses. A ideia é inaugurar ainda em 2014.

Já existe uma estrutura no município para atender as mulheres vítimas de violência. Inclusive há uma casa de atendimento, a Casa Eliane de Grammont. Qual a diferença para a Casa da Mulher Brasileira?

Ao todo temos dez equipamentos: cinco Centros de Cidadania da Mulher, três Centros de Referência da Mulher, uma Casa Abrigo e uma casa de apoio aos direitos sexuais e reprodutivos, a Casa SER, na zona leste. Eles não são exatamente especializados no enfrentamento a violência.

A Casa Eliane de Grammont é um centro de referência que tem atendimento psicológico, social e assessoria jurídica. A Casa da Mulher Brasileira vai ter delegacia, Tribunal de Justiça, cursos de capacitação, encaminhamento para emprego, atendimento em saúde e cadastramento das mulheres no Cadastro Único do governo federal. Ela coloca no mesmo local vários serviços.

Além disso, a Casa da Mulher Brasileira vai hospedar as vítimas de violência. E aí temos uma novidade: em anexo ao terreno da casa Eliane de Grammont iremos construir uma casa de passagem para hospedar mulheres e termos um serviço um pouco mais completo.

Outra novidade é que o estado de São Paulo vai receber três unidades móveis para atender as mulheres vítimas de violência em regiões mais distantes. A primeira entrega será na segunda-feira (24). São ônibus com duas salas de atendimento individualizadas, acesso à internet, impressora, notebooks, banheiro e cadeiras que podem ser colocadas embaixo de um toldo para fazer grupos de trabalho e conversa. Os ônibus transportarão dois motoristas, uma psicóloga, uma assistente social, uma delegada, e um profissional da saúde. Na capital vamos usar na região de Parelheiros e Marsilac, na zona sul, e no extremo leste.

É preciso ter essa rede muito estruturada. Embora seja óbvio que não é natural um homem agredir uma mulher, a cultura na qual elas foram criada as induz a tolerar. É só ligar a TV que vemos que a mulher é estimulada a aceitar. Porque você acha que tantas mulheres retiram a queixa? Não é porque ela acha que é natural apanhar, é porque dentro do contexto de opções que ela tem ela acaba ficando ali.

Muita gente pensa que se a mulher tem um serviço de qualidade ela rompe com a violência, mas não é bem assim: ela precisa ter acompanhamento para se manter estruturada e forte até o final do processo.

Nesse sentido, de uma abordagem mais ampla, estão previstas campanhas de conscientização nas escolas?

Segunda-feira (21), junto com o recebimento do ônibus, vamos lançar uma campanha chamada “Quem Ama Abraça”, em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, com o Instituto Avon e com o Instituto Rede. A destinação são as escolas, em parceria com a Secretaria Municipal da Educação. Todos os educadores terão um kit com material orientador para fomentar diálogos sobre o combate à violência conta a mulher.

A secretaria fará pesquisas para monitorar os casos de violência contra a mulher?

É difícil ter um monitoramento mais detalhado e aperfeiçoado. Tem muita subnotificação, muitas mulheres que não registram queixa e que retiram queixa. Na capital existem cerca de 54 mil processos tramitando com base na Lei Maria da Penha de denúncia de violência doméstica e sexual.

Mas pretendemos refinar o monitoramento em parceria com a Secretaria de Segurança. A gente já sabe quais são as regiões mais violentas: na zona leste é na região de Sapopemba, na zona sul em Cidade Ademar e Campo Limpo e na zona norte em Brasilândia.

Fizemos uma parceria com a Secretaria de Serviços para pensar a iluminação da cidade baseada nos pontos onde ocorre mais violência contra a mulher. Mas para você saber a rua onde essa violência aconteceu você precisa olhar o Boletim de Ocorrência e a Secretaria Estadual de Segurança pública só passa uma estatística geral.

A Secretaria Municipal tem bastante relação com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal. Como é a relação com o governo do estado?

Com o governo do estado o principal ponto de articulação é a Casa da Mulher Brasileira e uma campanha, que também veio do governo federal, chamada Compromisso e Atitude, de implementação da Lei Maria da Penha no estado. A gente se ressente de não ter uma política maior de apoio do estado aos municípios. Não há estímulo à criação de secretarias municipais de políticas para as mulheres nem à criação de fóruns regionais das gestoras de políticas para as mulheres, nem espaços para discutir sobre as delegacias da mulher.

Nesta semana foi anunciada a criação de seis centros de parto. Qual a diferença destes centros para as casas de parto e por que optaram por esse modelo?

Há um diagnóstico dos profissionais de saúde da importância de ter acesso rápido a uma tecnologia maior caso um parto normal se complique. Por isso se optou por instalar centros de parto natural dentro dos hospitais. Serão construídos seis em hospitais municipais e dois em estaduais, que juntos terão capacidade de realizar 80 partos por mês. O objetivo é reduzir o número de cesarianas desnecessárias. Denominar um espaço como um centro de parto normal já ajuda a desconstruir a cultura da cesariana, que é imposta para as mulheres.

Qual a estrutura atual do município para o Aborto Legal? Há alguma iniciativa para desburocratizar o acesso?

Quando a gestão assumiu, o serviço de aborto legal no Hospital Municipal do Jabaquara estava desativado porque não tinha médico. A Secretaria Municipal de Saúde conseguiu uma médica que vai começar a atender a partir de abril. Além disso, será implementado um serviço novo no Tide Setúbal (hospital municipal em São Miguel Paulista, zona leste).

Foi aprovado no ano passado um decreto da presidenta Dilma Rousseff que orienta os procedimentos dos profissionais de saúde, segurança ou justiça para agilizar os registros de ocorrências. Esperamos que ajude a mulher a acessar esse serviço com mais rapidez, tanto no caso de estupro, que é a maioria, quanto de risco de vida da mãe.

Houve uma prioridade da Secretaria Municipal de Saúde em zerar a fila de espera para exames ginecológicos. O que mais está previsto para a saúde da mulher?

Foram realizados 120 mil exames. Foi bem satisfatório e mostrou que a demanda estava mesmo reprimida. O desafio agora é o acompanhamento, do momento que você consegue detectar o problema até começar o tratamento.

Fizemos uma parceria com Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres para capacitar profissionais de saúde na área de direitos sexuais e reprodutivos. Muitas vezes o profissional da saúde não está preparado para lidar com uma mulher que tem autonomia e toma suas decisões sobre seu corpo, seja dialogando sobre qual o método contraceptivo que ela quer, seja uma mulher jovem que quer fazer vasectomia ou uma mulher mais velha que quer ter um filho.

Vamos capacitar 1.000 profissionais de saúde, sendo 200 de cada região. Além disso, vamos deixar uma unidade básica de saúde de referência para a mulher em cada região.

Há alguma articulação com a secretaria de Educação para ampliar o atendimento em creches, uma demanda histórica dos movimentos feministas?

Participamos do grupo de trabalho que fez o levantamento de terrenos para as novas creches. Ao todo, 62 terrenos já estão em licitação e sabemos que alguns terão que passar por desapropriação. As tarefas domésticas ainda não são compartilhadas paritariamente e muitas mulheres não contam com um parceiro para dividir essas atividades. Então as creches são cruciais para que elas tenham acesso ao mercado de trabalho.

As mulheres têm muitas especificidades dentro das políticas públicas. Na habitação conseguimos retomar o aluguel social para as mulheres vítimas de violência doméstica, com prioridade; com o setor de trabalho temos uma parceria para implantar postos de atendimento especializado para as empregadoras e trabalhadoras domésticas, sobre os novos direitos; na cultura estamos fazendo um trabalho de lançar editais específicos para mulheres artistas e implantar uma biblioteca com temática feminista, na zona leste.

Além disso, montamos o comitê intersetorial de políticas para as mulheres, do qual participam 19 secretarias, para motivá-las a incorporar políticas para as mulheres em seus programas.

Está prevista a implantação de espaços específicos de participação política para a mulher?

Vamos implantar, em 2015, um Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres. Estamos começando pela construção de fóruns regionais, por meio de um edital da Secretaria Nacional de Politicas paras as Mulheres, do governo federal. A ideia é acumular mais experiência para criar o Conselho Municipal de Políticas paras as Mulheres.

Achamos que depois de oito anos em que a cidade foi submetida a uma baixíssima participação social, era precoce partir direto para o conselho, então buscamos a estratégia dos fóruns regionais.

Serão quantos fóruns?

Pretendemos fazer 16 plenárias regionais e eleger delegadas para termos cinco fóruns, um em cada região da cidade.

Qual vai ser a responsabilidade do Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres?

Além de debater e avaliar as políticas públicas para as mulheres, estamos trabalhando na regulamentação de um decreto aprovado na Câmara Municipal que prevê participação paritária entre homens e mulheres em todos os conselhos. A ideia é ter um grupo de trabalho com cinco pessoas, que monitore essa situação.

Colaboraram Patrícia Iglecio e Malú Damázio.

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