Grife Sérgio K escancara machismo e homofobia em camisetas para a Copa

11 de abril, 2014

(Folha de S.Paulo, 11/04/2014) A desastrosa empreitada do empresário Sergio Kamalakian, que causou revolta nas redes sociais ao lançar uma linha de camisetas para a Copa do Mundo com os dizeres “C. Ronaldo é gay” e “Maradona Maricón”, citando os ídolos do futebol português e argentino, respectivamente, escancara um dos lados mais podres do marketing usado pelas marcas moderninhas de moda masculina.

Para alcançar sucesso comercial entre os homens que veem moda como “coisa de veado”, algumas grifes lançam campanhas e linhas de roupas “para macho” com o intuito de desvincular sua imagem colorida e fashionista do universo gay.

Não por coincidência, essas grifes fazem sucesso entre os homossexuais e tentam, em menor ou maior grau, seja por meio de campanhas ou vestindo celebridades, “masculinizar” sua imagem.

Carros, relógios e mulheres, por exemplo, são elementos dos anúncios publicitários da maioria das grifes de moda masculina.

No caso da Sergio K., essa lógica extrapola os limites do bom senso para desbocar no humor barato e homofóbico. Uma ironia, já que boa parte dos seus consumidores são mauricinhos da classe média alta e gays adeptos de calças justas e camisaria cheia de detalhes e cores que são vendidos nas lojas.

Curiosamente, as campanhas da grife também costumam ter conotação sexual direcionadas ao público homossexual, com modelos de cueca à la Calvin Klein em poses sensuais. Na última peça publicitária, o transexual Oliwer Mastalerz foi escalado como garoto-propaganda.

Sergio K Conotacao Homossexual

Ao que parece, a escolha por Mastalerz foi pensada mais por um certo teor exótico do que pela discussão de questões de gênero e identidade sexual, como fez o estilista Riccardo Tisci na Givenchy ao colocar a modelo transexual Lea T. na passarela da marca.

A grife Sergio K. sempre usou do humor para vender seu lifestyle descontraído, sarcástico e pretensamente irônico. Já lançou até camiseta com estampa de remédio controlado, que, aliás, fez bastante sucesso nas festas da boate gay paulistana The Week.

Vale lembrar que não é de hoje que a marca mostra ter problemas com segmentos de mercado específicos. Em 2010, em sua conta do Twitter, a grife soltou a pérola: “pobre é igual a papel higiênico, quando não tá no rolo, tá na merda”.

À época, Kamalakian disse em comunicado que um funcionário da grife havia postado o absurdo e tudo ficou por isso mesmo. Agora, no mesmo Twitter, o empresário pisou ainda mais na “merda” e corre um risco real de ir parar “no rolo”.

Não bastasse o humor duvidoso, o empresário ofendeu clientes da marca revoltados com o lançamento das camisetas, com comentários do tipo “meu nome não é osso para estar na boca de cadela” e “seus babacas”.

Antes de ter colocado na vitrine o maior mico do varejo de moda neste ano, talvez o empresário devesse dar mais atenção ao noticiário.

Em janeiro, o estudante Samuel Abreu, 20, foi condenado a indenizar um policial que o processou por aparecer nas redes sociais em uma foto ao lado de Abreu, que trajava uma versão similar da camiseta polêmica.

A inscrição “He’s Gay”, ele é gay, em inglês, era acompanhada de uma seta que apontava para o PM.

O fato mostra dois lados de um mesmo preconceito enrustido: o de Abreu, que usou o termo para “brincar” com o agente, e o do policial, que se incomodou em ser taxado de homossexual, embora tenha dito que moveu o processo por violação do direito de imagem.

A moda é um dos principais meios de autoafirmação e, tendo em vista o caso de Kamalakian, nos mostra que o caminho para o fim de certos preconceitos é mais longo do que se imaginava.

Pedro Diniz é jornalista de moda e já foi colunista da “sãopaulo” e do “Guia”. Também passou pelas redações da “Harper’s Bazaar” brasileira e do “Jornal do Commercio” (PE). 

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