Pesadelo na Nigéria impulsiona lei mundial contra violência de gênero

16 de maio, 2014

(Opera Mundi, 16/05/2014) Mais de cem representantes de organizações civis se uniram para pressionar o Senado norte-americano a aprovar uma lei punindo a violência contra as mulheres e as crianças no mundo e para desestimular o casamento infantil, após a comoção gerada pelo sequestro de mais de 200 adolescentes na Nigéria. Um grupo bipartidário de senadores apresentou, no dia 9, um novo projeto de Lei Contra Violência Internacional Contra as Mulheres (Ivawa), que inclui fundos para iniciativas que atendam os principais objetivos da norma e exijam maior coordenação entre as diferentes agências dos Estados Unidos que se ocupam do fenômeno.

“Aprovada, haverá uma lei e uma política estatal nos Estados Unidos sobre a violência contra as mulheres que não dependerá da orientação política de nenhum governo”, afirmou à IPS Jacqueline Hart, vice-presidente de avaliação, investigação e aprendizagem estratégica do AJWS (American Jewish World Service). A AJWS é uma organização de direitos humanos e desenvolvimento internacional que ajudou a instrumentar a mobilização que o grupo representativo de ativistas realizou no dia 13 para pressionar o Senado.

Esse projeto não é novo no Congresso. Uma versão anterior ficou pelo caminho porque os legisladores do opositor e direitista Partido Republicano acharam que poderia ser usado para apoiar abortos e outros direitos reprodutivos das mulheres. A nova versão foi aprovada pela Câmara de Representantes no final do ano passado e parece que acontecerá o mesmo no Senado.

Arcebispo da Cidade do Cabo, na África do Sul, participa de protesto silencioso em apoio às meninas sequestradas na Nigéria. Agência Efe

A violência de gênero é uma das violações de direitos humanos mais presentes no mundo e é alvo de um dos maiores graus de impunidade, segundo várias organizações, como Anistia Internacional, com sede em Londres, e Human Rights Watch, com sede em Nova York. Pelo menos uma em cada três mulheres apanhou, foi forçada a praticar sexo ou sofreu outro tipo de abuso em sua vida, segundo a ONU Mulheres, a entidade da ONU (Organização das Nações Unidas) para a igualdade de gênero e o empoderamento feminino.

“O projeto de lei concede prioridade diplomática à necessidade de terminar com a violência contra as mulheres e as meninas”, disse a senadora republicana Susan Collins, uma das incentivadoras da iniciativa. “O mundo acaba de ver um exemplo espantoso de mulheres e meninas tratadas como propriedade e moeda de troca política na Nigéria, onde a organização terrorista Boko Haram sequestrou 200 adolescentes e ameaça vendê-las com escravas ou obrigá-las a se casarem”, acrescentou.

“Infelizmente, essa não é só a perspectiva de dirigentes terroristas. O ICRW (Centro Internacional de Investigação sobre Mulheres) afirma que uma em cada nove meninas no mundo se casa antes dos 15 anos. É uma prática danosa que lhes tira a dignidade e, frequentemente, atenta contra sua educação, bem como aumenta os riscos para sua saúde e perpetua a pobreza”, apontou Collins.

A lei apoiará programas a favor de normas nacionais que penalizem a violência e os abusos contra mulheres e meninas, e também os que capacitam policiais, promotores e juízes sobre como lidar com esses casos e que ampliem os centros de saúde especiais para elas. Também apoiará projetos que lhes ofereçam mais opções de vida, em particular quanto a educação e oportunidades econômicas, e em países onde o casamento infantil é uma prática comum.

Cerca de 14 milhões de meninas e adolescentes se casam anualmente antes dos 18 anos, segundo a organização Girls Not Brides (Meninas, Não Noivas). A maior proporção de matrimônios infantis ocorre na região africana do Sahel. Em Níger, 75% das meninas se casam ainda menores de idade, seguido da República Centro-Africana e do Chade. O casamento precoce acontece em todo o mundo, embora a maior quantidade de casos seja registrada na Índia.

Segundo a ONU Mulheres, há 64 milhões de meninas casadas no mundo. O matrimônio precoce submete as meninas a diferentes tipos de abusos, desde violência sexual até problemas de saúde. Também aumenta as possibilidades de abuso físico ou sexual na relação. Na Etiópia, 81% das adolescentes descreveram sua primeira experiência sexual como forçada. Além disso, esse problema está estreitamente relacionado com o desenvolvimento. Com a redução de 10% dos casamentos precoces, se poderia reduzir em 70% a mortalidade infantil, segundo a Girls Not Brides.

A mobilização no Capitólio, sede do Congresso norte-americano, aconteceu após um encontro organizado no dia 12 pela AJWS, no qual foi apresentada uma nova pesquisa sobre casamento precoce feita pela Nirantar, uma organização feminista da Índia. A investigação, que ainda não foi publicada, não se concentra na idade apropriada para casar, mas indaga o papel que essa instituição desempenha na estrutura social da Índia.

“Quando se fala de casamento precoce, sempre se ressalta a parte precoce da questão e não a parte do matrimônio”, pontuou Archana Dwivedi, subdiretora da Nirantar. “O que tem de mágico o número 18?”, perguntou. “Sempre costumamos usar matrimônio infantil como sinônimo de casamento forçado, mas não é assim. Nem todos os casamentos menores de 18 anos são forçados nem todos os de maiores de 18 são por escolha”, destacou à IPS.

“Imagine um gay casado com uma menina ou uma menina lésbica casada com um homem. Poderia ser igual, ou até mais traumático, pois o casamento é uma licença para as relações sexuais”, explicou Dwivedi. Nos concentrarmos na idade nos distrai das maiores de 18 anos que continuam sofrendo as consequências de terem casado jovens, acrescentou, lembrando que embora costumemos passar por alto, as consequências vão além da saúde física das mulheres.

“Se dá muita ênfase à saúde materna, o que reforça a visão patriarcal das mulheres como meras reprodutoras de crianças sãs. Mas o que há de saúde mental, de como se sentem? Depois do casamento se dão por encerradas todas as oportunidades da vida, não resta nada para sonhar nem para desejar”, ressaltou Dwivedi. A ativista afirmou que as organizações que trabalham para acabar com o casamento infantil devem aplicar diferentes indicadores para avaliar a efetividade de seu trabalho.

Muitas delas registram quantos casamentos evitaram ou atrasaram, mas não se concentram na necessidade de mudar os padrões culturais e sociais sobre o casamento precoce, nem sobre a própria instituição. É pouco provável que, aceitando as explicações comuns sobre o casamento precoce, como culpar a pobreza, se consiga mudar atitudes profundamente arraigadas. Por outro lado, prestar atenção às expectativas relacionadas com o matrimônio em si mesmo gerará mais opções para as meninas e as mulheres e, portando, as empoderará.

“Nas famílias urbanas de classe alta, os pais ainda gastam metade de seu dinheiro na educação do filho homem e a outra metade no casamento de sua filha”, ressaltou Dwivedi. “O problema é que os pais acreditam que o casamento é a única opção viável para as meninas. Atuam com a melhor intenção para que suas filhas se assentem e não para arruinar-lhes a vida, mas para estabilizá-las. Contudo, há um problema com nossa ideia de estabilidade”, acrescentou.

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