Bancas se recusam a defender leis contra casamento homossexual nos EUA

14 de junho, 2014

(ConJur, 14/06/2014) É politicamente correto discriminar discriminadores. Pelo menos, isso é o que indica um levantamento de Agência Reuters. O grupo examinou 100 ações judiciais relacionadas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo que tramitaram nos tribunais americanos no último ano, e descobriu que o número de grandes bancas que aceitaram representar opositores ao casamento gay é zero.

Em contraste, as 200 maiores bancas do país, as que fazem parte do ranking “Am Law 200”, estão se preparando para entrar em um grande confronto, na Suprema Corte, entre defensores e opositores do casamento gay. A batalha é esperada para o próximo ano judicial, que começa na primeira segunda-feira de outubro. Todas as bancas atuarão em favor de apenas uma das partes, a dos defensores do casamento homoafetivo.

De acordo com o levantamento da Reuters, 30 bancas já representam demandantes que desafiam leis estaduais que proíbem o casamento gay. E muitas outras participam com a apresentação, nos tribunais, de petições de amicus curiae. Elas deverão fazer o mesmo na Suprema Corte.

Muitas das grandes bancas definiram uma política interna e estão fazendo esforços para representar ou apoiar o casamento gay, trabalhando gratuitamente, dentro de seus programas de atuação pro bono — ou com honorários muito reduzidos — na prestação de serviços jurídicos que consideram de interesse público.

Esse “fenômeno”, segundo a Reuters, indica que as grandes bancas atingiram o seu “momento Mozilla” — em abril, o CEO da Mozilla, Brendan Eich, foi obrigado a renunciar, depois que grupos de defesa do casamento homoafetivo denunciaram que ele fez uma doação aos defensores da lei da Califórnia que proibia o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A lei foi derrubada pela Suprema Corte dos EUA.

Agora, advogados de grandes escritórios que pretendem defender opositores ao casamento homoafetivo estão recebendo a mensagem de que podem fazer isso, se quiserem, mas em outro lugar.

E isso já está acontecendo. No início do ano, o advogado Gene Schaerr teve de deixar a Winston Strawn, uma banca de Washington, D.C., com 850 advogados, da qual era sócio, para representar seu estado natal, Utah, cuja legislação proíbe o casamento homoafetivo. Em um e-mail que se tornou público, Schaerr, que é mórmon, declarou que estava “seguindo seu dever religioso e familiar”.

O advogado Paul Clement, também de Washington, D.C., deixou a King & Spalding depois que a banca decidiu abandonar a representação de um grupo congressional que defendia a lei federal derrubada pela Suprema Corte, a que estabelecia que o casamento só existe entre um homem e uma mulher.

Em sua carta de pedido de demissão, também tornada pública, Clement declarou que agiu “dentro de sua firme convicção de que a representação não pode ser abandonada porque a posição jurídica do cliente é extremamente impopular em alguns meios. Defender posições impopulares é o que os advogados fazem”.

Ser popular é mais conveniente, diz o advogado Theodore Olson, sócio da Gibson Dunn. Ele e o advogado David Boies eram, provavelmente, os dois advogados mais impopulares do país, porque eles defenderam o ex-presidente George Bush contra Al Gore na disputa presidencial de 2000, que terminou na Suprema Corte. Bush ganhou na corte uma eleição que, tecnicamente, havia perdido no número de votos, e assumiu a Casa Branca.

Olson não ousava aparecer nas universidades, até que defendeu, na Suprema Corte, os oponentes à lei da Califórnia que proibia o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Eu não tinha ideia do que é ser popular e bem aceito em um campus universitário. De repente, o monstro que eu era, por causa do processo Bush versus Gore, deixou de existir”, ele disse à agência de notícias.

As bancas de maior porte normalmente são sensíveis ao “índice de igualdade corporativa”, publicado anualmente pela Campanha de Direitos Humanos, um grupo de defesa dos direitos dos homossexuais. A maioria das grandes bancas obtém o índice 100%. O índice da Foley & Lardner, porém, caiu para 60%, por representar “clientes claramente discriminatórios”. Em 2013, a banca abandonou esses casos e seu índice subiu para 100%.

“O medo é um motivador saudável para se fazer as coisas certas”, disse à Reuters o porta-voz da Campanha de Direitos Humanos, Fred Sainz. “Nossa organização não nega à outra parte o direito de ser representada em juízo. Tudo o que fazemos é ‘julgar’ esses advogados”, afirmou.

As bancas e seus advogados, que já se engajaram na defesa dos casais homoafetivos, dizem que sentem “uma obrigação social” que os leva a tomar partido. “Há um desejo de promover a questão extremamente importante da igualdade”, diz a advogada Kimberly Parker, presidente do comitê pro bono da WilmerHale, uma banca com mil advogados que já apresentou petições de amicus curiae em Utah, Oklahoma e Virgínia.

A atitude das grandes bancas e as explicações apresentadas até agora para o fato de tomarem partido na disputa entre defensores e opositores do casamento gay podem gerar controvérsias. Mas as bancas têm um bom argumento: não podem aceitar casos que gerem conflitos de interesse com seus atuais clientes, normalmente grandes corporações.

Elas já deixaram bem claro sua posição: são a favor da legalização do casamento homoafetivo em todo o país. No ano passado, antes da audiência na Suprema Corte para discutir a lei federal e a lei da Califórnia que proibiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, 278 corporações de grande porte protocolaram na corte um “amicus brief” a favor do casamento gay.

Assinaram a petição, entre outras corporações, Microsoft, Apple, Google, Facebook, Citigroup, Amazon, Pfizer, Starbucks, Walt Disney, Johnson & Johnson, Reuters, Broadcom, Marriott International, Orbitz e Twitter, todas com o mesmo problema: a concessão de benefícios aos trabalhadores se torna extremamente complicada, com alguns estados banindo o casamento gay e outros aprovando.

Apesar da decisão favorável da Suprema Corte, o problema continua, porque apenas 19 dos 50 estados americanos aprovaram, até agora, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Alguns estados aceitam casamentos gays feitos em outros estados. Outros, não. De qualquer forma, a maioria dos “clientes corporativos” já instituiu políticas internas em favor dos direitos dos homossexuais.

Outra descoberta das grandes bancas — e quem sabe também das de porte médio — é a de que é mais fácil recrutar novos advogados quando o escritório assume claramente a posição de defesa da igualdade — ou de discriminar quem discrimina.

As leis estaduais que banem o casamento entre pessoas do mesmo sexo são defendidas, normalmente, por advogados do estado. Mas as procuradorias buscam, muitas vezes, contratar uma banca de grande porte para apoiá-los nessa tarefa. Em vão. As bancas se recusam a defender leis que consideram discriminatórias. Os advogados do estado conseguem apoio de advogados de organizações religiosas ou conservadoras, no entanto.

Por João Ozorio de Melo

Acesse no site de origem: Bancas se recusam a defender leis contra casamento homossexual nos EUA (ConJur, 14/06/2014)

 

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