Mulheres sofrem violência no asfalto ou na favela

08 de agosto, 2014

(Brasil 247, 08/08/2014) Lei Maria da Penha, que completou oito anos ontem, é responsável por 60% das ocorrências registradas na delegacia que cobre a área da Rocinha. “A diferença é que, nas comunidades, as mulheres, pelos problemas sociais, sentem-se mais vulneráveis e fragilizadas”, afirma a assistente social Laís Araújo, coordenadora do Núcleo contra a Violência Doméstica do Viva Rio

A Lei Maria da Penha, que tipifica situações de violência doméstica e determina que esses casos sejam apurados e encaminhados para o Ministério Público, completou oito anos ontem (dia 7). Na favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio, 60% das ocorrências registradas na 11ª Delegacia de Polícia (DP) são relacionadas à Lei Maria da Penha, como mostra matéria publicada no site do Viva Favela. Para a coordenadora do Núcleo contra a Violência Doméstica do Viva Rio, Laís Araújo, a agressão contra a mulher ocorre tanto na favela quanto no asfalto. “A diferença é que, nas comunidades, as mulheres, pelos problemas sociais, sentem-se mais vulneráveis e fragilizadas”, afirma a assistente social. A coordenadora do Centro de Referência de Mulheres da Maré, Erika Fernanda de Carvalho, concorda que o fenômeno é “democrático”. Para ela, a diferença está na proteção social da vítima. “Uma mulher que denuncia a violência tem filhos e precisa se sustentar, mas não há creche em tempo integral para deixar as crianças. Para acessar o trabalho, ela precisa de uma capacitação, o que ela não tem. Quando o Estado precariza as políticas, nosso trabalho também é prejudicado”, aponta Erika.

De acordo com o delegado da 11ª DP, Gabriel Ferrando, o “estupro clássico”, no qual a vítima não conhece o agressor, é minoria entre as ocorrências de violência contra a mulher na favela. “A maior parte dos estupros acontece no interior dos lares, com autoria conhecida”, diz, acrescentando que a maior parte dos crimes enquadrados na Lei Maria da Penha são de ameaça e lesão corporal. Inspetora da Polícia Civil e integrante do Núcleo de Atendimento à Mulher da delegacia, Paula Trakiridis lembra também que o afeto da vítima pelo agressor pode ultrapassar a vontade de se desvincular dele. “É muito comum que elas venham depois de um tempo retirar a queixa, por já terem reatado com o companheiro, por ele ter pedido perdão. É uma fase que já conhecemos e que faz parte da atitude da pessoa agressiva, que na maioria dos casos volta a cometer violência tempo depois”, afirma.

Oito anos da lei que ampara as mulheres

Há 8 anos, o combate contra a violência doméstica ganhou um novo aliado. Vista como um marco na luta pela igualdade de gênero, a Lei Maria da Penha enfrenta hoje obstáculos como a persistência de uma cultura machista e a repressão social contra vítimas que fazem denúncias. Ela tipifica situações de violência doméstica e determina que estes casos sejam apurados e encaminhados para o Ministério Público. Para especialistas, a lei possibilita avanços em um país onde cinco mulheres são agredidas a cada dois minutos, como mostrou a Fundação Perseu Abramo em 2011.

Na favela da Rocinha, Rio de Janeiro, 60% das ocorrências na 11ª DP são relacionadas à Lei Maria da Penha. Ali, assim como no país, a grande maioria das vítimas é mulher. Dados do Sistema de Informação de Notificação (Sinan) mostram, por exemplo, que 89% das vítimas de estupro são do sexo feminino e têm baixa escolaridade.

Para Laís Araújo, coordenadora do núcleo contra a violência doméstica do Viva Rio, a agressão contra a mulher ocorre tanto na favela quanto no asfalto. “A diferença é que, nas comunidades, as mulheres, pelos problemas sociais, sentem-se mais vulneráveis e fragilizadas”, afirma a assistente social. Ela acredita que a Lei Maria da Penha foi um avanço, mas aponta a necessidade de mudanças, como a capacitação de profissionais envolvidos no processo.

Esta é a intenção da cartilha “Construindo juntos”, desenvolvida no Viva Rio, que instrui agentes de saúde a identificar e acolher uma pessoa que esteja em situação de violência doméstica. “Por não saber como tratar do assunto, os agentes de saúde subnotificavam os casos de violência doméstica, tratando o problema observado como algo isolado. Hoje, trabalhamos em rede, pois somente os agentes não conseguem tratar do problema”, explica.

Erika Fernanda de Carvalho, coordenadora do Centro de Referência de Mulheres da Maré, concorda que o fenômeno é “democrático”. Para ela, a diferença está na proteção social com a qual conta a vítima. “Uma mulher que denuncia a violência tem filhos e precisa se sustentar, mas não há creche em tempo integral para deixar as crianças. Para acessar o trabalho, ela precisa de uma capacitação, o que ela não tem. Quando o Estado precariza as políticas, nosso trabalho também é prejudicado”, aponta Erika.

O inimigo mora em casa

Casos marcantes como o estupro e assassinato da menina Rebeca de Carvalho, 9 anos, em outubro de 2013, e de Francisca Gleiciane, 18 anos, em março deste ano, chocaram a Rocinha. No entanto, de acordo com o delegado da 11ª DP, Gabriel Ferrando, o “estupro clássico”, onde a vítima não conhece o agressor, é minoria entre as ocorrências de violência contra a mulher na favela. “A maior parte dos estupros acontece no interior dos lares, com autoria conhecida”, diz, acrescentando que a maior parte dos crimes enquadrados na Lei Maria da Penha são de ameaça e lesão corporal.

Um dado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra, no entanto, como os constrangimentos à denúncia são ainda um grande desafio. Das 527 mil pessoas que são estupradas anualmente no Brasil, somente 10% vão à polícia. Outra pesquisa, desta vez dos institutos Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, mostrou em 2013 que 85% dos entrevistados acham que as mulheres que denunciam seus parceiros correm mais riscos de serem assassinadas.

Para Ferrando, fatores como a dependência econômica das vítimas e o medo de exposição muitas vezes impedem que muitas vítimas denunciem o agressor. A inspetora da Polícia Civil e integrante do núcleo de atendimento à mulher da delegacia Paula Trakiridis lembra também que o afeto da vítima pelo agressor pode ultrapassar a vontade de se desvincular dele. “É muito comum que elas venham depois de um tempo retirar a queixa, por já terem reatado com o companheiro, por ele ter pedido perdão. É uma fase que já conhecemos e que faz parte da atitude da pessoa agressiva, que na maioria dos casos volta a cometer violência tempo depois”, afirma Paula.

Apesar destes obstáculos, Ferrando é otimista. “Eu acho que o aumento de casos no noticiário está relacionado ao maior acesso à informação, e o projeto de pacificação ajudou nisso. A demanda existia, mas a informação e os direitos disponíveis eram menores”, afirma o delegado, acrescentando que a Lei Maria da Penha revolucionou o campo jurídico ao dispor de medidas cautelares que visam proteger o patrimônio da vítima, além de sua integridade física e psicológica.

“Aprendi a me defender”

A Lei Maria da Penha determina o encaminhamento das vítimas de violência a programas e serviços de proteção e assistência social. No complexo de favelas da Maré, o Centro de Referência de Mulheres recebe, desde 2004, apoio e investimento do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH), da UFRJ. A equipe, coordenada por Erika de Carvalho, é composta por assistentes sociais, psicólogos, advogados e um pedagogo.

“Atendemos não só casos de violência doméstica, mas também qualquer assunto legal ligado à mulher. Temos oficinas de artesanato e oferecemos cursos sobre direitos humanos, além da capacitação de agentes de saúde”, diz Erika, reafirmando a necessidade de uma educação nas escolas que não reforce estereótipos de gênero e que não perpetuem a violência contra a mulher.

A dona de casa Vera Lúcia Jorge, de 56 anos, da Vila do João, diz que, frequentando o Centro, aprendeu a libertar-se da violência que sofria. “Fiz o curso de direitos humanos e tive acompanhamento de psicólogos. Na minha casa, eu sofria violência física e psicológica. Depois que passei a aprender sobre meus direitos, aprendi também a me defender. Eu achava que tinha a obrigação de ficar o tempo todo em casa, lavando, passando, arrumando. Hoje, venho aqui todo dia e me sinto bem fazendo as oficinas e trocando experiências com outras mulheres. Aqui consigo até somar na minha renda. No passado, eu tinha medo do meu marido, por ele me agredir o tempo todo. Hoje em dia eu me imponho e ele não me bate mais”, diz Vera.

Um mal que persiste

Laís Araujo lembra que a cultura machista está diretamente relacionada à violência doméstica. “Procuramos desmistificar bordões como briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Acreditamos que a intervenção é necessária sim”, afirma.

A desigualdade de gênero pode ser observada também nos dados. A pesquisa “Percepções dos Homens sobre a Violência Doméstica contra a Mulher”, dos institutos Avon e Data Popular, mostrou em 2013 que 89% dos homens consideravam inaceitável que a mulher não mantivesse a casa em ordem; 37% deles opinaram que, por causa da Lei Maria da Penha, as mulheres os desrespeitavam mais. Entre os entrevistados, 56% admitiram já ter xingado, empurrado, agredido verbalmente, dado tapa ou soco, impedido de sair de casa ou obrigado a fazer sexo.

Por Deborah Athila, para o Viva Favela

Acesse no site de origem: Mulheres sofrem violência no asfalto ou na favela (Brasil 247, 08/08/2014) 

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